Brasil pode liderar exportações globais de hidrogênio verde até 2030. Mas especialistas alertam: risco é repetir o erro do minério e virar apenas fornecedor barato.
O mundo vive uma corrida contra o tempo para reduzir emissões de carbono e cumprir as metas do Acordo de Paris. Nesse cenário, o hidrogênio verde surge como peça central: um combustível capaz de descarbonizar setores considerados “difíceis de eletrificar”, como siderurgia, transporte marítimo e indústria química. O Brasil, com uma matriz elétrica majoritariamente renovável, clima favorável e vastas áreas para energia solar e eólica, aparece como um dos países mais competitivos do mundo para produzir hidrogênio verde em larga escala. A Agência Internacional de Energia (IEA) já reconhece o potencial brasileiro como líder global de exportação.
Segundo dados de 2025, já existem mais de US$ 30 bilhões em projetos anunciados no país até 2030, com forte concentração no Nordeste. Mas, junto com o otimismo, especialistas acendem um alerta: o Brasil corre o risco de repetir um erro histórico, o mesmo cometido no ciclo do minério de ferro e da soja — exportar energia bruta e barata, sem agregar valor à cadeia produtiva.
O potencial de liderança
O diferencial brasileiro está nos números:
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Do sertão para o mundo: multinacionais da Europa, China e Austrália investem bilhões em usinas solares e eólicas no Nordeste para transformar vento e sol em hidrogênio verde e colocar o Brasil na vitrine global da energia limpa
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Portos de Pecém e Suape passam por transformação bilionária para exportar hidrogênio verde. Obras, usinas e contratos prometem colocar Brasil no centro da revolução energética
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Cortes de energia renovável geram conflito e prejuízo entre governo e Aneel
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Energia que sustenta: as termelétricas são indispensáveis na matriz elétrica
- 80% da matriz elétrica nacional já é renovável, contra menos de 30% na média mundial.
- O Nordeste possui alguns dos melhores índices de insolação e ventos constantes do planeta, garantindo fator de capacidade superior a 50% em parques eólicos.
- O custo estimado de produção de hidrogênio verde no Brasil pode ficar até 20% mais baixo que em países concorrentes, como Alemanha, Japão e Coreia do Sul.
Se essa vantagem competitiva for bem aproveitada, o Brasil pode se consolidar como fornecedor estratégico para Europa e Ásia, regiões que já anunciaram pacotes bilionários para importar hidrogênio até 2030.
O risco de repetir o “erro do minério”
A história brasileira é marcada por ciclos de exportação de matérias-primas baratas. O minério de ferro é o exemplo mais emblemático: o Brasil exporta toneladas a preços relativamente baixos, enquanto países como a China transformam esse insumo em aço e produtos de alto valor agregado. O mesmo ocorre com a soja, exportada in natura e processada no exterior.
No caso do hidrogênio verde, o risco é semelhante. O país pode se tornar apenas um grande fornecedor bruto de moléculas de energia, sem capturar o valor agregado da cadeia — como a instalação de siderúrgicas verdes, refinarias de amônia, fábricas de fertilizantes e indústrias químicas movidas a hidrogênio.
O alerta é claro: se não houver estratégia industrial, o Brasil será exportador barato de energia limpa, enquanto Europa e China transformarão essa energia em produtos de alto valor, gerando empregos e tecnologia fora do território nacional.
O olhar dos especialistas
Pesquisadores da USP, UFRJ e FGV apontam que o Brasil precisa de uma política industrial específica para o hidrogênio verde. Não basta atrair multinacionais estrangeiras; é necessário garantir contrapartidas que fixem parte da produção no país.
Entre as medidas propostas estão:
- Incentivos fiscais para indústrias que utilizarem hidrogênio verde em território nacional.
- Linhas de crédito públicas para estimular startups e centros de pesquisa.
- Exigência de conteúdo local nos megaprojetos internacionais, para que não se repita o cenário do pré-sal, em que muitos insumos eram importados.
Europa e China de olho no Brasil
A União Europeia já aprovou um pacote de US$ 300 bilhões para garantir importações de hidrogênio verde até 2030. A Alemanha, por exemplo, já assinou memorandos de entendimento com o Ceará e Pernambuco para reservar áreas de produção.
A China, por sua vez, entra com capital e tecnologia, financiando usinas solares e eólicas no Nordeste. O objetivo é claro: garantir fornecimento de moléculas baratas para abastecer sua própria transição energética e indústria de ponta.
Em outras palavras, os grandes centros econômicos já enxergam o Brasil como reserva energética verde. O risco é que o país aceite esse papel passivo, sem planejar como capturar valor interno.
Oportunidade de criar valor no Brasil
Apesar dos riscos, há um caminho possível para evitar a “armadilha do minério 2.0”. O Brasil pode, por exemplo:
- Atrair indústrias de aço verde para se instalarem próximas aos hubs de hidrogênio no Nordeste.
- Transformar parte do hidrogênio em amônia verde, produto de exportação de maior valor agregado e estratégico para fertilizantes.
- Incentivar o uso do hidrogênio na indústria de transporte, com ônibus e caminhões movidos a células a combustível.
- Criar zonas de desenvolvimento industrial ligadas a portos como Pecém e Suape, voltadas para a produção local.
Esse movimento transformaria o Brasil de simples exportador em protagonista industrial da economia verde, gerando empregos qualificados e fortalecendo a balança comercial.
Até 2030, o Brasil pode assumir a liderança mundial nas exportações de hidrogênio verde
Até 2030, o Brasil pode assumir a liderança mundial nas exportações de hidrogênio verde. Mas há dois cenários possíveis:
Promessa cumprida: o país se torna protagonista global da energia limpa, cria polos industriais verdes no Nordeste e utiliza o hidrogênio como vetor de desenvolvimento interno.
Armadilha histórica: o Brasil assume apenas o papel de fornecedor barato de moléculas para Europa e China, repetindo o mesmo erro do minério de ferro.
A escolha depende de decisões políticas e estratégicas tomadas agora, em 2025.
A chance de mudar o futuro
O hidrogênio verde é, sem dúvida, a maior oportunidade energética que o Brasil teve desde o pré-sal. A abundância de vento e sol dá ao país uma vantagem competitiva rara. Mas vantagem natural não é destino.
Se o Brasil optar por apenas exportar hidrogênio em estado bruto, estará condenando o futuro a repetir velhos erros. Se, ao contrário, apostar em agregar valor e criar uma nova matriz industrial verde, poderá transformar o sertão nordestino em um dos motores mais avançados da transição energética global.
A decisão está nas mãos do governo, das empresas e da sociedade: escolher entre ser celeiro de energia bruta ou protagonista da nova revolução industrial verde.