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Brasil vira laboratório chinês após tarifa de 50% dos EUA: elétricos dominam vitrines e novas fábricas brotam no Sudeste

Escrito por Noel Budeguer
Publicado em 30/07/2025 às 11:35
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Guerra comercial empurra o Brasil para o lado chinês: só em 2024, as vendas de elétricos da GWM cresceram 360% no país

A decisão do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de aplicar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros reacendeu debates sobre o futuro do setor automotivo nacional. Embora o Brasil não tenha como principal foco a exportação de veículos montados para os EUA, a medida atinge em cheio um dos pilares da nossa cadeia produtiva: os componentes automotivos. Motores, módulos eletrônicos e outras peças fabricadas por aqui são usados por montadoras americanas e integram cadeias globais de produção.

Com essa barreira comercial, cresce a percepção de que o Brasil será pressionado a redirecionar seus laços econômicos, especialmente na indústria automotiva. E é aí que entra a China. Com um plano claro de expansão internacional, os chineses já ocupam um espaço relevante nas ruas e concessionárias brasileiras. Agora, com o distanciamento em relação aos EUA, esse movimento pode ganhar ainda mais força.

Carros chineses podem dominar o mercado brasileiro?

Especialistas veem no “tarifaço” uma brecha que favorece diretamente as montadoras chinesas. Para Andrea Weiss, advogada especialista em direito aduaneiro, o endurecimento comercial imposto por Washington pode acelerar o avanço do setor automotivo chinês no Brasil.

“O Brasil tem um mercado consumidor expressivo e está se tornando cada vez mais receptivo à eletrificação dos veículos. Mesmo com a retomada gradual do imposto de importação para carros elétricos, continuamos sendo um território estratégico para os chineses, sobretudo porque aqui não há barreiras geopolíticas como nos Estados Unidos”, afirma Weiss.

As montadoras da China já vêm investindo pesadamente em território brasileiro. Empresas como BYD, GWM e Chery estão não só vendendo veículos, mas instalando fábricas, centros de distribuição e até unidades de pesquisa e desenvolvimento. A movimentação mostra que o plano vai além de ocupar o mercado local: a ideia é transformar o Brasil em uma plataforma de exportação para outros países da América Latina e, futuramente, da África e Europa.

Fábrica da GWM em Iracemápolis (SP), onde antes operava a Mercedes-Benz: símbolo da transição da indústria automotiva brasileira rumo à tecnologia chinesa e aos veículos elétricos.

Vantagem de curto prazo ou dependência perigosa?

Apesar do otimismo com os investimentos chineses, há quem veja com cautela a intensificação dessa relação. Hisayoshi Kameda, especialista em comércio internacional, avalia que essa aproximação entre Brasil e China pode gerar vulnerabilidades no longo prazo.

“As montadoras chinesas estão se posicionando de maneira inteligente. No entanto, ao concentrar suas apostas em um único parceiro estratégico, o Brasil corre o risco de se tornar refém de decisões políticas e comerciais que não controla. Qualquer tensão futura entre Brasília e Pequim pode afetar o fornecimento de peças, a estabilidade dos empregos e até a balança comercial”, adverte Kameda.

O alerta não é infundado. Em outros setores, como o agronegócio e a mineração, o Brasil já sentiu os efeitos de depender excessivamente de mercados únicos. Agora, com o setor automotivo entrando nessa equação, o debate sobre soberania industrial volta ao centro das atenções.

Brasil no centro da disputa geoeconômica

O movimento de Trump é, na prática, uma reconfiguração das alianças comerciais globais. A retórica protecionista e o aumento de tarifas visam incentivar a produção interna dos EUA e reduzir a dependência de insumos estrangeiros. Porém, no xadrez internacional, cada ação gera uma reação. E o Brasil, com sua posição estratégica, virou alvo de disputa.

A China, por sua vez, se beneficia desse vácuo. Com incentivos estatais, acesso a tecnologia de ponta e estratégia de longo prazo, as montadoras chinesas estão prontas para preencher qualquer espaço deixado pelas marcas ocidentais. Para o consumidor brasileiro, isso pode significar mais opções, preços mais acessíveis e acesso mais rápido a tecnologias como eletrificação e condução semiautônoma.

Por outro lado, a indústria nacional — já pressionada por altos custos, câmbio instável e burocracia — pode encontrar dificuldades ainda maiores para competir em pé de igualdade com empresas fortemente subsidiadas por Pequim.

Linha de produção de veículos elétricos na fábrica da BYD em Camaçari (BA): nova fase da indústria automotiva brasileira impulsionada pelo avanço chinês.

E o futuro do setor automotivo brasileiro?

Com a entrada em vigor das tarifas norte-americanas em 1º de agosto, o mercado brasileiro deve passar por uma nova rodada de realinhamentos. A curto prazo, é provável que o consumidor veja uma explosão de novos modelos chineses nas vitrines. Marcas como BYD e GWM devem consolidar sua posição com carros elétricos acessíveis, conectados e recheados de tecnologia — algo ainda raro entre os modelos fabricados no Brasil.

Mas a médio e longo prazo, o país precisará decidir qual papel quer desempenhar no novo tabuleiro global: se continuará sendo apenas um mercado consumidor ou se buscará autonomia industrial e tecnológica para se tornar um ator estratégico de peso.

A única certeza, por enquanto, é que o “tarifaço” de Trump não afeta apenas cifras — ele muda o rumo de alianças, modelos de negócios e a geopolítica do setor automotivo. E o Brasil, mais uma vez, está no centro do furacão.

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Noel Budeguer

Sou jornalista argentino, baseado no Rio de Janeiro, especializado em temas militares, tecnologia, energia e geopolítica. Busco traduzir assuntos complexos em conteúdos acessíveis, com rigor jornalístico e foco no impacto social e econômico.

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