As cabras escaladoras do Marrocos viraram atração turística, mas seu hábito ancestral pode ameaçar a regeneração das árvores de argânia. Entenda os impactos.
No sudoeste do Marrocos, um cenário improvável tem chamado a atenção de turistas e pesquisadores: cabras escaladoras se equilibram entre os galhos das argânias, em busca dos frutos que crescem no alto.
O fenômeno, comum entre as cidades de Agadir e Essaouira, ocorre o ano todo, mas é mais frequente nos períodos de seca. As cabras, pertencentes a comunidades berberes locais, não apenas se adaptaram ao ambiente hostil, como também se tornaram peças centrais em um delicado equilíbrio entre economia, cultura e ecossistema.
Essa prática milenar, embora curiosa e até encantadora aos olhos dos visitantes, levanta questões sobre os impactos na regeneração das árvores e na conservação ambiental da região.
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Por que as cabras escalam árvores no Marrocos?
Em um clima semiárido, onde o solo oferece pouca pastagem, os frutos da argânia se tornaram uma fonte essencial de alimento.
As cabras escaladoras sobem até 9 metros de altura para alcançar esses frutos doces e oleosos.
Equipadas com cascos fendidos e um excelente senso de equilíbrio, elas se movem entre os galhos com facilidade surpreendente.
Os frutos da argânia possuem sementes ricas em óleo — uma substância valorizada tanto na gastronomia quanto na indústria cosmética.
Historicamente, as cabras comiam a polpa e eliminavam as sementes intactas, que eram coletadas por mulheres berberes para a extração artesanal do óleo.
Cabras, árvores e cultura: um sistema interdependente
O hábito das cabras escaladoras vai além da alimentação. Elas fazem parte de um sistema agro-silvo-pastoril, onde a criação de animais, agricultura e a presença das árvores coexistem.
Essa relação sustenta a economia local e preserva tradições culturais profundas.
No entanto, o aumento dos lucros com a venda de óleo de argan incentivou a criação excessiva de cabras, o que gerou um desequilíbrio.
O excesso de animais compromete a regeneração natural das argânias, que dependem da dispersão das sementes para se manter.
Turismo e polêmica: cabras escaladoras como atração
A imagem das cabras penduradas nas árvores virou um ícone turístico no Marrocos. Em muitos pontos da estrada, os animais são até posicionados propositalmente nas argânias para atrair fotos e vídeos de turistas.
Moradores locais garantem que muitas cabras sobem espontaneamente, mas há denúncias de que algumas são amarradas, o que levanta questões de bem-estar animal.
Esse turismo “encenado” pode gerar renda, mas também agrava a pressão sobre os animais e o meio ambiente.
O valor social do óleo de argan
A extração do óleo de argan trouxe benefícios importantes para as comunidades.
A criação de cooperativas femininas após os anos 2000, com apoio de organizações internacionais, gerou independência financeira e valorização da cultura local.
Porém, a forma de produção mudou. Hoje, técnicas modernas substituíram o antigo método de coleta das sementes pelas fezes das cabras.
Isso aumentou a qualidade do óleo e reduziu o sabor residual que incomodava alguns consumidores.
Ameaças ambientais e esforços de preservação
A Reserva da Biosfera Arganeia, reconhecida pela UNESCO, perdeu mais da metade de sua cobertura vegetal no último século.
A combinação de sobrepastoreio, colheita intensiva e mudanças climáticas tem dificultado a regeneração das argânias.
Estudos mostram que 610 hectares são perdidos por ano desde 2009. Especialistas sugerem alternativas como reduzir o número de cabras, introduzir ovelhas nos pastos, reforçar cooperativas e plantar novas mudas. Desde 2009, mais de 4.300 mudas foram plantadas em Essaouira.
Cabras escaladoras: entre tradição e risco ambiental
As cabras escaladoras do Marrocos representam um fascinante paradoxo: ao mesmo tempo que ajudam na dispersão das sementes da argânia, podem comprometer a continuidade da espécie.
Para as comunidades berberes, o desafio é manter viva a tradição, garantir o sustento econômico e preservar um ecossistema já fragilizado.
O equilíbrio entre cultura, turismo e natureza é delicado — e as decisões tomadas hoje definirão o futuro das argânias e das cabras que as escalam.
Com informações do Magnus Mundi.