TikTok confirma planos para construir data centers no Brasil, com o Ceará como possível sede, em meio a incentivos do governo federal e pressões regulatórias sobre proteção de dados e infraestrutura digital.
O governo federal e o TikTok avançaram, nesta semana, em tratativas para a instalação de data centers no Brasil, com foco no Ceará.
Nesta quarta-feira (24), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em coletiva, que a plataforma pretende erguer estrutura no Porto do Pecém, parte do Complexo do Pecém — área industrial que abrange Caucaia e São Gonçalo do Amarante, na Região Metropolitana de Fortaleza.
Dois dias antes, em 22 de setembro, Lula se reuniu em Nova York com Shou Zi Chew, CEO do TikTok, quando a empresa manifestou oficialmente a intenção de investir em infraestrutura de dados no país.
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Ceará no mapa da infraestrutura digital
A escolha do Pecém não é casual.
O complexo reúne porto, ZPE e área industrial com acesso a energia renovável e malha logística.
A região vem sendo cortejada por projetos de grande porte, como o campus de data center em negociação pela Casa dos Ventos, com capacidade em múltiplas fases e voltado a atender clientes globais.
Autoridades locais estimam que a primeira etapa possa gerar cerca de 15 mil empregos, diretos e indiretos, apenas na construção, com potencial de ampliar a demanda por serviços especializados e qualificação técnica.
Além da posição geográfica, o ambiente regulatório vem sendo adaptado para atrair esse tipo de investimento.
O governo editou, em julho, a MP 1.307/2025, que inclui prestadores de serviços nas Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) e cria condições para enquadrar data centers dedicados à exportação de serviços digitais.
Em 17 e 18 de setembro, uma segunda frente foi aberta com a MP 1.318/2025 (Redata), que estabelece benefícios tributários sobre equipamentos de TIC para implantação e expansão dessas estruturas, condicionados a critérios de sustentabilidade e de atendimento ao mercado interno.
O que está na mesa com o TikTok
No encontro em Nova York, integrantes do governo relataram que o TikTok sinalizou o armazenamento local de dados de usuários brasileiros e estudará locais e cronograma de implantação.
A empresa não divulgou valores nem prazos, mas indicou interesse em projetos vinculados ao Pecém.
O movimento segue uma estratégia global de conformidade regulatória e redução de latência, pontos sensíveis para plataformas com base de usuários de grande porte.
Durante a conversa, o presidente também abordou o novo marco de proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital.
Sancionada em 17/18 de setembro, a Lei 15.211/2025 (ECA Digital) impõe obrigações a plataformas para prevenir exposição a conteúdos abusivos, reforçar supervisão parental e adotar verificação de idade.
Segundo relatos oficiais, o TikTok afirmou estar comprometido em colaborar com a pauta regulatória e em aperfeiçoar medidas de moderação relacionadas a menores.
Ambiente regulatório: incentivos e exigências
A combinação de incentivos fiscais e condicionantes ambientais tende a moldar os próximos passos.
A MP 1.307/2025 permite que data centers se instalem em ZPEs, com ênfase em energia renovável e vocação exportadora.
Já o Redata (MP 1.318/2025) suspende PIS/Cofins e IPI na aquisição de equipamentos de TIC e, quando não houver similar nacional, também o Imposto de Importação.
Em contrapartida, as empresas passam a cumprir metas de P&D e requisitos de sustentabilidade, como uso de energia limpa.
Paralelamente, o Executivo enviou ao Congresso um projeto de regulação concorrencial para mercados digitais, com foco em big techs.
A proposta mira transparência, equilíbrio competitivo e liberdade de escolha do consumidor, em linha com práticas internacionais, e se soma às discussões setoriais sobre infraestrutura crítica, dados e segurança.
Impacto econômico e gargalos
A hipótese de um polo nacional de data centers no Nordeste projeta bilhões em investimentos em obras civis, equipamentos e energia, com trabalho especializado em engenharia, TI e operação.
Para além do pico de empregos na construção, a operação contínua costuma manter quadros técnicos e ativar cadeias locais de manutenção e serviços.
Há, contudo, desafios.
A disponibilidade de energia em larga escala precisa acompanhar a demanda intensiva desse tipo de instalação, exigindo planejamento junto ao operador do sistema elétrico.
Outro ponto é o uso de água e a gestão térmica dos ambientes, que pedem tecnologias de resfriamento mais eficientes e reaproveitamento.
Licenças ambientais, rede de fibra, subestações e redundância de infraestrutura completam a lista de pré-requisitos.
Por que o Nordeste entra no jogo agora
Nos últimos anos, a expansão de eólica e solar no Nordeste criou uma vitrine energética competitiva para aplicações de alto consumo, como IA e nuvem.
O Complexo do Pecém agrega ainda a ZPE Ceará, o porto e um mosaico industrial que reduz custos logísticos e facilita importação de equipamentos.
A presença de cabos submarinos na costa cearense e a governança compartilhada do complexo com o Porto de Roterdã reforçam a atratividade.
Se confirmada a operação do TikTok no país, o Brasil tende a reter dados de usuários sob jurisdição nacional e a formar ecossistemas com fornecedores de nuvem, cibersegurança, conectividade e serviços gerenciados.
O Ceará, por sua vez, consolida-se como hub fora do eixo Sudeste, com Fortaleza e seu entorno ganhando densidade digital.
Próximos passos e lacunas
O TikTok mantém os estudos de viabilidade e não divulgou endereços definitivos, capex nem calendário.
Os incentivos recém-editados ainda dependem de tramitação no Congresso e de regulamentação.
A escala final do empreendimento, a arquitetura energética e as metas de sustentabilidade serão determinantes para o perfil do projeto e seu legado econômico na região.
Diante desse cenário, a pergunta que fica é: com os incentivos na mesa e a intenção declarada pelo TikTok, quais condições locais — de energia, água, licenciamento e mão de obra — precisarão amadurecer primeiro para que o Ceará assuma, de fato, o papel de novo centro de tecnologia do Brasil?