Especialistas alertam que a combinação de alta oferta de energia renovável e baixa demanda pode gerar desequilíbrios inéditos no sistema elétrico brasileiro, elevando o risco de blecautes e prejuízos bilionários às usinas solares e eólicas.
O sistema elétrico brasileiro vive uma combinação atípica entre alta oferta de energia renovável e demanda reduzida em 2025, o que tem elevado o risco de blecautes em horários específicos, especialmente nas manhãs de domingos e feriados.
De acordo com informações do site NeoFeed, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) intensificou os cortes de geração como medida preventiva, enquanto agentes do setor relatam prejuízos bilionários nas usinas eólicas e solares centralizadas.
Segundo especialistas, o país pode enfrentar um apagão não por escassez, mas por excesso de energia em momentos de baixo consumo.
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Entenda o desequilíbrio no sistema elétrico
O sistema elétrico precisa operar de forma equilibrada, mantendo a frequência em 60 Hertz (Hz).
Quando a geração supera o consumo, a frequência sobe.
Acima de 60,5 Hz, proteções automáticas desligam usinas, o que pode provocar desligamentos em cascata e afetar o fornecimento nacional.
O risco é maior entre 10h e 12h, faixa em que a geração solar atinge o pico e o consumo de energia costuma ser mais baixo.
De acordo com o ONS, o avanço da geração renovável deslocou parte significativa da produção para horários de baixa demanda, o que amplia o descompasso em domingos e feriados.
O fenômeno é reforçado pelo crescimento da geração distribuída (GD) — painéis solares em telhados e pequenas usinas conectadas diretamente às distribuidoras —, que injeta mais energia na rede sem controle centralizado pelo operador.
Medidas do ONS para evitar apagões

Diante do aumento da instabilidade, o ONS ampliou o uso do curtailment (redução temporária da geração) em grandes usinas.
Em pelo menos quatro domingos de 2025, o operador chegou ao limite máximo de corte para equilibrar carga e oferta.
Em agosto, os cortes representaram cerca de 7% do consumo nacional, e em setembro, 8,8%.
No Dia dos Pais (10 de agosto), o corte chegou a 98% da geração renovável disponível, segundo o órgão, em razão da baixa demanda naquele domingo.
Após esse episódio, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou o ONS a realizar cortes emergenciais em qualquer tipo de geração, inclusive de micro e minigeração distribuída (MMGD), quando tecnicamente possível.
Em nota, o ONS afirmou que não há mecanismos técnicos e regulatórios para controlar diretamente os excedentes da MMGD, por estarem ligados às redes das distribuidoras.
O órgão disse ainda que atua, junto ao Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), na elaboração de um plano emergencial para dar mais flexibilidade à operação.
Geração distribuída e concentração de oferta
A capacidade instalada da geração distribuída já se aproxima da soma das usinas eólicas e solares centralizadas.
Especialistas afirmam que essa coincidência de produção amplia o pico de oferta no fim da manhã.
“O problema é que tanto a GD quanto as usinas solares centralizadas produzem simultaneamente, com pico entre 10h e 12h”, explicou Donato Filho, CEO da consultoria Volt Robotics.
Segundo ele, essa concentração em horários de baixa demanda cria o excedente que ameaça o equilíbrio da rede.
O controle desse volume é mais difícil porque a MMGD não é despachada pelo ONS.
Nas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), o monitoramento também é limitado, já que os dados são repassados pelas distribuidoras e não diretamente pelo operador.
Impacto financeiro nas usinas renováveis
A redução forçada de geração tem afetado a receita de usinas eólicas e solares.
Segundo estimativa da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), os prejuízos às usinas solares centralizadas já somam R$ 1,9 bilhão.
“Não existe empreendimento que consiga suportar cortes nessa proporção, já que apenas 10% das perdas podem ser ressarcidas”, disse Barbara Rubim, vice-presidente da entidade.
A Resolução 1.030 da Aneel limita o ressarcimento médio a 10% do volume cortado.
A Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) também manifesta preocupação e defende compensações mais adequadas.
Para a presidente da entidade, Elbia Gannoum, o problema está no Sistema Interligado Nacional (SIN), em que os geradores devem cumprir contratos, mas não têm controle sobre as decisões operacionais do ONS.
Segundo ela, quando o operador impede a entrega de energia contratada, o gerador deve ser compensado.
Estados mais atingidos pelos cortes
Dados do setor apontam que Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco estão entre os estados com maiores reduções de geração renovável.
Em evento setorial, o CEO da Gerdau, Gustavo Werneck, relatou que o parque solar Arinos, em Minas Gerais, teve 70% da produção cortada após investimento de R$ 1,5 bilhão em parceria com a Newave Energia.
Ele afirmou ter “dificuldade de entender” por que usinas renováveis ficam paradas enquanto térmicas são despachadas.
A Eneva informou que o parque Futura 1, em Juazeiro (BA), deixou de gerar 185 GWh no terceiro trimestre de 2025, o maior corte de sua série histórica.
Já a Comerc Energia revisou a projeção de Ebitda para R$ 1,05 bilhão a R$ 1,15 bilhão, ante expectativa inicial de R$ 1,3 bilhão, devido ao aumento de curtailment.
A companhia afirmou, em nota, que discute soluções no Congresso e nos órgãos reguladores para tornar o processo “mais previsível e equilibrado”.
Discussões no Congresso e ações da Aneel
O tema está em discussão no Congresso Nacional, dentro da MP 1.304, que trata de mudanças estruturais no setor elétrico.
O relator da proposta, senador Eduardo Braga (MDB-AM), defende a criação de sinais econômicos adequados para geração, armazenamento e consumo, além da modernização das redes e da melhoria da eficiência operacional.
A Aneel informou que estuda aprimoramentos regulatórios e ações operacionais para mitigar os impactos do curtailment.
A diretora Agnes da Costa pediu avaliação jurídica sobre a inclusão da micro e minigeração distribuída no rateio de eventuais compensações, reconhecendo, porém, as restrições técnicas para desligar fisicamente essa geração.
Em nota, a agência reforçou que a segurança do Sistema Interligado Nacional é responsabilidade do ONS.
A Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) divulgou comunicado afirmando “profunda preocupação” com propostas que poderiam impor restrições à GD.
A entidade considera que a modalidade, composta por milhares de empresas e consumidores, não deve ser responsabilizada por desequilíbrios estruturais do sistema.
Soluções técnicas em debate
Especialistas sugerem medidas de curto prazo para reduzir o risco de apagão.
Entre as propostas estão a criação de tarifas inteligentes para incentivar o consumo entre 8h e 14h, redução do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) nesse período e remuneração adicional para hidrelétricas e térmicas que forneçam mais energia no fim da tarde, quando a demanda aumenta.
Também é defendido o uso de baterias de armazenamento em usinas solares, permitindo que a energia gerada pela manhã seja injetada à noite.
Para viabilizar isso, empresas pedem redução de impostos de importação sobre baterias, que ainda representam parcela significativa do custo final.
No longo prazo, a proposta de modernização inclui transformar distribuidoras em operadoras locais de sistema, com tecnologia e autonomia para gerenciar fluxos de energia em tempo real, além de oferecer incentivos para consumidores e geradores colaborarem no equilíbrio da rede.
Risco de sobrecarga no fim do ano
Com a chegada do fim de ano, período de baixa atividade industrial e férias coletivas, o consumo tende a cair ainda mais nas manhãs de domingos e feriados.
Segundo especialistas, isso aumenta o risco de sobregeração solar e exige monitoramento constante.
“A chance de cortes adicionais nas usinas eólicas e solares é real, e as distribuidoras podem ser chamadas a intervir na geração distribuída”, disse Donato Filho, da Volt Robotics.
Técnicos do setor apontam que ainda não há consenso se as medidas emergenciais serão suficientes para evitar interrupções e preservar a estabilidade do sistema nacional.
Em um cenário de matriz cada vez mais renovável e desafios de controle, como equilibrar segurança elétrica e expansão da energia limpa nos próximos meses?



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