Falta de infraestrutura e baixa demanda levam o Ceará a perder energia suficiente para abastecer 16 milhões de casas. O fenômeno do curtailment expõe gargalos nas energias renováveis e ameaça investimentos bilionários no setor.
A crescente geração de energias renováveis no Ceará, especialmente solar e eólica, enfrenta um entrave cada vez mais grave: o curtailment. O fenômeno, que obriga usinas a reduzirem a produção por falta de infraestrutura para escoar a energia gerada, já resultou na perda de quase 3,3 milhões de megawatts-hora (MWh) entre outubro de 2021 e setembro de 2025, segundo um levantamento da ePowerBay noticiado nesta quarta, 08.
Para efeito de comparação, esse volume seria suficiente para abastecer 16,5 milhões de residências por um mês, considerando o consumo médio de 200 kWh por casa. O dado alarmante coloca o Ceará na quarta posição nacional em perdas energéticas acumuladas, atrás apenas de Rio Grande do Norte, Bahia e Minas Gerais.
Curtailment: quando a energia limpa é desperdiçada
O curtailment ocorre quando o sistema elétrico não consegue absorver toda a energia produzida, seja por falta de linhas de transmissão ou por baixa demanda. Assim, usinas renováveis são forçadas a reduzir a geração, mesmo com o vento soprando e o sol brilhando intensamente.
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O diretor técnico da ePowerBay, André Felber, explica a gravidade da situação:
“No último mês (setembro) as perdas no Ceará foram da ordem de 396 mil MWh. Isso seria algo como 1,98 milhão de residências em um mês. Se considerar quatro pessoas por casa, beneficiaria 7,92 milhões de pessoas.”
Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), 35,14 milhões de MWh foram desperdiçados no Brasil entre 2021 e 2025 — e setembro deste ano marcou o recorde, com 4,6 milhões de MWh cortados, um aumento de quase 13% em relação a agosto.
No Ceará, as perdas energéticas deixaram de ser casos isolados e passaram a representar um problema estrutural. Em 2025, o percentual de energia cortada variou entre 10,8% e 35,8%, atingindo seu pico em fevereiro.
Para o secretário de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico de Caucaia, Machidovel Trigueiro Filho, a situação é preocupante:
“Há a iminente necessidade de recriação do Sistema. A perda de até 5% pode ser considerada aceitável para ajustes técnicos. Acima de 10%, já há comprometimento econômico. Os picos acima de 30% no Ceará são críticos e comprometem a atratividade dos projetos.”
Essa constatação reforça o alerta de que o fenômeno já ameaça a viabilidade econômica de novos empreendimentos em energia limpa no estado.
Impactos econômicos e sociais do desperdício de energia limpa
A limitação da geração renovável não afeta apenas as empresas produtoras de energia, mas toda a cadeia produtiva e econômica. Segundo Joaquim Rolim, gerente de desenvolvimento sustentável da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), o impacto é profundo:
“O curtailment provoca grandes perdas e apreensão em toda a cadeia produtiva do setor. O que mais preocupa é o fato de que o problema vem se agravando e as ações ainda não foram capazes de frear o problema.”
As consequências atingem também os municípios e a arrecadação local. Estudos indicam que usinas de geração de energia aumentam em até 13% a arrecadação municipal e impulsionam o PIB local em mais de 20%, refletindo diretamente na geração de empregos e renda.
Rolim alerta ainda que as perdas do Brasil estão entre as maiores do mundo, e que o Ceará figura entre os estados mais afetados, com risco de afastar novos investimentos no setor.
De forma paradoxal, o Ceará vive um excesso de energia limpa e, ao mesmo tempo, um desperdício crescente. Enquanto o Estado se destaca pela rápida expansão das fontes solar e eólica, a infraestrutura de transmissão e distribuição não acompanhou esse avanço.
Machidovel Trigueiro resume o impasse:
“O cenário é paradoxal. Temos um crescimento acelerado das fontes renováveis, mas sem a capacidade de escoar toda essa energia. Isso gera desequilíbrio e perdas econômicas significativas.”
Segundo ele, para manter o sistema equilibrado, o ONS frequentemente reduz a operação de hidrelétricas ou até desliga usinas renováveis temporariamente — uma medida que contraria a lógica da transição energética.
“Mesmo com sobra de energia, os consumidores continuam pagando tarifas elevadas, pressionadas pela falta de instrumentos para valorizar e redistribuir o excedente”, completa.
As causas do problema: crescimento descompassado e limitações estruturais
Especialistas apontam três causas principais para o avanço do curtailment no Brasil:
- Geração de energia renovável cresce mais rápido que o consumo, especialmente a solar, que produz excedente entre 9h e 16h.
- A rede de transmissão não evolui no mesmo ritmo da geração.
- As restrições atingem apenas grandes usinas conectadas ao SIN, não os pequenos produtores de energia distribuída.
De acordo com Dickson Araújo, secretário executivo de Energia e Telecomunicações da Seinfra, 72% da geração do Ceará é renovável, sendo a solar a mais afetada:
“A geração fotovoltaica tem sido mais afetada que a eólica, visto que essa fonte não gera energia à noite. Durante o dia, ambas se somam e geram altos níveis de corte pelo ONS.”
Caminhos e soluções para conter o curtailment
Para evitar que o problema se agrave, novas soluções tecnológicas e regulatórias estão em debate. Machidovel Trigueiro defende ações em duas frentes:
No curto prazo, o foco deve ser em:
- uso de inteligência artificial para otimizar o consumo;
- estímulo à flexibilidade de demanda;
- investimentos em baterias e sistemas de armazenamento locais.
A longo prazo, as soluções passam por:
- expansão das linhas de transmissão;
- desenvolvimento de polos de hidrogênio verde;
- atração de indústrias eletrointensivas;
- e grandes projetos de armazenamento energético.
“O setor privado deve inovar e investir em novas tecnologias, enquanto o setor público precisa garantir leilões ágeis e políticas que ampliem o consumo local”, ressalta Trigueiro.
Governo e setor privado buscam alternativas para mitigar o problema
Para o governo cearense, a cooperação com as empresas é essencial. Dickson Araújo afirma que o Estado tem atuado como ponte entre as companhias e o Governo Federal, Aneel e ONS.
“Temos buscado o diálogo constante com as empresas de geração eólica e fotovoltaica, além de promover a expansão do sistema de transmissão no Ceará, reduzindo cortes e recebendo novas cargas de empreendimentos estratégicos como os Data Centers e o Hub de Hidrogênio Verde no Pecém.”
O Ministério de Minas e Energia (MME), por sua vez, criou em março o Grupo de Trabalho do Curtailment, que atua dentro do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE).
Entre as medidas já em andamento estão:
- diagnósticos técnicos sobre a natureza e magnitude das perdas;
- proposição de soluções regulatórias;
- priorização de obras de transmissão;
- e instalação de equipamentos que aumentem a confiabilidade da rede.
“Se não adotarmos providências urgentes, existe o risco iminente de perdermos a capacidade de atrair novos investimentos em fontes de energia limpa e de menor custo. Estamos muito atrasados em relação ao restante do mundo”, alerta Joaquim Rolim.
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