Proposta pode acelerar a retomada de imóveis e a cobrança de aluguéis, transferindo etapas do Judiciário para cartórios e encurtando prazos, mas especialistas apontam desafios de notificação, garantias preservadas e adaptação dos serviços extrajudiciais.
Brasília – O Projeto de Lei 3999/2020, aprovado em 10 de junho de 2025 pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, cria o procedimento de despejo extrajudicial e prevê que o proprietário recupere a posse do imóvel ou receba o valor devido em até 15 dias corridos após a notificação do inquilino.
A medida tenta aliviar a sobrecarga do Judiciário e diminuir o tempo médio das ações de despejo, hoje superior a dois anos, segundo parlamentares.
Origem e objetivos
A iniciativa partiu do deputado Hugo Leal (PSD-RJ) após sucessivos relatos de morosidade na execução de sentenças de desocupação.
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O projeto transfere fases burocráticas para os cartórios de notas, permitindo que etapas antes conduzidas por juízes sejam resolvidas administrativamente.
Além de acelerar o processo, a proposta pretende reduzir custos para locadores e inquilinos.
O que mudou com a aprovação na CCJ
Sob relatoria da deputada Caroline de Toni (PL-SC), o texto recebeu ajustes que consolidam um rito único.
O locador passa a requerer ao cartório a intimação do locatário, preferencialmente por meio eletrônico quando houver previsão contratual ou, alternativamente, de forma presencial.
A notificação deve vir acompanhada de cópia integral do contrato e de planilha atualizada dos débitos.
Assim que a entrega for certificada, inicia-se a contagem do prazo de 15 dias para pagamento total ou desocupação voluntária.
Consequências do prazo
Se o inquilino não quitar a dívida nem devolver as chaves dentro do período estabelecido, o proprietário poderá solicitar ao juiz competente uma ordem de despejo liminar, executável em mais 15 dias.
Na prática, a retomada da posse pode ocorrer em aproximadamente um mês, bem menos que o trâmite judicial tradicional.
Consignação de chaves e deveres do locador
O projeto também regulamenta a consignação extrajudicial de chaves.
Quando o locador se recusar a receber o imóvel, o inquilino poderá depositar as chaves no cartório, encerrando a relação locatícia e evitando acréscimo de encargos.
Em contrapartida, o proprietário assume maior responsabilidade na preparação dos documentos: qualquer vício formal — como valores exagerados ou ausência de comprovantes — permitirá ao devedor recorrer ao Judiciário para anular a notificação.
Garantias preservadas
Fiador, caução em dinheiro ou seguro-fiança continuam válidos.
Caso a dívida permaneça aberta, o locador decide se estende a cobrança ao garantidor durante a execução.
Não há mudança na ordem legal de preferência para penhora, e o projeto não restringe a negociação extrajudicial entre as partes.
Direito de defesa do inquilino
Embora enxuto, o procedimento assegura mecanismos de contestação.
O locatário pode demonstrar pagamento já efetuado mediante recibos ou alegar erro de cálculo, situação que extingue o pedido.
O tempo para apresentar a contestação, entretanto, corre simultaneamente ao prazo de 15 dias, exigindo atenção a e-mails de notificação ou às certidões de hora certa, medidas que substituem a citação pessoal quando o ocupante se mantém ausente.
Contexto do mercado de locação
O cenário de inadimplência ajuda a explicar o avanço da proposta.
Em outubro de 2024, o índice médio de atraso no pagamento de aluguéis foi de 3,31 %, segundo o levantamento mensal da plataforma Superlógica, indicando tendência de estabilidade após a pandemia.
Para o setor imobiliário, uma via rápida de despejo pode frear o aumento desses números ao coibir a permanência prolongada de contratos em atraso.
Quem ganha e quem perde
Proprietários vislumbram vantagem evidente, já que o custo de cartório costuma ser inferior às custas judiciais e à sucumbência.
Inquilinos, por sua vez, podem negociar com maior clareza de prazos, mas perdem a possibilidade de dilatar debates processuais se ignorarem a intimação.
Fiadores permanecem solidários e podem ser acionados mais cedo, o que reforça a necessidade de monitorar a situação do afiançado.
Próximas etapas
Sem recurso para o Plenário da Câmara, o texto segue para a Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Se aprovado, será votado pelo Plenário da Casa Alta e, em seguida, encaminhado à sanção presidencial.
O substitutivo prevê vacatio legis de 60 dias para adaptação dos cartórios e divulgação das novas regras.
Aplicação a contratos vigentes
Pela redação atual, o procedimento alcança contratos já em execução, desde que o débito seja constituído após a entrada em vigor da lei.
Especialistas apontam que a retroatividade poderá suscitar questionamentos judiciais, mas a maioria avalia que o risco é baixo, pois não afeta direitos adquiridos, apenas introduz rito processual alternativo.
Municípios sem cartório de notas
Onde não houver tabelionato, o projeto autoriza o uso do cartório de registro de imóveis da comarca.
Essa extensão busca garantir capilaridade, sobretudo em cidades pequenas, mas dependerá de treinamento e padronização de serviços ainda não detalhados.
Desafios de implementação
Enquanto defensores da proposta comemoram a expectativa de processos mais ágeis, servidores do Judiciário e representantes de inquilinos alertam para a necessidade de supervisão.
Falhas na notificação eletrônica, desigualdade no acesso à internet e a possibilidade de documentos incompletos são apontadas como fatores que podem gerar nova leva de litígios, justamente o cenário que o PL pretende evitar.
O que esperar do Senado
Senadores favoráveis à desjudicialização indicam que o texto terá tramitação rápida, mas já circulam emendas sugerindo prazo maior para pagamento ou a obrigatoriedade de audiência prévia de conciliação.
Qualquer alteração substancial obrigará o retorno do projeto à Câmara, postergando a vigência.
Debate em aberto
Enquanto a proposta caminha, entidades de proprietários e defensores públicos discutem ajustes para equilibrar celeridade e segurança.
A principal dúvida que surge é se a sociedade está preparada para migrar parte da função jurisdicional para serviços extrajudiciais sem reduzir garantias fundamentais.
Você acredita que a solução cartorial vai realmente encurtar conflitos de aluguel ou pode criar novos focos de disputa?