Imagens aéreas revelam imensos pátios de carros elétricos abandonados em várias cidades chinesas, onde veículos com menos de uma década permanecem esquecidos, muitos ainda com objetos pessoais em seu interior, transformando-se em símbolos do rápido colapso do setor.
Desde 2019, grandes áreas em ao menos seis cidades chinesas acumulam centenas de carros elétricos idênticos, deixados para apodrecer em terrenos baldios e estacionamentos afastados.
Em alguns pontos, a vegetação tomou conta da lataria. Em outros, os veículos foram largados às pressas, ainda com pertences no interior.
As cenas, registradas por reportagens e imagens aéreas, escancaram o efeito colateral da expansão acelerada da mobilidade elétrica no país.
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Como surgiram os cemitérios de elétricos
O volume de carros abandonados não é fruto de um único motivo.
A combinação de crescimento rápido, mudanças nas regras de incentivo e consolidação industrial explica a formação desses depósitos a céu aberto.
Em 2019, a China apertou critérios e reduziu subsídios para veículos de nova energia, alterando a equação de custos de empresas que dependiam desses estímulos para operar frotas.
O resultado, visto a partir daquele ano, foi o fechamento de várias iniciativas e a concentração do mercado.
Frotas de aplicativos sob pressão
O avanço de serviços de transporte por aplicativo ao longo da década foi expressivo. Até outubro de 2023, 334 plataformas possuíam licença para operar no país, indicando a dimensão do setor.
Mas, com a reconfiguração dos incentivos e a competição crescente, parte dessas empresas encolheu ou encerrou atividades, deixando frotas inteiras ociosas.
Os pátios de veículos acumulados em várias cidades tornaram-se o retrato desse ajuste.
Por que quase todos são brancos
As imagens mostram predominância de carros brancos, com raras exceções em prata ou azul-claro.
Essa padronização se explica por dois fatores combinados: preferência do consumidor local por tons claros e prática comum de frotas corporativas e de aplicativos.
Estudos setoriais apontam que o branco segue como a cor automotiva mais popular na China, o que ajuda a entender a aparência homogênea dos lotes abandonados.
Hangzhou, um caso emblemático
Em Hangzhou, onde os carros começaram a se acumular ainda em 2019, autoridades prometeram retirar os veículos. Mesmo assim, reportagens identificaram centenas de unidades no mesmo terreno anos depois.
A maior parte exibia placas azuis, sinal de que foram fabricados e registrados antes de dezembro de 2017, quando a cidade adotou as placas verdes para veículos de nova energia.
Esse marco foi formalizado em 26 de dezembro de 2017, quando a emissão das novas placas avançou na capital de Zhejiang.
Registros afixados nos para-brisas indicavam que alguns carros seguiram em circulação até 2021.
Ainda em Hangzhou, a inspeção visual das frotas mostrou que os veículos eram, em sua maioria, da Chongqing Changan Automobile Co., operados por empresas de transporte como Didi Chuxing e Faststep Automobile Management, reforçando a ligação desses “cemitérios” com frotas de aplicativo que perderam viabilidade operacional.
Consolidação: de 500 marcas para cerca de 100
O ajuste competitivo também pesou. Em 2019, o país tinha cerca de 500 fabricantes registrados de carros elétricos.
Após anos de disputa por mercado e corte de incentivos, sobraram por volta de 100.
A retração do número de montadoras, embora tenha promovido eficiência, deixou para trás modelos rapidamente ultrapassados em um setor onde novos lançamentos chegam em ritmo acelerado.
Modelos que envelhecem depressa
A própria velocidade da inovação ajuda a explicar por que muitos veículos não encontraram destino no mercado de usados.
Com atualizações frequentes de software, baterias mais eficientes e autonomia crescente, modelos lançados poucos anos antes tornaram-se obsoletos para serviços profissionais.
Para parte das empresas, especialmente as que encerraram operações, estocar ou vender esses carros em massa foi menos viável do que simplesmente abandoná-los, apesar do prejuízo.
Em algumas localidades, lotes foram parcialmente limpos. Em outras, a pilha de veículos persistiu.
Sinalização oficial nas placas: azul e verde
A mudança cromática das placas ajuda a datar os veículos. A placa verde para veículos de nova energia começou a ser implementada por cidades-piloto em 2016 e se expandiu em 2017, com adoção em Hangzhou em 26 de dezembro daquele ano.
A presença de placas azuis nos carros acumulados indica registros anteriores a essa virada, enquanto etiquetas de inspeção mostram que alguns ainda rodavam até 2021, antes de serem descartados em massa.
O paralelo com as bicicletas compartilhadas em 2018
As imagens remetem ao colapso do mercado de bicicletas compartilhadas observado em 2018, quando o excesso de oferta e a falência de empresas deixaram montanhas de bikes recolhidas por prefeituras em várias cidades chinesas.
Assim como ocorreu com as bicicletas, os “cemitérios” de carros elétricos expõem os descompassos entre a inovação acelerada, a regulação e a sustentabilidade econômica dos modelos de negócio escalados em pouco tempo.
O que fica exposto
O fenômeno dos “cemitérios de elétricos” não invalida o avanço da eletrificação na China, mas evidencia os custos da transição quando políticas públicas e estratégias privadas mudam de direção rapidamente.
Ao mesmo tempo em que o país seguiu liderando vendas e consolidando fabricantes competitivos, bolsões de ineficiência ficaram visíveis na paisagem urbana.
Em meio a esse ajuste, a destinação adequada dos veículos e de suas baterias continua sendo um ponto sensível para governos locais e empresas, que passaram a integrar esforços de limpeza e descarte conforme a pressão pública aumentou.
Diante desse cenário, qual deve ser a prioridade imediata: acelerar a remoção e reciclagem dessas frotas paradas ou atacar as falhas de mercado que ainda podem produzir novos “cemitérios” nos próximos anos?