As bancas de jornal, que por décadas foram ícones urbanos e pontos de encontro nas cidades brasileiras, estão desaparecendo, vítimas da era digital e da mudança nos hábitos de leitura.
Por décadas, as bancas de jornal foram parte inseparável da paisagem das cidades brasileiras. Em cada esquina, era possível ver as vitrines cheias de revistas, capas chamativas e pilhas de jornais frescos ao amanhecer. Mas hoje, o cenário é outro: portas baixadas, revistas amareladas e quiosques abandonados. O que antes era um ponto de encontro para leitores e curiosos, agora se tornou símbolo da transição entre o mundo analógico e o digital.
O fenômeno é nacional. Segundo dados do Sindicato dos Jornaleiros e da Associação Nacional de Jornais (ANJ), o Brasil perdeu mais de 70% das bancas em atividade desde o início dos anos 2000. Em São Paulo, havia quase 2.000 bancas em 2005; hoje, restam pouco mais de 500. No Rio de Janeiro, o número caiu de 1.400 para menos de 400, e muitas delas funcionam apenas como lojas de conveniência ou quiosques de apostas.
O colapso da era impressa no Brasil
O declínio das bancas é reflexo direto da crise do jornalismo impresso. Entre 2010 e 2024, a circulação de jornais e revistas caiu mais de 80%, segundo levantamento da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner). Grandes títulos que antes dominavam as prateleiras, como Caras, IstoÉ Gente, Contigo! e Placar, reduziram drasticamente suas tiragens ou migraram para o digital.
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A era da leitura matinal impressa, do café e do jornal na mesa, cedeu espaço para as notificações de celular e as manchetes instantâneas. Os brasileiros se informam hoje por redes sociais, portais de notícias e agregadores de conteúdo — muitos deles gratuitos.
De acordo com o DataReportal 2024, 93% dos brasileiros consomem notícias via smartphone, e apenas 4% ainda compram jornais físicos com frequência. Isso transformou completamente o modelo de negócios das bancas, que dependiam de volume de venda e reposição diária.
As bancas que tentam sobreviver se reinventam
Mesmo diante do colapso, algumas bancas resistem — reinventando-se como pontos multifuncionais. Em São Paulo, a prefeitura autorizou a revenda de recargas de celular, cartões de transporte e até cafés e lanches rápidos. Em cidades como Curitiba e Belo Horizonte, bancas passaram a vender produtos de papelaria, ingressos, livros usados e figurinhas colecionáveis, tentando se adaptar aos novos tempos.
No Rio de Janeiro, parte dos quiosques foi reformulada em pontos de apostas da Loterj e terminais de pagamento, uma forma de dar sobrevida a espaços que antes sustentavam famílias inteiras.
O impacto urbano e cultural do desaparecimento
As bancas sempre foram mais do que simples pontos de venda. Elas representavam um centro de convivência, informação e cultura popular. Ali se compravam jornais, gibis, revistas de fofoca, selos, ingressos e figurinhas. Para muitos brasileiros, a banca foi o primeiro contato com o mundo das notícias, do esporte e da política.
Hoje, o espaço físico das bancas está sendo lentamente absorvido por novos usos comerciais, como food trucks e microlojas de conveniência. Mas o desaparecimento de suas estruturas metálicas e coloridas muda o tecido visual das cidades, que ficam mais homogêneas, cinzas e digitais.
A revolução digital que mudou tudo
O avanço da internet foi apenas o primeiro golpe. Nos últimos anos, o PIX, o e-commerce e as redes sociais completaram a revolução, tornando a compra física de informação quase obsoleta. Revistas mensais passaram a disputar espaço com conteúdos gratuitos em tempo real, enquanto coleções de banca — antes populares — foram substituídas por assinaturas digitais e e-books.
O Brasil tem hoje mais de 230 milhões de celulares ativos, e o consumo médio de notícias via redes sociais cresceu 42% em apenas três anos, segundo o Reuters Institute (2024). Para os novos leitores, a ideia de comprar um jornal impresso parece anacrônica — e para os jovens, quase folclórica.
Bancas históricas que viraram memória
Algumas bancas resistem como ícones de uma era. Em São Paulo, a Banca do Largo do Machado e a Banca 2000, na Paulista, continuam abertas, mas reinventadas como pontos de encontro cultural e mini livrarias. No Rio, a Banca do Pepe, em Copacabana, transformou-se em uma loja de souvenirs e postais.
Essas sobreviventes funcionam mais como símbolos de nostalgia do que como negócios lucrativos.
Turistas e antigos moradores visitam-nas como quem visita um museu vivo — recordando uma era em que as notícias tinham cheiro de tinta e papel.
“Os mais jovens param e perguntam o que era vendido aqui. É estranho perceber que a palavra ‘banca de jornal’ já soa antiga”, conta Dona Marlene, jornaleira há 42 anos.
O futuro incerto e a reinvenção possível
Apesar da tendência de desaparecimento, há quem enxergue uma nova função para as bancas.
Projetos de revitalização urbana, como o Programa ReocupaSP, planejam transformá-las em microlojas, pontos de coleta de delivery, mini galerias de arte e cabines de leitura pública.
Moradores da região defendem que as antigas bancas de jornal poderiam ser reaproveitadas como pontos de microserviços urbanos, assumindo novas funções na paisagem da cidade. Esses espaços poderiam vender bilhetes de transporte, oferecer acesso gratuito à internet e servir como estações de recarga para bicicletas elétricas, tornando-se estruturas úteis e modernas no cotidiano urbano.
Essa proposta busca unir apoio público e criatividade privada para revitalizar equipamentos que hoje se encontram subutilizados.
O símbolo que sobrevive na memória coletiva
Mesmo que desapareçam fisicamente, as bancas seguirão vivas na memória afetiva dos brasileiros.
Elas marcaram décadas de transformações sociais — da ditadura aos anos 90, da Copa de 2002 à era digital — e foram palco de histórias cotidianas, amores e amizades.
Hoje, a geração que cresceu comprando figurinhas da Copa, gibis da Turma da Mônica ou revistas de fofoca vê com melancolia o desaparecimento de um espaço que representava a materialidade da informação.
O Brasil pode até ter migrado para o digital, mas é nas lembranças das bancas — com seus cheiros de papel, sons de rádio AM e capas chamativas — que está guardado um dos capítulos mais humanos da história urbana do país.