Engenheiros da Universidade RMIT desenvolveram um material inovador de construção feito apenas com papelão reciclado, terra e água. A solução tem 75% menos emissões que o concreto, custa três vezes menos e pode ser produzida diretamente no canteiro de obras
Engenheiros da Universidade RMIT, na Austrália, desenvolveram um material de construção inovador feito apenas de papelão reciclado, solo e água. A criação representa um marco na construção sustentável porque reduz em até 75% as emissões de carbono em comparação com o concreto tradicional, além de custar menos de um terço do valor e ser totalmente reutilizável e reciclável.
A produção do material, batizado de “terra compactada com papelão”, ocorre em um contexto de urgência ambiental.
Somente na Austrália, mais de 2,2 milhões de toneladas de papel e papelão acabam em aterros sanitários todos os anos, enquanto a produção de cimento e concreto é responsável por cerca de 8% das emissões globais de CO₂.
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A inovação oferece uma alternativa concreta a esse cenário, ao transformar resíduos em recurso e reduzir drasticamente o impacto ambiental das construções.
Tecnologia inspirada e adaptada ao século XXI
Inspirada em estruturas icônicas como a Catedral de Papelão de Shigeru Ban, na Nova Zelândia, a equipe do RMIT foi além do conceito artístico. O papelão deixou de ser apenas um invólucro temporário e passou a ter função estrutural essencial, atuando em conjunto com a terra compactada. O resultado é um material com apenas um quarto da pegada de carbono do concreto e que dispensa totalmente o uso de cimento.
Segundo o pesquisador líder do projeto, Dr. Jiaming Ma, a tecnologia permite erguer estruturas resilientes para edifícios de pequeno porte, com custos muito mais baixos e maior adaptação ao ambiente local.
A simplicidade do processo construtivo é outro diferencial: a mistura de terra e água é inserida em formas de papelão e compactada sem aditivos químicos ou ligantes industriais.
Construção local e baixo impacto ambiental
O método desenvolvido tem vantagens logísticas e econômicas significativas. A fabricação pode ocorrer diretamente no canteiro de obras, utilizando materiais disponíveis no próprio terreno. Isso elimina a dependência de cadeias de suprimentos complexas e reduz o transporte de insumos pesados e poluentes.
De acordo com o professor emérito Yi Min “Mike” Xie, a técnica é especialmente útil em regiões remotas ou rurais, onde o transporte de cimento, aço ou concreto se torna caro e ineficiente.
Nesses casos, basta levar tubos de papelão até o local da obra, já que os demais materiais podem ser coletados no ambiente imediato.
Essa abordagem é particularmente promissora em áreas com solos argilosos, como o interior australiano. Nesses locais, a “terra compactada com papelão” pode ser usada em casas, escolas e abrigos emergenciais.
Além disso, sua alta inércia térmica ajuda a manter a temperatura interna estável, reduzindo a necessidade de ar-condicionado e diminuindo o consumo energético.
Versatilidade e potencial de aplicação
Outro diferencial está na versatilidade estrutural do material. A resistência mecânica pode ser ajustada conforme a espessura do papelão utilizado. Os engenheiros do RMIT desenvolveram métodos para prever e calcular essa resistência, permitindo adequar a técnica a diferentes necessidades arquitetônicas.
Em estudos paralelos, a equipe também testou o uso de fibras de carbono como reforço, alcançando resistência semelhante à do concreto de alto desempenho. Embora essa versão ainda precise ser avaliada do ponto de vista ambiental, ela demonstra o potencial de evolução do material.
Caminhos para um futuro mais sustentável
A introdução dessa tecnologia representa mais do que um avanço técnico: é uma solução prática e ambientalmente responsável para problemas globais urgentes, como a geração de resíduos, a emissão de gases do efeito estufa e o acesso a moradias dignas.
Entre as possibilidades de aplicação estão programas de habitação social em áreas vulneráveis, treinamentos comunitários para construção com recursos locais e regulamentações urbanas mais flexíveis que incentivem materiais alternativos.
O design modular e adaptável dessa técnica favorece a arquitetura participativa e a autoconstrução, enquanto sua eficiência térmica pode ser combinada com sistemas de energia renovável para construções ainda mais sustentáveis.
O mais importante é que a solução não depende de tecnologias caras nem de materiais importados. Está ao alcance de comunidades que buscam construir de forma ecológica e duradoura.
Ao unir técnicas ancestrais com inovação moderna, a “terra compactada com papelão” se apresenta como uma ponte promissora entre o passado e um futuro de construção sustentável, eficiente e inclusiva.