O Brasil se destaca como uma das maiores potências minerais do planeta, concentrando mais reservas de terras raras do que Índia, Austrália, Rússia e Vietnã juntos, segundo dados atualizados do USGS de 2024
O Brasil está às portas de um salto estratégico. Com reservas estimadas em cerca de 21 milhões de toneladas de óxidos de terras-raras, segundo o relatório USGS de 2024.
Esse volume coloca o país entre os mais relevantes do planeta – atrás apenas da China – e abre uma janela de oportunidade histórica para agregar valor, diversificar cadeias globais de insumos e romper com o padrão tradicional de exportador de matéria-prima.
O cenário, porém, está longe de ser simples: apesar das reservas, a produção efetiva brasileira ainda é quase simbólica.
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As decisões que o Brasil tomar nos próximos anos podem definir se ele será participante ou protagonista neste mercado de altíssima relevância para a transição energética, mobilidade elétrica, defesa e tecnologia.
O dado se torna ainda mais expressivo quando comparado à soma das reservas de Índia (6,9 milhões), Austrália (5,7 milhões), Rússia (3,8 milhões) e Vietnã (3,5 milhões). Juntos, esses quatro países totalizam 19,9 milhões de toneladas, ou seja, ainda menos do que o Brasil concentra sozinho.
Reservas, produção e o “gap Brasil”
Entretanto, a produção brasileira em 2024 foi de apenas cerca de 20 toneladas – um volume verdadeiramente simbólico frente ao potencial. Ou seja: isto revela um enorme “gap” entre o que o Brasil possui em reservas e o que efetivamente está sendo explorado e comercializado.
Esse número representa menos de 1% da produção mundial, que foi de 390 mil toneladas.
Esse descompasso decorre de múltiplos fatores: tecnologia, investimento, licenciamento ambiental, construção de cadeias de beneficiamento e, também, questões regulatórias.
Por exemplo, a matéria-prima pode estar lá, mas se não houver processamento, refino ou magnetização local – atividades que agregam valor – o país continuará exportando apenas “minério bruto” ou depender de terceiros para finalizar o produto.
Brasil no mapa geopolítico das terras-raras
As terras-raras são hoje um insumo estratégico: usadas em ímãs permanentes para veículos elétricos, turbinas eólicas, sistemas de defesa, eletrônica de alto desempenho.
A China domina grande parte da cadeia – tanto extração quanto refino e magnetização. Por isso, países como o Brasil são vistos como “alternativas” ou “diversificadores” críticos.
Em junho de 2024 a Reuters noticiou que o Brasil está “se juntando à corrida para enfraquecer o controle da China” sobre as terras-raras, destacando que o país pode ter duas ou três minas em operação até 2030, o que potencialmente faria com que superasse a Austrália em produção anual em futuras projeções.
Outro dado relevante: as exportações brasileiras de terras-raras para a China cresceram cerca de 48,6% no primeiro semestre de 2025 em relação ao mesmo período de 2024.
Esses movimentos demonstram que já há dinâmica internacional e interesse em torno do Brasil – embora ainda tudo esteja em estágio inicial.
Oportunidades para o Brasil – uma agenda com múltiplas frentes
Exploração e mineração: Com reservas tão expressivas, o Brasil tem a oportunidade de explorar depósitos em regiões como Goiás, Minas Gerais e Bahia, inclusive em formações de argilas iônicas (ionic clays) que têm geologia semelhante à de grandes depósitos da Ásia.
Beneficiamento local e valor agregado: Ao invés de simplesmente exportar minério bruto, o Brasil poderia construir refinarias, instalação de magnetos, separar e produzir materiais finais – capturando assim mais valor dentro da cadeia.
Isso exige políticas industriais, tecnologia, parcerias internacionalizadas. Grande parte da vantagem global está em quem “transforma” e não apenas em quem mineria.
Inserção estratégica no mercado global da transição energética: Com a mobilidade elétrica, energia renovável, conectividade 5G/6G, e aplicações militares, a demanda por terras-raras está projetada para continuar em forte crescimento.
O Brasil, tendo vantagens comparativas (energia hídrica abundante, trabalhado geológico, localização hemisférica), pode construir um papel relevante – desde que avance.
Políticas públicas, parcerias estrangeiras e financiamento: Fontes recentes indicam que o governo brasileiro está estruturando políticas de incentivo para minerais estratégicos, incluindo garantias financeiras e incentivos fiscais.
Também existem grandes fluxos de investimento internacional olhando o Brasil – o que pode facilitar a construção de infraestrutura de mineração e processamento.
Riscos e “por que até aqui tão pouco”
Minerar e sobretudo processar terras-raras não é simplesmente extrair rocha. Muitas vezes há necessidade de separação química, refino, tratamento de resíduos (que podem ser radioativos ou ambientalmente sensíveis), e panorama ambiental-social complexo.
O Brasil já viu problemas em outros minerais. Portanto, há desafios para evitar que o ciclo vire apenas mais uma “mineração de baixa agregação” com impactos negativos.
Mineração de terras-raras requer grandes investimentos e horizontes longos de retorno. Em períodos de preço baixo ou incerteza regulatória, o capital pode recuar. Alguns projetos brasileiros ainda lutam para viabilização.
D. Dependência de China para refino
Mesmo que o Brasil extraia mais minas, sem a cadeia de refino e magnetos local ele continuará dependente da China ou de terceiros para parte do valor agregado. Muitos analistas lembram que “extrair é fácil, refinar é difícil”.
Como mineral estratégico, as terras-raras entram em disputa entre grandes potências. O Brasil precisará navegar entre investidores estrangeiros, políticas de soberania, meio ambiente, comunidades locais – sem repetir erros de “boom e bust” de outros recursos minerais.
O Brasil está numa encruzilhada estratégica: com reservas que poderiam torná-lo um protagonista global nas terras-raras, mas com produção ainda residual e uma cadeia de valor desarticulada.
Se conseguir superar os gargalos – investimento, processamento local, políticas industriais, sustentabilidade – o país não estará apenas minerando mais, estará entrando em um novo patamar de valor agregado, geopolítico e industrial.
Caso contrário, há o risco de permanecer como fornecedor de matéria-prima de baixo valor e perder, para sempre, a oportunidade de capturar a transformação tecnológica que está em curso.
O relógio está correndo.


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