Fazenda no Nordeste transforma escassez em modelo de inovação no semiárido com búfalos, galinhas soltas, geração de energia própria e laticínios sofisticados feitos com leite de búfala.
No Nordeste, bem no agreste potiguar, entre as curvas secas da BR-406, uma antiga fazenda desafia o que se entende por limites do semiárido. Em Taipu, no Rio Grande do Norte, o sol castiga há décadas mais do que consola.
A média de chuvas não chega a 850 milímetros por ano, e a irrigação tradicional, comum em outras regiões do país, ali não é uma opção: o subsolo é de rocha cristalina, sem água disponível.
Ainda assim, foi nesse ambiente adverso que Francisco de Assis Veloso Jr. construiu uma das fazendas mais inovadoras do Brasil.
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Transição da cana-de-açúcar para a avicultura
Segundo reportagem publicada pelo Globo Rural, as tentativas no Nordeste começaram em 1989, quando o então gerente agrícola de uma usina de cana-de-açúcar decidiu comprar uma fazenda de um dos seus patrões.
Com quase 500 hectares, o plano inicial era simples: plantar cana e vender para a própria usina onde trabalhava.
A expectativa era de lucro rápido e certo. “Pronto, agora eu vou estourar de ganhar dinheiro”, lembra Veloso. Mas, em dois anos, a cana morreu por completo. A seca venceu.
“Vi que nessa condição de semiárido que a gente tem aqui, com precipitação anual extremamente irregular, não tinha como fazer cultivo de cana de açúcar de sequeiro”, conta o produtor.
Como não havia possibilidade de irrigação, o prejuízo foi total.
Veloso seguiu trabalhando na usina até ouvir uma sugestão de um amigo que atuava na avicultura perto de Natal.
O Globo Rural apurou que o Rio Grande do Norte, naquela época, era um estado importador de ovos.
Em 1991, ele procurou um banco, conseguiu financiamento e iniciou a criação de 15 mil galinhas poedeiras.
O novo negócio deu certo. Em apenas cinco anos, o plantel subiu para 80 mil aves.
Produção caipira e pastoreio racional
Foi então que Veloso teve a ideia considerada “maluca”: transformar a criação de galinha no semiárido em uma produção caipira comercial de grande escala, com as aves soltas em piquetes.
“A gente imaginou trabalhar com galinha em piquete, mas é difícil. Ela não anda em corredores, nunca vi galinha no circo”, brinca.
Paralelamente, o pecuarista também mantinha cerca de 200 cabeças de gado. Elas passaram a se beneficiar de uma técnica chamada Pastoreio Racional Voisin (PRV).
Ele conheceu o método assistindo ao programa da própria emissora e chamou o especialista da reportagem para auxiliá-lo na implementação.
A aposta ousada nos búfalos no Nordeste
Ainda de acordo com o Globo Rural, a inquietação de Veloso o levou mais longe. O mesmo técnico do PRV sugeriu, em 1999, algo ainda mais ousado: criar búfalos.
“Como todo mundo, eu fiquei também surpreso”, relembra. Mas decidiu testar.
Alimentou os búfalos com o mesmo manejo oferecido aos bois e descobriu que eles ganhavam 27% mais peso. Estava decidido o futuro da fazenda.
Adaptações para o conforto térmico e acesso à água
Mas havia um problema: os búfalos transpiram menos que os bois e precisam de água para se refrescar.
Em pleno semiárido, essa seria a barreira mais difícil de transpor.
Para resolver isso, instalou estruturas chamadas “Sombrits”, que bloqueiam até 80% da luz solar e oferecem conforto térmico.
Também construiu cinco cisternas com capacidade total de 3 milhões de litros, usando a água captada nos telhados da fazenda.
Mesmo assim, o volume armazenado não era suficiente. Veloso então furou dois poços artesianos em propriedades vizinhas e trouxe a água por 8 km de tubulação subterrânea, reduzindo em até 80% o custo, se comparado ao fornecimento público.
Palma forrageira e inovação alimentar no rebanho
Outra inovação foi o uso intensivo da palma forrageira, planta resistente à seca e rica em água.
Hoje, ela representa 30% da alimentação do rebanho.
Segundo relatou em entrevista concedida ao Globo Rural, “se uma búfala consome 100 kg de palma, está ingerindo até 90 litros de água. Se tiver um bebedouro do lado, ela nem precisa dele”.
Além disso, a mesma cana que causou prejuízo no início da jornada voltou à fazenda, agora plantada na parte baixa da propriedade, com mais água disponível.
Desestacionalização do cio das búfalas
Mas um novo desafio surgiu: o ciclo reprodutivo das búfalas, concentrado entre abril e julho, dificultava o manejo.
O jornal também apontou que a solução veio com a desestacionalização do rebanho, conduzida por um professor parceiro.
Com o uso de hormônios, as fêmeas passaram a entrar no cio o ano todo, permitindo inseminações e partos em qualquer época.
Hoje, a fazenda conta com um dos maiores rebanhos bubalinos do país.
Os animais são selecionados com base na quantidade de leite, teor de gordura e proteína, o que permite estimar a produção de muçarela por lactação.
Leite de búfala e laticínios artesanais de alto valor no Nordeste
O sistema de ordenha instalado na propriedade é o único da marca no mundo específico para búfalos e recolhe cerca de 2.200 litros de leite por dia.
Esse leite é usado na produção de muçarela, burrata, ricota, queijo minas, coalho e outros derivados.
Toda a operação ainda conta com geração de biogás, obtido do esterco dos animais e das aves, utilizado na caldeira para pasteurizar o leite e aquecer a água da produção.
O excedente da biomassa também aduba o pasto por irrigação.
Para completar, um aerogerador instalado na fazenda aproveita o vento forte da região para reduzir os custos de energia.
Convivência com a seca como estratégia de sobrevivência
Ao Globo Rural, Francisco Veloso Jr. resumiu a principal lição da sua trajetória: “A seca é um fenômeno normal. Vai acontecer. Sempre aconteceu. Estar preparado é melhor do que reclamar. Dá pra conviver com ela. É mais caro, mais difícil, mas é possível. Quem sabe até com um pouco de loucura.”
Você acredita que o futuro da produção agrícola no semiárido pode ser tão fértil quanto as regiões mais úmidas do país?