China compra mais de 70% do minério de ferro brasileiro, mas o Brasil gasta US$ 27 bilhões ao ano em eletrônicos chineses. Relação revela desequilíbrio nas trocas.
O comércio entre Brasil e China é um dos mais robustos do mundo, mas também um dos mais assimétricos. De um lado, a China compra volumes colossais de commodities brasileiras, em especial o minério de ferro, que abastece sua indústria siderúrgica. De outro, o Brasil envia bilhões de dólares todos os anos para importar produtos manufaturados chineses, em especial eletrônicos e equipamentos de alta tecnologia.
O contraste expõe um desequilíbrio estrutural nas trocas comerciais, em que o Brasil exporta produtos de baixo valor agregado e importa produtos caros, revelando uma dependência que pode custar caro ao desenvolvimento do país.
Minério de ferro: a espinha dorsal da exportação
De acordo com dados oficiais, em 2024 a China absorveu mais de 70% do minério de ferro exportado pelo Brasil, algo em torno de 270 milhões de toneladas. O minério representa sozinho cerca de 12% de todas as exportações brasileiras, sendo peça central para o superávit comercial. Essa dependência, no entanto, é arriscada.
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O setor mineral concentra receitas bilionárias, mas pouco diversifica a pauta exportadora. Além disso, o minério é vendido como matéria-prima, com valor agregado baixo em comparação ao que gera quando transformado em aço e em produtos industriais.
Essa dinâmica mantém o Brasil na posição de fornecedor de insumos brutos, enquanto outros países capturam margens maiores.
Eletrônicos chineses: a fatura bilionária que volta
Na outra ponta da balança, o Brasil desembolsou em 2020 – 27 bilhões e em 2024 cerca de US$ 17 bilhões para importar eletrônicos e equipamentos elétricos da China. Essa categoria inclui computadores, celulares, semicondutores, painéis solares, eletrodomésticos e uma infinidade de produtos que abastecem tanto a indústria quanto o consumo doméstico.
O contraste é chocante: enquanto exporta minério bruto a preços relativamente baixos, o Brasil importa bens de alto valor agregado, com tecnologia embarcada e margem de lucro elevada.
O resultado é um ciclo de dependência: sem indústria local consolidada, o país continua dependente da tecnologia chinesa para sustentar sua economia digital e sua infraestrutura moderna.
Um desequilíbrio histórico nas trocas
Essa relação não é nova. Desde a década de 2000, quando a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil, o padrão tem sido o mesmo: commodities para lá, manufaturados para cá. O que muda são os números, que crescem ano após ano e escancaram o abismo entre as duas pautas.
Segundo analistas, esse modelo fortalece a curto prazo as contas externas brasileiras, mas pode comprometer a médio e longo prazo a competitividade industrial.
O risco é o Brasil se consolidar como uma economia dependente da exportação de produtos básicos, sem avançar para cadeias de maior valor agregado, afirma economista da Secex.
O impacto no desenvolvimento industrial
O fato de o Brasil importar bilhões em eletrônicos revela a fragilidade de sua própria indústria tecnológica.
Apesar de avanços em alguns setores, como agritech, fintechs e aeronáutica, a base industrial brasileira segue pouco integrada às cadeias globais de inovação.
A ausência de um setor forte em semicondutores, microchips e eletrônicos de consumo obriga o país a depender de importações não só da China, mas também de outros polos asiáticos. Essa lacuna tecnológica limita a competitividade e amplia o déficit em setores de ponta.
Dependência e riscos estratégicos
A concentração de exportações em uma única commodity e em um único mercado é um risco estratégico. Qualquer oscilação na demanda chinesa por minério de ferro pode abalar profundamente as receitas brasileiras.
O mesmo vale para a dependência de eletrônicos: tensões geopolíticas, embargos ou crises logísticas podem deixar o Brasil vulnerável ao desabastecimento e ao aumento abrupto de preços.
Especialistas defendem que o país precisa diversificar sua pauta exportadora e investir em industrialização para equilibrar melhor essa relação. Sem isso, o Brasil continuará preso ao ciclo de exportar barato e importar caro.
Caminhos para reduzir o desequilíbrio
Há três caminhos apontados como essenciais para reduzir essa desigualdade:
Agregação de valor às commodities – Investir em siderurgia avançada, metalurgia e derivados do minério, para exportar produtos de maior valor agregado.
Inovação tecnológica – Desenvolver uma base de produção local em semicondutores, eletrônicos e energias renováveis, setores nos quais o Brasil já tem mercado consumidor consolidado.
Diversificação de mercados – Reduzir a dependência da China, ampliando exportações para a União Europeia, Índia e outros países emergentes.
Essas medidas, porém, demandam planejamento de longo prazo, políticas públicas consistentes e investimentos privados em escala bilionária.
A relação com a China mostra a contradição central da economia brasileira: um gigante agrícola e mineral, mas ainda frágil em tecnologia e inovação.
Enquanto exporta toneladas de minério de ferro para sustentar a indústria chinesa, o Brasil continua importando bilhões em produtos eletrônicos, perpetuando um ciclo que reforça o atraso industrial.
Romper esse padrão exige mais do que discursos — é necessário transformar a estrutura produtiva do país. Caso contrário, o desequilíbrio brutal nas trocas comerciais seguirá como marca registrada da relação Brasil–China.