BRICS amplia financiamentos em moedas locais para reduzir uso do dólar — NDB já libera bilhões em real, yuan e rublo para projetos globais.
Enquanto as grandes potências financeiras do Ocidente observam com atenção os movimentos do grupo BRICS, uma transformação silenciosa e estratégica avança nos bastidores: o uso de moedas locais em megaprojetos de infraestrutura financiados pelo Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) já é realidade. A iniciativa, que visa reduzir a dependência do dólar, começa a ganhar escala e poderá mudar as regras do jogo em licitações globais, especialmente em países da África, Ásia e América Latina.
Novo Banco de Desenvolvimento impulsiona moedas locais
Fundado em 2015, o NDB (ou Banco dos BRICS) nasceu como alternativa aos bancos multilaterais tradicionais, como o FMI e o Banco Mundial. A proposta inicial era financiar o desenvolvimento sustentável e a infraestrutura dos países-membros — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — com condições mais flexíveis, menos atreladas a exigências macroeconômicas e estruturais.
Nos últimos anos, o banco deu um passo além: passou a financiar projetos em moedas locais, como o real, o yuan, o rublo e o rand sul-africano. Segundo a presidente do NDB, Dilma Rousseff, cerca de 25% do portfólio de empréstimos atuais já é denominado em moedas nacionais, e o objetivo é chegar a 30% até 2026.
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Essa medida não apenas reduz os riscos cambiais para os países receptores, como também representa um desafio direto ao domínio do dólar nas finanças globais.
Exemplos concretos: bilhões em empréstimos fora do dólar
O NDB já aprovou diversos financiamentos bilionários fora da esfera do dólar. Entre os exemplos mais relevantes:
- China: o banco aprovou um empréstimo de 150 milhões em yuan para a aquisição de navios de gás natural liquefeito (GNL), integrando a cadeia logística energética do país com fontes mais limpas e com liquidação fora do dólar.
- África do Sul: em 2024, o banco aprovou um financiamento de até US$ 1 bilhão para projetos de infraestrutura hídrica. Embora parte dos recursos esteja em dólar, há uma parcela significativa em rand sul-africano, como forma de mitigar riscos cambiais e fortalecer a moeda local.
- Brasil: embora ainda não tenha um volume expressivo de operações em real, o NDB já emitiu títulos denominados em reais no mercado local, e há previsão de ampliar a carteira de projetos financiados em moeda brasileira, especialmente em energia e transporte.
A estratégia do banco é oferecer empréstimos atrelados à moeda de receita dos projetos, ou seja, se um projeto no Brasil vai gerar receita em reais, o financiamento também será em reais — reduzindo exposição ao dólar e ao risco de desvalorização cambial.
O objetivo: quebrar a “trava cambial” do dólar
Ao financiar obras com base nas moedas nacionais, o NDB reduz a dependência do dólar e torna os projetos mais viáveis financeiramente para os países-membros. Isso acontece porque, ao contrair um empréstimo em dólar, o país receptor precisa converter sua moeda local e corre o risco de que uma desvalorização aumente substancialmente o custo da dívida.
Com o uso de moedas locais, esse risco é minimizado. Além disso, os países fortalecem suas próprias moedas, criam mercados secundários para títulos em moedas nacionais e abrem espaço para instituições financeiras locais participarem das operações.
Esse modelo descentralizado contrasta fortemente com o sistema tradicional, no qual praticamente todas as grandes obras em países em desenvolvimento são financiadas e liquidadas em dólar.
Dilma Rousseff: “Queremos fortalecer moedas locais, não criar uma nova moeda”
Durante a cúpula do BRICS de 2025, a presidente do NDB, Dilma Rousseff, deixou claro que o banco não pretende lançar uma moeda única do BRICS. Em vez disso, a meta é operar com eficiência dentro da diversidade de moedas nacionais, ampliando a capacidade de cada país de usar sua própria estrutura financeira interna sem se expor ao dólar.
Segundo ela, esse modelo é mais realista e prático no curto e médio prazo. “Não se trata de substituir o dólar de forma abrupta, mas de ampliar as alternativas para que os países do Sul Global possam escolher como e com quem querem negociar”, afirmou Dilma em entrevista recente.
Essa abordagem ganhou respaldo de China e Rússia, que já utilizam amplamente suas moedas nacionais em acordos bilaterais, inclusive para a compra e venda de petróleo, gás e armamentos.
BRICS Pay e desdolarização em cadeia
A estratégia do NDB não está isolada. O grupo BRICS também avança com a plataforma BRICS Pay, um sistema de pagamentos transfronteiriços que permite liquidações diretas em moedas locais dos países membros.
O objetivo é criar uma rede de compensação financeira paralela ao SWIFT, permitindo que empresas e governos operem sem o uso de bancos ocidentais.
Essa plataforma pode servir como base para os desembolsos do NDB e para licitações internacionais de obras financiadas pelo banco — consolidando um ecossistema financeiro completo, descentralizado e fora da esfera do dólar.
Ainda em 2025, Putin afirmou que 90% das transações da Rússia com membros do BRICS já ocorrem em moedas locais, o que reforça a viabilidade prática do modelo que o banco vem promovendo.
Impacto nos bancos ocidentais e no mercado global
Embora ainda tímida frente ao volume total de financiamento global, a expansão do NDB em moedas locais já começa a incomodar bancos e agências de crédito ocidentais, que tradicionalmente monopolizam grandes obras em países emergentes.
À medida que mais países optarem por empréstimos em moedas nacionais com o NDB — com menos condicionalidades e menor exposição ao dólar — instituições como o Banco Mundial, o FMI e bancos privados dos EUA e Europa poderão perder influência sobre projetos estratégicos, especialmente na África e América Latina.
Além disso, ao criar mercados para títulos públicos e privados em moedas como real, yuan e rublo, o banco ajuda a internacionalizar essas moedas gradualmente, elevando seu status no sistema financeiro global.