Investimentos chineses no Brasil atingem recorde recente, ganham diversidade setorial e revelam disputa estratégica em meio à tensão comercial com os Estados Unidos, aproximando ainda mais Brasília e Pequim em acordos diplomáticos e econômicos.
O Brasil tornou-se o terceiro maior destino global de investimentos chineses e o primeiro fora da Europa, com US$ 4,2 bilhões aportados em 2024, mais que o dobro de 2023, segundo levantamento do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).
A alta ocorre em meio à escalada tarifária entre Estados Unidos e China e ao adensamento dos laços diplomáticos entre Brasília e Pequim.
Capital chinês ganha tração no Brasil
Os aportes deixaram de se concentrar apenas em grandes obras de energia e passaram a alcançar setores diversificados, incluindo carros elétricos e delivery.
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O CEBC registrou 39 projetos chineses no país em 2024, um recorde.
O avanço reposicionou o Brasil no ranking: após ocupar a nona posição em 2022 e 2023, o país saltou para terceiro destino do capital chinês, atrás de Reino Unido e Hungria.
Apesar do salto, os valores permanecem inferiores à média entre 2015 e 2019, quando os investimentos chineses somaram US$ 6,6 bilhões ao ano, puxados por linhas de transmissão e campos de petróleo.
Ainda assim, a tendência atual é de pulverização de projetos e entrada de novas companhias, efeito de uma mudança geopolítica em curso.
Guerra comercial e tarifas dos EUA
A reconfiguração é alimentada por tensões comerciais.
Em fevereiro de 2025, o governo dos Estados Unidos, sob Donald Trump, impôs um tarifário adicional de 10% sobre importações chinesas e endureceu regras para envios de baixo valor, movimento seguido de retaliações por parte de Pequim.
O encarecimento do acesso ao mercado norte-americano pressiona empresas chinesas a buscar espaço em economias emergentes, como o Brasil, reduzindo exposição a barreiras nos EUA.
Mesmo nesse cenário, os Estados Unidos seguem como a maior fonte de investimento direto no Brasil, com US$ 8,5 bilhões em 2024, conforme dados oficiais.
O Brasil, por sua vez, tem reforçado a aproximação com a China para atrair fábricas, tecnologia e cadeias de valor.
Encontros de Lula e Xi fortalecem diplomacia
A relação bilateral ganhou impulso com dois encontros entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping no último ciclo de doze meses.
Em 20 de novembro de 2024, em Brasília, Brasil e China elevaram o relacionamento ao patamar de “Comunidade de Futuro Compartilhado”.
Em 13 de maio de 2025, em Pequim, Lula voltou a se reunir com Xi durante agenda que incluiu o Fórum China-CELAC, com anúncios de novas parcerias.
Esse pano de fundo diplomático tem sido citado por empresas como razão para desembolsos e planos de expansão no Brasil.
Competitividade e cadeias produtivas locais
Para o secretário de Desenvolvimento Industrial do MDIC, Uallace Moreira, a chegada de companhias chinesas pode elevar o padrão de disputa no parque fabril brasileiro.
“É excelente a entrada da China. Vai promover um choque de competitividade com outras empresas no setor brasileiro industrial”, disse.
Ele ponderou, no entanto, que os ganhos serão maiores se os investimentos internalizarem etapas produtivas.
“Mas a gente precisa ir além e fazer com que esses investimentos desenvolvam as cadeias produtivas aqui”.
Hoje, diversas fábricas ainda importam componentes para a montagem final no país, prática especialmente visível em parte das montadoras de veículos elétricos.
Esse modelo gera menos empregos qualificados e reduz o efeito multiplicador no adensamento industrial, de acordo com a avaliação do governo.
Empresas chinesas ampliam presença em serviços
Enquanto isso, a Meituan anunciou a estreia de sua marca internacional Keeta no Brasil, com plano de R$ 5,6 bilhões para disputar o mercado de entregas.
No mesmo segmento, a Didi — controladora da 99 — comunicou o retorno do 99Food ao país em 2025, com investimento de R$ 1 bilhão e expansão do superapp.
A aposta simultânea de duas gigantes chinesas indica que o Brasil é visto como mercado-chave para serviços digitais de consumo.
Desafios no ambiente de negócios
Mesmo com a aceleração de projetos, empresas chinesas apontam custos logísticos elevados, complexidade tributária e rigidez trabalhista como entraves para produzir no Brasil.
O próprio MDIC reconhece que a expansão será mais sólida se houver reforma tributária efetiva, redução de custos sistêmicos e incentivos atrelados a transferência tecnológica e conteúdo local.
Caso BYD e fiscalização trabalhista
Em maio de 2025, procuradores do trabalho ajuizaram ação civil pública contra a BYD e contratadas após o resgate de 163 trabalhadores em Camaçari (BA), supostamente submetidos a condições análogas à escravidão durante a construção de uma fábrica.
A companhia nega irregularidades e afirma colaborar com as autoridades.
O episódio evidenciou que, à medida que investimentos crescem, cresce também o escrutínio sobre condições laborais e cadeias de fornecedores.
Brasil diante da disputa global por investimentos
A soma de fatores — tarifas nos EUA, diplomacia ativa entre Brasil e China e projetos de tecnologia e mobilidade — abriu uma janela de oportunidade.
O desafio será materializar o rótulo de “galinha dos ovos de ouro” em fábricas, pesquisa e vagas qualificadas, conectando o capital estrangeiro à política industrial brasileira.
As exigências por conteúdo local, formação de fornecedores e compliance trabalhista tendem a definir quem ficará e quanto do valor será efetivamente criado no país.
Com a disputa EUA-China em alta e o Brasil no centro do mapa de investimentos, qual deve ser o próximo passo para transformar aportes recordes em produtividade, salários melhores e autonomia tecnológica?