De imigrantes alemães sapateiros ao centro da inteligência do setor, conheça a trajetória da capital nacional do calçado
Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, é reconhecida oficialmente como a capital nacional do calçado. Este título não é apenas honorífico; ele descreve uma cidade cuja economia, cultura e até o aroma das ruas, marcado por décadas pelo cheiro de couro e adesivos industriais, foram forjados por essa indústria. Desde a sua fundação, a cidade se tornou o principal motor econômico do setor no país, uma realidade consolidada ao longo de mais de um século de trabalho.
A história de Novo Hamburgo é uma narrativa de imigração alemã, trabalho artesanal e transformação industrial. Estudos da Confederação Nacional de Municípios (CNM), que fundamentaram o reconhecimento oficial da cidade, destacam como a indústria do couro e calçado se tornou a viga mestra da economia local. Essa trajetória não apenas gerou riqueza, mas moldou profundamente a paisagem urbana e a vida dos trabalhadores, transformando um pequeno povoado no maior polo calçadista do Brasil.
O legado alemão e o chão de fábrica
A vocação de Novo Hamburgo para o calçado começou muito antes das grandes fábricas. A chegada dos primeiros imigrantes alemães, em 1824, trouxe para o Vale do Rio dos Sinos o Handwerk – um profundo conhecimento técnico em ofícios manuais, especialmente o curtimento de couro e a fabricação artesanal de sapatos. Inicialmente uma atividade de subsistência, a combinação do conhecimento europeu com a abundância de matéria-prima local (o couro da pecuária gaúcha) criou a sinergia perfeita para o surgimento das primeiras oficinas.
-
Na mira dos EUA e acusado de prejudicar gigantes como Visa e Mastercard, Pix do Banco Central vira exemplo e é adotado por país vizinho após ajuda de empresa brasileira
-
Por que a FAB vai pagar US$ 230 milhões por helicópteros Black Hawk sem licitação? Entenda a negociação com os EUA
-
Porteiro perdem seus empregos para a IA, mas TST garante indenização de 10 salários para demitidos por causa de portaria virtual
-
Ranking mundial revela os 10 países mais corruptos do planeta e coloca o Brasil em sua pior posição desde o início da série histórica
Com o tempo, essas oficinas evoluíram para a produção industrial. A transição do artesanato para a manufatura em larga escala, marcada por pioneiros como Pedro Adams Filho no final do século XIX, reconfigurou a sociedade hamburguense. Conforme detalhado em análises da ANPUH (Associação Nacional de História), o surgimento das fábricas criou uma nova classe social: o sapateiro industrial. O impacto urbano foi profundo, levando à formação de bairros operários inteiros, como o Bairro Operário e a Vila do IAPI, planejados para abrigar a crescente força de trabalho e moldando a geografia da cidade em torno da produção.
A ANPUH também destaca como essa industrialização definiu as relações de trabalho e a própria identidade da comunidade. A vida do operário era ditada pelo ritmo das máquinas e pelo som das sirenes das fábricas, criando um senso de pertencimento e, ao mesmo tempo, uma história de luta por direitos. Essa memória coletiva está impressa em monumentos públicos, que refletem a tensão entre o orgulho do ofício e a dureza da rotina fabril, provando que a indústria é a alma da cidade.
A consolidação como potência e o papel das feiras
O reconhecimento de Novo Hamburgo como a capital nacional do calçado foi solidificado por sua capacidade de se projetar no cenário nacional e internacional. O ponto de virada foi a criação da Feira Nacional do Calçado (FENAC), em 1963. Este evento visionário transformou a cidade em um centro de negócios global, atraindo compradores de todo o mundo e servindo como a principal vitrine para a produção local, que até então era focada majoritariamente no mercado interno.
De acordo com a Confederação Nacional de Municípios (CNM), cujo material embasou o título oficial da cidade, a importância dessas feiras e eventos foi crucial para consolidar essa identidade. Elas não apenas geraram negócios diretos, mas compeliram os fabricantes locais a investir em design, qualidade e inovação para competir nos mercados mais exigentes do mundo. A FENAC, juntamente com outras feiras do complexo, como a FIMEC, foi o motor que impulsionou o “boom da exportação” nas décadas de 1970 e 1980, consolidando a indústria calçadista como o pilar indiscutível da economia regional.
Reinvenção: do “Choque da China” ao centro da inteligência
A era de ouro, no entanto, enfrentou seu maior desafio nos anos 1990. A abertura econômica do Brasil e a concorrência avassaladora dos produtos asiáticos, o chamado “Choque da China”, devastaram a indústria local. Empresas que competiam apenas pelo custo da mão de obra fecharam as portas em massa, gerando uma crise de desemprego profunda. Novo Hamburgo foi forçada a se reinventar para não perder sua relevância histórica.
A sobrevivência veio pela tecnologia e pela mudança de foco. Em vez de competir apenas na produção em massa, a cidade migrou para serviços de maior valor agregado. Reportagens especiais do Portal ABCMais definem o status atual de Novo Hamburgo não apenas como uma cidade de fábricas, mas como o “centro da inteligência do calçado” no Brasil. Hoje, a região concentra toda a cadeia de suprimentos, desde fornecedores de componentes e máquinas até escritórios de design e tecnologia de ponta.
A importância das instituições locais nos processos
O Portal ABCMais também ressalta a importância vital de instituições locais nesse processo de reinvenção. A FENAC se adaptou e continua sendo uma plataforma de negócios essencial. Paralelamente, o IBTeC (Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro, Calçado e Artefatos) tornou-se fundamental para a inovação, realizando testes de qualidade, estudos de biomecânica e desenvolvimento de novos materiais. Líderes do setor entrevistados pelo portal são unânimes: é essa infraestrutura robusta de conhecimento e serviços que garante a relevância global e a competitividade da cidade hoje.
A trajetória de Novo Hamburgo é a prova de que a identidade industrial pode evoluir sem ser perdida. A cidade que um dia teve suas ruas tomadas pelo cheiro de couro, hoje respira inovação. A capital nacional do calçado honra seu passado de imigrantes sapateiros ao mesmo tempo em que lidera o futuro do setor no país, provando que sua maior força é a capacidade de adaptação.
Você é da região ou conhece a história da indústria calçadista? Qual é a sua memória mais forte sobre essa transformação de Novo Hamburgo? Deixe sua opinião nos comentários, queremos saber como você enxerga o legado e o futuro da cidade.