Banco Central do Brasil prevê que o BRICS não terá força para rivalizar o dólar antes de 2035 e aponta três entraves que manterão a hegemonia americana.
O Banco Central do Brasil (BCB) quebrou o silêncio sobre um dos temas mais sensíveis da geopolítica atual: a corrida dos países do BRICS para reduzir a dependência do dólar no comércio internacional. Em declaração recente, a instituição projetou que, apesar do avanço de iniciativas como a ampliação do uso de moedas locais e sistemas de pagamentos próprios, o bloco não terá força para desafiar a hegemonia da moeda americana antes de 2035.
Essa previsão contrasta com o discurso mais entusiasmado de alguns líderes do grupo, que desde 2023 vêm defendendo abertamente uma “desdolarização acelerada” para evitar o impacto das sanções econômicas impostas pelo Ocidente e dar mais autonomia aos países emergentes. Para o BC brasileiro, no entanto, há três grandes entraves estruturais que impedirão que essa transição ocorra no curto prazo — e que garantem, por enquanto, a permanência do dólar no centro da economia global.
O diretor de política monetária do Banco Central do Brasil, Nilton David, afirmou que não há atualmente um conjunto relevante de ativos denominados nas moedas dos BRICS capaz de rivalizar com a dominância global do dólar — e que essa realidade dificilmente mudará na próxima década.
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Na declaração feita em MAIO desse ano (2025) segundo entrevista da Reuters, ele sinalizou sobre como sistemas alternativos e acordos bilaterais podem reduzir parte do uso do dólar, mas, no horizonte visível, a supremacia da moeda americana permanece inabalável
A ambição do BRICS e o choque com a realidade econômica
O BRICS — formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e recentemente ampliado com países como Egito, Irã e Arábia Saudita — busca há anos maneiras de diminuir o peso do dólar nas transações internacionais. Entre as propostas estão a criação de uma moeda única, o fortalecimento do comércio bilateral em moedas locais e a implementação de sistemas de compensação financeira independentes do SWIFT, a rede global dominada por instituições ocidentais.
Apesar dessas iniciativas, o Banco Central brasileiro argumenta que a distância entre a ambição política e a viabilidade prática é enorme. Para sustentar a projeção de que a mudança não ocorrerá antes de 2035, a autoridade monetária se baseia em uma análise de fatores como liquidez global, confiança dos investidores e integração das moedas emergentes nos sistemas financeiros internacionais.
Entrave 1: Profundidade e liquidez de mercado ainda concentradas no dólar
O primeiro obstáculo identificado pelo BC é a escala do mercado financeiro em dólar. Hoje, cerca de 58% das reservas internacionais mundiais estão denominadas na moeda americana, e mais de 80% das transações cambiais diárias envolvem o dólar como uma das pontas.
Para que uma moeda do BRICS — ou mesmo um conjunto de moedas locais integradas — possa rivalizar com esse nível de liquidez, seria necessário um mercado de capitais amplo, transparente e com livre circulação de recursos. No entanto, países do bloco ainda mantêm controles cambiais rígidos, barreiras à entrada de capital estrangeiro e pouca profundidade nos títulos públicos comparados aos Treasuries dos EUA.
Sem essa liquidez, empresas e governos tendem a evitar contratos de longo prazo em moedas alternativas, já que a volatilidade é maior e os custos de hedge (proteção cambial) ficam elevados.
Entrave 2: Confiança institucional e estabilidade macroeconômica
O segundo entrave apontado é a confiança dos investidores internacionais. O dólar não é dominante apenas por tradição, mas porque os EUA oferecem uma combinação única de Estado de Direito, estabilidade política, mercado financeiro robusto e regras claras de governança.
Entre os países do BRICS, há casos de instabilidade política recorrente, inflação acima da média global e riscos de intervenção governamental nos mercados. Embora China e Índia tenham economias gigantes e crescente influência, ainda enfrentam barreiras em termos de transparência de dados, segurança jurídica e liberdade de movimentação de capitais.
O BC do Brasil enfatiza que a confiança é construída ao longo de décadas — e não pode ser substituída rapidamente por acordos políticos ou sistemas de pagamento inovadores.
Entrave 3: Infraestrutura de pagamentos globais e interoperabilidade
Por fim, o terceiro obstáculo está na infraestrutura técnica que sustenta o comércio internacional. Atualmente, o SWIFT e os sistemas bancários correspondentes operam como espinha dorsal das transações globais. Mesmo países que desejam evitar o dólar ainda dependem dessas redes para compensação e liquidação.
Embora o BRICS esteja desenvolvendo alternativas, como sistemas de pagamento próprios e soluções baseadas em blockchain, a integração global exige padrões compatíveis com instituições financeiras em mais de 180 países. Essa adaptação tecnológica é lenta e custosa, e esbarra em questões regulatórias e de segurança cibernética.
E o papel do Brasil na desdolarização?
Apesar do tom cauteloso do Banco Central, o Brasil participa de projetos de incentivo ao uso de moedas locais no comércio internacional. Um exemplo é o acordo com a Argentina para permitir transações em reais e pesos sem a necessidade de converter para dólar.
O Drex, moeda digital do BC atualmente em fase piloto, também é visto como uma ferramenta potencial para pagamentos internacionais rápidos e baratos — embora, no momento, esteja focado no mercado interno.
O governo brasileiro, por sua vez, adota um discurso mais diplomático: apoia a diversificação monetária, mas evita confrontos diretos com os EUA, principal parceiro comercial em determinados setores e detentor de parte significativa das reservas cambiais globais.
O impacto geopolítico de manter o dólar no centro
Manter o dólar como moeda dominante até pelo menos 2035 significa que os EUA continuarão exercendo poder indireto sobre a economia global.
Sanções financeiras, variações nas taxas de juros definidas pelo Federal Reserve e movimentos especulativos no mercado de títulos do Tesouro seguirão influenciando o custo de financiamento e a estabilidade macroeconômica dos países emergentes.
Para o BRICS, isso representa a necessidade de adotar uma estratégia de longo prazo, combinando investimentos em infraestrutura financeira, reformas institucionais e expansão das reservas em moedas alternativas, como o yuan, o rublo e até mesmo ouro.
Especialistas ouvidos por relatórios internacionais concordam com o diagnóstico do BC brasileiro: a desdolarização é uma tendência de longo prazo, mas dificilmente será acelerada a ponto de mudar o cenário global na próxima década.
A lição é clara: não basta criar uma moeda alternativa ou adotar sistemas de pagamento modernos — é preciso construir confiança, liquidez e integração global, pilares que sustentam a dominância do dólar há quase 80 anos.