Especialistas alertam que o uso indiscriminado da Inteligência Artificial pode comprometer habilidades essenciais de crianças, criando a ilusão de aprendizado fácil e enfraquecendo o desenvolvimento do pensamento crítico em um cenário de distrações abundantes.
Durante visita ao Brasil, o escritor de ficção científica Ted Chiang, autor do conto que inspirou o filme “A Chegada”, fez um alerta direto: o uso indiscriminado de IA generativa na educação pode criar a ilusão de aprendizado sem esforço e comprometer habilidades fundamentais das crianças.
Para ele, a eficiência prometida por sistemas automatizados não substitui a prática necessária para formar raciocínio, memória de trabalho e pensamento crítico.
“O grande risco está em oferecer às crianças a ilusão de aprendizado sem esforço”, disse. Em suas palavras, aprender “exige prática, dedicação e resiliência”.
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IA e infância: aprendizado rápido versus formação sólida
O ponto central do argumento de Chiang é pedagógico. Em sala de aula, tarefas desafiadoras constroem repertório e autonomia intelectual.
Quando uma ferramenta entrega respostas prontas, a criança pode pular etapas que estruturam o entendimento.
Segundo o autor, esse atalho enfraquece a capacidade de formular perguntas, de avaliar fontes e de conectar ideias — competências que sustentam a leitura crítica e a solução de problemas.
Ao mesmo tempo, a tecnologia se apresenta como atalho tentador.
Sistemas conversacionais e geradores de texto devolvem resultados em segundos e encorajam a terceirização do esforço cognitivo, fenômeno que, para Chiang, tende a se intensificar em um ambiente já saturado de estímulos.
Se a rotina digital oferece “um caminho fácil”, afirma, o aluno pode confundir resposta imediata com aprendizagem real.
Efeitos colaterais: excesso de conteúdo, energia e direitos autorais
O escritor também chama atenção para impactos colaterais do ecossistema de IA. O primeiro é o excesso de conteúdo irrelevante, que dilui o que de fato informa e engaja.
Conteúdos gerados em escala tornam mais difícil encontrar materiais que exijam reflexão, o que pode rebaixar o nível de exigência cognitiva do cotidiano.
Outro ponto é o custo energético associado ao treinamento e à operação de grandes modelos.
Embora não detalhe números, Chiang argumenta que a demanda por processamento amplia a pegada ambiental do setor e precisa entrar na conta de políticas públicas e decisões escolares.
Há ainda os impasses de propriedade intelectual. O uso de bases amplas para treinar modelos levanta questionamentos legais e éticos sobre autoria, remuneração e crédito de obras.
Na leitura do autor, esse cenário reforça a necessidade de transparência e regras claras para mitigar danos a criadores e preservar diversidade cultural.
Um cenário de distrações abundantes
Para além da IA, a dispersão já era um desafio. A novidade, aponta Chiang, é a escala e a acessibilidade de distrações no cotidiano das crianças.
Plataformas que maximizam tempo de tela se combinam a algoritmos que priorizam volume e velocidade.
Nesse ambiente, a IA pode funcionar como um acelerador do consumo automático, reduzindo espaço para o estudo deliberado e para o erro produtivo — aquele que ensina.
Ainda assim, ele reconhece que nem todos os públicos reagem da mesma forma. Como em períodos anteriores, uma parcela continuará buscando aprofundamento.
A diferença, hoje, é o ruído generalizado que torna mais custoso encontrar material de qualidade e manter foco.
Uso pedagógico com propósito: onde a IA ajuda
O contraponto aparece na prática educacional. Ferramentas de IA já apoiam personalização de trilhas de estudo, acessibilidade para quem aprende em ritmos diferentes e produção de materiais didáticos.
Em regiões com menos recursos, elas podem ampliar o acesso ao conhecimento e reduzir desigualdades de conteúdo.
Na gestão de sala, professores relatam ganhos de eficiência com assistentes virtuais que organizam planos de aula, sugerem exercícios e agilizam correções.
Esse tempo devolvido se converte, idealmente, em interação humana qualificada: mais mediação, feedback formativo e acompanhamento próximo de dificuldades específicas.
“Aliada, não atalho”: o que dizem os educadores
A leitura do setor educacional converge para um princípio: uso com finalidade. “O ponto levantado pelo Ted Chiang é importante, mas precisamos olhar a Inteligência Artificial também pelo seu potencial transformador.
A aprendizagem exige esforço, prática e dedicação — isso não muda. O que a IA faz é abrir portas para mais conteúdos, personalizar trilhas e tornar o acesso ao conhecimento mais democrático”, afirma Diogo França, diretor da XP Educação.
Para ele, o desafio não é rejeitar a tecnologia, e sim definir limites e propósitos claros para que a ferramenta complemente, e não substitua, o esforço intelectual.
Na prática, isso significa usar sistemas para diagnosticar lacunas, oferecer andamiações proporcionais e, gradualmente, retirar o suporte à medida que o aluno ganha autonomia.
O objetivo é reforçar habilidades de estudo e evitar que o estudante confunda facilitação com conclusão de aprendizagem.
Como evitar a terceirização do esforço cognitivo
Especialistas sugerem critérios objetivos para enquadrar a IA no processo.
Vale definir tarefas em que a ferramenta serve de instrumento — por exemplo, gerar exemplos adicionais após a primeira tentativa do aluno ou propor variações de exercícios.
E aquelas em que seu uso deve ser vetado, como a produção do texto final de uma avaliação. Em ambos os casos, a regra é preservar o núcleo do raciocínio com o estudante.
Também ajuda tornar transparentes as etapas do aprender. Ao pedir que o aluno descreva o caminho percorrido, apresente rascunhos ou explique por que escolheu determinada solução, a escola desloca o foco do resultado para o processo.
A IA, quando entra, precisa ficar no papel de apoio e registro, e não no de atalho.
Inovação com responsabilidade
O alerta de Chiang funciona como contrapeso em um cenário animado com novas possibilidades.
Ele não descarta a tecnologia, mas reforça o princípio de que “aprender é difícil, e é justamente isso que o torna valioso”.
A mensagem converge com a prática escolar que busca combinar mediação humana, exercícios desafiadores e instrumentos tecnológicos ao serviço de metas pedagógicas claras.
A baliza, portanto, não é proibir nem celebrar sem ressalvas. É integrar com critérios, avaliar impactos e ajustar rotas conforme evidências de aprendizagem.
Em um ambiente de distrações abundantes, a escola e as famílias ganham relevância ao tornar visíveis os limites e ao reafirmar o valor do esforço sustentado.
Se a IA amplia o acesso e oferece novas camadas de personalização, mas também traz riscos de comodismo intelectual e ruído informacional, qual será o conjunto de regras e práticas que sua escola ou sua família adotará para garantir que a tecnologia atue como aliada — e não como substituta — do pensamento crítico das crianças?