Enquanto países vizinhos investem na indústria e geram valor agregado, o Brasil segue vendendo lítio em estado natural e perde espaço no mercado global
Nos últimos meses de 2025, Chile e Argentina intensificaram seus investimentos na verticalização da cadeia do lítio, enquanto o Brasil mantém foco na extração do mineral. Embora o triângulo do lítio — formado por Chile, Argentina e Bolívia — concentre mais de 60% das reservas mundiais, o Brasil ainda não deu passos firmes rumo à industrialização.
No Chile, o setor aguarda a aprovação do acordo entre a SQM e a estatal Codelco, líderes mundiais em mineração. Esse projeto prevê ampliar a produção nacional até 2030, consolidando o país como referência global. Segundo a Agência Nacional de Mineração Chilena, a parceria deve adicionar 300 mil toneladas de carbonato de lítio por ano até 2060.
Argentina amplia investimentos e mira baterias
Simultaneamente, a Argentina acelera sua estratégia para produzir produtos de maior valor agregado. A mineradora Rio Tinto anunciou US$ 2,5 bilhões em investimentos para fabricar 60 mil toneladas anuais de carbonato de lítio em grau de bateria. Em março de 2025, a companhia comprou a Arcadium, maior produtora argentina do mineral, fortalecendo a produção nacional.
-
Potencial mineral do Rio Grande do Sul impulsiona mineração sustentável, investimentos regionais, inovação tecnológica e crescimento econômico no Brasil
-
Trabalhador encontra o segundo maior diamante do mundo com 2.492 quilates em mina africana, avaliado em mais de US$ 50 milhões, e transformou Botswana no novo epicentro mundial da mineração de luxo; o fato ocorreu em agosto de 2024
-
Royalties da mineração impulsionam economia local: repasse de R$ 504 milhões da ANM fortalece municípios produtores e garante maior sustentabilidade financeira
-
Em 2023, trabalhadores encontram mina de diamantes com 628 milhões de quilates em reservas, avaliada em bilhões de dólares, e colocam Angola entre os três maiores polos de diamantes do mundo
De acordo com o Instituto Nacional de Mineração Argentino, o país extrai lítio em larga escala desde a década de 1990, muito antes da ascensão dos veículos elétricos. Essa vantagem inicial permitiu o domínio das etapas avançadas de refino e processamento químico, garantindo maior competitividade global.
Bolívia tenta salvar acordos e enfrenta instabilidade política
Enquanto isso, a Bolívia, mesmo sob tensões políticas, busca preservar acordos assinados em 2023 com empresas chinesas e russas para produzir 49 mil toneladas anuais de carbonato de lítio. O governo de Luis Arce destaca que o país possui 30% das reservas mundiais do mineral. No entanto, a oposição promete revisar os contratos por supostas irregularidades.
A estatal YLB (Yacimientos de Litio Bolivianos) produziu 2 mil toneladas em 2024, número ainda pequeno. Mesmo assim, o modelo estatal boliviano, em que o governo retém 51% dos lucros, busca assegurar soberania sobre os recursos naturais e promover uma indústria nacional mais sólida.
Brasil segue atrás na corrida do lítio
Em contraste, o Brasil continua restrito às etapas iniciais da cadeia produtiva. Das três mineradoras em operação, apenas uma fabrica carbonato e hidróxido de lítio, e ainda em escala reduzida. A Companhia Brasileira de Lítio (CBL), criada nos anos 1990, produz cerca de 1.500 toneladas anuais, enquanto a chilena SQM atinge 210 mil toneladas.
Para Leandro Gobbo, vice-presidente da PLS Lithium no Brasil, “não é errado exportar concentrados, embora o ideal fosse desenvolver capacidade de processamento local”. Segundo ele, o mercado global valoriza eficiência e custo, não apenas níveis avançados de industrialização.
Desafios e custos da verticalização
Conforme dados da iLi Markets (2025), o custo para montar uma refinaria de carbonato de lítio chega a US$ 11 por quilo no Chile, US$ 15 na Argentina e apenas US$ 5 na China. Já o custo operacional sustentável é de US$ 7,6 por quilo no Chile, US$ 9,6 na Argentina e US$ 7 na China. Esses valores evidenciam o desafio competitivo da América do Sul diante da eficiência chinesa.
O consultor Daniel Jimenez, da iLi Markets, reforça que “a China domina o refino e a fabricação de baterias”, e competir exige apoio estatal e incentivos econômicos.
Perspectivas para o Brasil
Embora o Brasil tenha potencial expressivo, a ausência de políticas públicas consistentes e incentivos industriais reduz sua competitividade. Para Adriano Drummond Trindade, advogado do Mattos Filho, “forçar a verticalização sem base econômica pode ser prejudicial”. Ele defende um modelo que equilibre aproveitamento mineral, sustentabilidade e retorno financeiro.
Assim, enquanto Chile e Argentina consolidam suas cadeias de alto valor agregado, o Brasil ainda precisa decidir se quer ser exportador de matéria-prima ou protagonista na indústria de baterias.
Resumo e contexto global
A corrida pelo lítio é um dos temas mais estratégicos do século XXI. Com a expansão dos carros elétricos e o avanço da transição energética, dominar a cadeia completa de produção significa controlar o futuro da mobilidade sustentável.
Os avanços do Chile e da Argentina representam um novo capítulo geopolítico, enquanto o Brasil ainda observa o cenário de fora.
O desafio agora é transformar o potencial mineral em desenvolvimento industrial, equilibrando eficiência econômica e preservação ambiental.