China redireciona suas importações agrícolas para Argentina e Austrália após medidas fiscais e tarifárias, afetando o mercado dos Estados Unidos e alterando o equilíbrio do agronegócio global.
Importadores chineses compraram milhões de toneladas de soja da Argentina em setembro, logo após Buenos Aires suspender temporariamente os impostos de exportação sobre grãos e derivados.
Ao mesmo tempo, a carne bovina australiana ganhou terreno no mercado chinês, enquanto as vendas dos Estados Unidos recuaram com força em meio a licenças vencidas para plantas frigoríficas e à escalada tarifária entre Washington e Pequim.
O movimento acendeu um alerta no governo norte-americano e reconfigurou o tabuleiro do agronegócio no curto prazo.
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Soja argentina ganha força com isenção de impostos
A decisão do governo de Javier Milei de suspender, por prazo limitado, as retenciones sobre soja, milho, trigo e derivados tornou os embarques argentinos mais competitivos.
Negociadores chineses fecharam ao menos 20 carregamentos, algo próximo de 1,3 milhão de toneladas, com embarques previstos para novembro e início de 2026.
Segundo relatos de mercado, os volumes deste mês alcançaram o maior patamar em sete anos, ocupando um espaço que, em anos anteriores, tenderia a ser suprido por fornecedores dos Estados Unidos.
Embora a China tradicionalmente concentre boa parte das compras do quarto trimestre na safra norte-americana, a combinação entre tarifas bilaterais, preços internos elevados nos EUA e a janela fiscal aberta pela Argentina empurrou os chineses para a América do Sul.
De acordo com reportagens internacionais, essa rodada de compras cobriu mais da metade das necessidades de curto prazo de esmagadoras chinesas, reduzindo a urgência de buscar grão norte-americano na virada da safra.
Governo Trump reage à aproximação entre China e Argentina
A guinada chinesa causou incômodo dentro do governo Donald Trump.
Durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, um fotógrafo registrou o secretário do Tesouro, Scott Bessent, lendo no celular uma mensagem atribuída a “BR”, interpretação corrente para a secretária da Agricultura, Brooke Rollins.
O teor apontava preocupação com o efeito colateral do alívio tributário argentino sobre os agricultores dos EUA e com a rota de vendas para a China.
Em público, integrantes do gabinete tentaram conter o desgaste.
Bessent afirmou que o apoio dos EUA a Buenos Aires se dá por meio de linha de swap de crédito, não por desembolsos diretos, e que o objetivo é dar estabilidade financeira à economia argentina.
Em paralelo, associações do setor agrícola norte-americano relataram perda de espaço na China e pediram previsibilidade nas negociações comerciais.
Carne bovina australiana substitui produto americano
No mercado de proteína bovina, a curva também virou.
Após Pequim retomar autorizações e retirar sanções impostas a vários frigoríficos australianos nos últimos anos, os embarques da Austrália para a China aceleraram.
Já os EUA sentiram um choque duplo: além da reacensão da disputa tarifária, centenas de registros de plantas e entrepostos frigorificados norte-americanos expiraram, afetando a capacidade de exportação.
Os números recentes ilustram a mudança de fluxo.
As vendas dos EUA para a China despencaram para algo próximo de US$ 8 milhões em julho e US$ 10 milhões em agosto, bem abaixo dos valores superiores a US$ 100 milhões observados nos mesmos meses do ano anterior.
No sentido oposto, a Austrália ampliou rapidamente sua fatia de mercado, amparada por oferta mais abundante e por um produto que atende nichos chineses de grão-alimentado.
Grandes processadoras americanas também enfrentam rebanho apertado e preços domésticos recordes, o que reduz a competitividade no exterior.
Brasil mantém liderança nas exportações de soja
Apesar do título sugerir um afastamento, o Brasil continua sendo o principal fornecedor de soja à China em 2025, com recordes de embarque ao longo do primeiro semestre e volumes robustos em agosto.
O que ocorreu, neste recorte de setembro, foi uma substituição tática: diante da brecha tributária aberta por Buenos Aires, compradores chineses aproveitaram para antecipar parte das compras na Argentina.
No caso da carne bovina, o reposicionamento favoreceu a Austrália, não o Brasil.
Ainda assim, há pontos de atenção para produtores brasileiros.
Em janeiro, a China suspendeu temporariamente embarques de algumas tradings e cooperativas por exigências fitossanitárias, ainda que o impacto global tenha sido limitado e depois atenuado.
Além disso, a volatilidade tarifária global e a intensificação da disputa comercial entre Washington e Pequim podem redistribuir demanda entre fornecedores de forma súbita, inclusive deslocando negócios da América do Sul conforme preços e regras mudem.
Efeitos imediatos no comércio agrícola global
Para a soja, a demanda chinesa por grão argentino deve se concentrar na janela em que a suspensão de impostos estiver vigente ou até que o teto estipulado pelo governo seja alcançado.
Esse fator, mais o câmbio e o avanço da colheita norte-americana, tende a pesar sobre prêmios e curvas futuras nas próximas semanas.
Por outro lado, esmagadoras chinesas relatam margens positivas com a soja sul-americana, reforçando o apetite por cargas adicionais se a janela fiscal for prorrogada.
Na carne bovina, os EUA enfrentam um processo mais difícil de reverter.
Mesmo que parte dos registros seja renovada e que haja alívio tarifário temporário em setores específicos, a quebra de continuidade no fornecimento costuma penalizar quem perde gôndola.
A Austrália, com oferta crescente e status sanitário reconhecido pela China, tende a consolidar contratos no último trimestre, enquanto os frigoríficos brasileiros seguem disputando nichos na Ásia com restrições pontuais.
Política comercial molda o novo mapa do agronegócio
O pano de fundo é eminentemente político.
Tarifas recíprocas elevadas, investigações e exigências regulatórias têm reconfigurado rotas de commodities desde o início do ano.
Em resposta, a China diversificou origens, escalou compras no Brasil e ativou a Argentina quando houve corte tributário.
Do lado norte-americano, produtores pressionam por alívio e previsibilidade, mas esbarram em uma estratégia tarifária que o governo considera parte de uma agenda de segurança econômica mais ampla.
No curto prazo, o resultado é um triângulo competitivo — Brasil, Argentina e Austrália — atendendo ao maior comprador global de soja e um dos maiores de carne bovina, enquanto os Estados Unidos lidam com restrições próprias e com o custo de vender para um cliente que responde de forma contundente a cada tarifa ou regra nova.
Diante dessa nova configuração, qual país do Cone Sul ganhará mais espaço se a janela fiscal argentina for prorrogada e a Austrália mantiver o embalo no mercado chinês?