Igrejas evangélicas brasileiras avançam na Venezuela com apoio do regime de Nicolás Maduro, que concede benefícios e amplia influência religiosa, em meio a um crescimento expressivo de fiéis e possíveis interesses políticos no país.
O avanço de igrejas evangélicas com atuação no Brasil coincidiu com a guinada do governo de Nicolás Maduro em direção a esse público.
O movimento é abertamente cortejado com benefícios materiais e simbólicos.
Em pouco mais de uma década, a fatia de venezuelanos que se declara evangélica saltou de 2,1% (2010) para 30,9% (2023), segundo o Latinobarómetro, superando a média regional e alterando o tabuleiro religioso e político do país.
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A reportagem foi revelada pelo jornal Folha de S.Paulo, que apontou críticas à estratégia como tentativa de recompor base social após anos de crise econômica, denúncias de violações de direitos humanos e eleições contestadas.
Crescimento evangélico vira ativo político
A Venezuela testemunha, desde 2018, uma expansão acelerada do evangelicalismo.
Em termos percentuais, o contingente evangélico venezuelano já supera a média de 23% observada em 17 países da região, de acordo com recortes do Latinobarómetro.
Nesse cenário de incerteza, a fé aparece como amparo cotidiano, descreve a professora venezuelana Dhayana Fernández, que pesquisa direitos humanos e observa instrumentalização religiosa sem precedentes no período Maduro.
Estudos recentes também registram o salto para patamar próximo de 31% em 2023, reforçando a tendência de ascensão evangélica no país.
Universal aproxima-se do Palácio de Miraflores
Entre as denominações com raízes no Brasil, a Igreja Universal do Reino de Deus ganhou visibilidade.
Em 6 de março de 2024, durante uma celebração com milhares de pastores em Puerto Cabello (Carabobo), o bispo Ronaldo Santos — responsável pela Universal na Venezuela — conduziu uma oração na presença de Maduro e da primeira-dama, Cilia Flores, pedindo o fim de sanções internacionais.
“Podemos, meu Deus, ter sanções e bloqueios de todas as partes do mundo, mas não do céu. O céu está aberto sobre esta nação”, afirmou.
O episódio marcou o alinhamento público da igreja no país com a agenda governista.
A postura contrasta com conteúdos divulgados pela Universal no Brasil em janeiro de 2022, quando o bispo Renato Cardoso listou “cinco motivos” pelos quais, em sua visão, não é possível ser cristão e de esquerda.
Os textos foram publicados nos canais oficiais da igreja e repercutidos pela imprensa, ressaltando o tom de incompatibilidade entre fé e ideário de esquerda.
Após a cerimônia em Carabobo, a Universal divulgou nota intitulada “Pregação do Evangelho não é ato político e partidário”, atribuindo a jornalistas a distorção do caráter religioso do evento e destacando a autonomia administrativa de cada país.
Programas oficiais e benefícios às igrejas
A guinada do governo incluiu políticas específicas para atrair lideranças cristãs.
Em 2023, foi lançado o “Mi iglesia bien equipada”, executado pela Misión Venezuela Bella, com foco em reformas e doação de mobiliário, materiais de construção e equipamentos para templos.
No ano seguinte, o Executivo anunciou redução de impostos e exoneração de taxas para organizações religiosas, incluindo a substituição de aranceles do serviço de registros e cartórios (SAREN) para a constituição de igrejas.
Ainda em março de 2024, o governo incorporou 20 mil novos líderes ao “Bono El Buen Pastor”, repasse mensal destinado a pastores cadastrados no Sistema Patria.
O anúncio ocorreu no mesmo encontro com pastores em Puerto Cabello e foi replicado por canais oficiais e veículos locais.
Quem coordena a pauta religiosa do PSUV
A vice-presidência de Assuntos Religiosos do PSUV passou, em maio de 2022, a ser ocupada por Nicolás Ernesto Maduro Guerra, filho do presidente.
O partido e plataformas de verificação registram a nomeação e a atuação do deputado nessa frente, que ampliou o canal direto com setores evangélicos.
Pastores também migraram para a arena institucional.
O pastor Moisés García Duarte — presidente do Movimento Cristão Evangélico pela Venezuela (Mocev) — foi eleito deputado e é identificado como voz próxima ao governismo nas pautas religiosas.
Nem todo púlpito reza pelo governo
Embora a narrativa oficial enfatize “união” e “oração pelo país”, parte do pastorado e das igrejas mantém distância crítica.
Relatos indicam receio de represálias a quem denuncia corrupção, abusos ou se engaja em ações humanitárias independentes.
O monitoramento internacional da Open Doors (Portas Abertas) classifica a Venezuela fora do “top 50” de países com perseguição mais intensa, mas em ascensão no ranking ampliado: 71º lugar em 2025, após 67º em 2024 e 64º em 2023.
Segundo a organização, essa tendência reflete pressões e episódios de assédio, ainda que não sistemáticos como em nações do topo da lista.
Brasil: avanço evangélico em números
No Brasil, o crescimento evangélico também é consistente. Os dados do Censo 2022 divulgados pelo IBGE em 6 de junho de 2025 mostram 26,9% de evangélicos e 56,7% de católicos na população de 10 anos ou mais.
O retrato atual consolida a expansão evangélica e a perda relativa de fiéis católicos desde 2010.
Por que a Venezuela virou vitrine
A combinação de explosão demográfica evangélica, abertura institucional e apelos materiais fez do país uma vitrine para denominações midiáticas de perfil neopentecostal.
Pesquisadores apontam que parte dessas igrejas opera sob o conceito de “igrejas eletrônicas”, que se expandem apoiadas por rádio, TV e plataformas digitais.
Isso ajuda a explicar o interesse em concessões de comunicação e a simbiose com governos dispostos a facilitar infraestrutura e presença pública.