Medidas de austeridade na ANP afetam desde infraestrutura interna até o monitoramento da qualidade dos combustíveis, refletindo os efeitos dos cortes orçamentários sobre o funcionamento da agência e a prestação de serviços essenciais ao consumidor.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), responsável pela regulação do setor de combustíveis no Brasil, adotou medidas drásticas para lidar com a falta de recursos financeiros.
Entre as ações mais notórias está o fechamento de banheiros utilizados pelos próprios funcionários na sede do órgão, localizada no Centro do Rio de Janeiro.
Conforme uma reportagem do portal Metrópoles, o comunicado fixado na porta do banheiro, impresso em papel timbrado da agência, informa que o local está “fechado por tempo indeterminado em razão do contingenciamento de recursos orçamentários”.
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O aviso reflete a atual crise enfrentada pela ANP, que aponta o governo federal como responsável pela escassez de verbas.
Corte de recursos atinge infraestrutura interna da ANP
De acordo com nota oficial, a restrição não se limita ao fechamento de banheiros, mas faz parte de um pacote de cortes resultante da redução do orçamento destinado à agência.
Em todos os 11 andares do edifício sede, dois banheiros estavam disponíveis por andar.
Com a nova medida, apenas um segue em funcionamento em cada piso, como alternativa para conter despesas.
O impacto atinge diretamente a rotina de trabalho dos servidores e ressalta o desafio de manter o mínimo de infraestrutura adequada diante da limitação de recursos.
Em comunicado emitido em junho de 2025, a ANP afirmou que vem sofrendo restrições orçamentárias recorrentes nos últimos anos, destacando que as dificuldades financeiras levaram à necessidade de “medidas emergenciais diante dos impactos causados pelos recentes cortes orçamentários sofridos pela Agência”.
Funcionários relataram surpresa com o fato de que até mesmo a utilização de banheiros foi afetada pela crise financeira, demonstrando o alcance das restrições.
Monitoramento dos combustíveis feito pela ANP também é impactado
Além dos serviços internos, as limitações orçamentárias impactaram diretamente atividades essenciais, como o monitoramento da qualidade dos combustíveis comercializados no país.
Entre as ações mais relevantes está a suspensão temporária do Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC) durante todo o mês de julho de 2025.
Essa iniciativa, considerada estratégica para o setor, monitora possíveis fraudes e garante a segurança dos consumidores em relação à composição e qualidade dos combustíveis ofertados em postos de todo o território nacional.
Outra consequência foi a redução do escopo do Levantamento Semanal de Preços de Combustíveis (LPC), pesquisa fundamental para acompanhamento de preços praticados no mercado.
O número de municípios monitorados caiu de 459 para 390 no segundo semestre de 2025, no caso dos combustíveis automotivos, e de 459 para 175 no caso do gás liquefeito de petróleo (GLP), conhecido popularmente como gás de cozinha.
Com menos municípios cobertos, a abrangência da fiscalização e a transparência dos preços ficam comprometidas.
A ANP também detalhou que todos os contratos estão sendo revisados com o objetivo de identificar ineficiências e priorizar cortes.
Outros pontos afetados incluem a redução de despesas com diárias e passagens aéreas, diminuição dos recursos para fiscalização, além de transferir para o formato remoto reuniões de diretoria, audiências públicas e eventos institucionais.
Queda no orçamento discricionário e seus efeitos
Os dados oficiais apresentados pela ANP apontam queda acentuada no orçamento discricionário da instituição ao longo dos anos.
A autorização para despesas desse tipo passou de R$ 749 milhões, em valores corrigidos pela inflação, no ano de 2013, para R$ 134 milhões em 2024.
Para 2025, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) prevê um valor levemente superior, de R$ 140,6 milhões.
A redução acumulada supera 80%, pressionando a agência a reorganizar todas as suas operações para se adequar ao novo patamar de recursos.
Segundo fontes da própria ANP, os cortes já afetam diferentes frentes do trabalho institucional e colocam em risco a continuidade de atividades que garantem a transparência e segurança do setor de combustíveis.
O sindicato dos servidores das agências reguladoras já se manifestou anteriormente sobre a necessidade de fortalecimento das estruturas, considerando o papel estratégico das agências para o funcionamento do mercado e proteção dos consumidores.
Mudanças na diretoria da ANP em meio à crise
O cenário de restrição orçamentária ocorre em um momento de mudanças na direção da ANP.
Atualmente, dos cinco diretores da agência, dois são interinos, incluindo o diretor-geral.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou Artur Watt Neto para a diretoria-geral, ressaltando que a escolha teve como base o currículo do indicado, apesar de ele ser sobrinho da irmã do senador Otto Alencar (PSD-BA).
O parlamentar afirmou publicamente que a recomendação ocorreu devido à experiência profissional de Watt Neto e não pelo vínculo familiar.
A vaga permanece aberta desde dezembro de 2024.
Outra vaga de diretor aguarda a nomeação de Pietro Sampaio Mendes, escolhido pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e pelo senador Laércio Oliveira (PP-SE).
Essa posição está sem titular desde janeiro de 2025.
A indefinição nos cargos de direção, somada ao orçamento reduzido, amplia os desafios administrativos e operacionais enfrentados pela ANP neste cenário de crise.
Pressão sobre agências reguladoras federais
O caso da ANP se soma a um contexto mais amplo de pressão sobre as agências reguladoras federais.
Relatos indicam que diretores de diferentes órgãos chegam a passar longos períodos no exterior, enquanto decisões estratégicas aguardam definição.
Além disso, a lista de indicados para cargos de direção nas agências reguladoras tem sido alvo de debates sobre critérios técnicos e políticos, inclusive com questionamentos do sindicato de servidores quanto à transparência das escolhas e ao possível impacto dessas nomeações no funcionamento institucional.
Riscos à regulação e à fiscalização diante da falta de verba
Diante desse quadro, cresce a preocupação com a capacidade das agências, como a ANP, de cumprir suas funções essenciais, especialmente no que diz respeito à regulação, fiscalização e garantia da qualidade dos combustíveis no Brasil.
O fechamento de banheiros para funcionários é apenas um exemplo simbólico do aprofundamento da crise, que agora atinge desde condições básicas de trabalho até a proteção dos direitos dos consumidores.
No contexto atual, como as agências reguladoras poderão assegurar a qualidade dos serviços prestados ao cidadão diante de restrições orçamentárias tão severas?