Além de ser a única capital brasileira fundada por franceses, São Luís, no Maranhão, é conhecida como “Ilha do Amor”, ostenta um centro histórico de azulejos portugueses e pulsa ao ritmo contagiante do reggae, que lhe rendeu o título de “Jamaica Brasileira”.
São Luís é uma cidade de identidades múltiplas e fascinantes. Conhecida oficialmente por ser a única capital brasileira fundada por franceses, um fato histórico que a distingue no cenário nacional, a capital do Maranhão desafia rótulos fáceis. Suas ruas contam histórias que vão muito além de sua origem europeia, revelando uma paisagem urbana moldada por portugueses, uma cultura popular vibrante e uma alma que ressoa com sons caribenhos. Essa complexidade é visível em seus apelidos, arquitetura e, principalmente, em sua música.
Longe de serem contradições, essas diferentes facetas são camadas de um rico palimpsesto urbano. A herança francesa, o legado arquitetônico português reconhecido como Patrimônio Mundial pela UNESCO e a poderosa cultura do reggae não são elementos isolados, mas capítulos interligados que formam a biografia de uma das cidades mais singulares do Brasil. Entender São Luís é mergulhar em suas disputas históricas, na opulência de seus casarões e na força cultural que emergiu de sua periferia para conquistar o país.
França, Portugal e Holanda: a gênese disputada da capital
A história de São Luís começa oficialmente em 8 de setembro de 1612, quando uma expedição francesa liderada por Daniel de La Touche estabeleceu o Forte de Saint-Louis em homenagem ao rei Luís XIII. Segundo dados do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o objetivo era ambicioso: criar uma colônia permanente chamada França Equinocial, desafiando o domínio ibérico na América do Sul. Os franceses buscaram alianças com os povos Tupinambá locais, que eram hostis aos portugueses, consolidando sua posição em um território estrategicamente importante.
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Apesar do planejamento, a presença francesa foi extremamente breve. A Coroa Portuguesa reagiu rapidamente e, em 1615, apenas três anos após a fundação, forças lideradas por Jerônimo de Albuquerque derrotaram os franceses na Batalha de Guaxenduba, incorporando a cidade ao domínio luso-brasileiro. A instabilidade, no entanto, continuou. Conforme detalhado pelo IPHAN, a cidade ainda seria invadida e ocupada pelos holandeses entre 1641 e 1644, que foram expulsos por uma revolta de colonos locais. Foi somente após esse período conturbado que a colonização portuguesa se consolidou, redesenhando a cidade sob uma nova ótica urbanística.
A cidade dos azulejos: patrimônio mundial em pleno trópico
Com a consolidação portuguesa, São Luís viveu seu apogeu econômico nos séculos XVIII e XIX, impulsionada pela exportação de algodão e arroz. Essa prosperidade financiou a construção de imponentes solares e sobrados que hoje compõem seu famoso Centro Histórico. Em 1997, esse conjunto arquitetônico foi reconhecido como Patrimônio Cultural Mundial pela UNESCO, um testemunho de sua preservação e valor excepcionais. A área tombada, segundo o IPHAN, abrange cerca de 4.000 imóveis que formam um exemplo único de cidade colonial portuguesa adaptada ao clima equatorial.
A característica mais marcante dessa arquitetura é o revestimento das fachadas com azulejos. São Luís possui o maior acervo de azulejaria dos séculos XVIII e XIX da América Latina, um detalhe que lhe rendeu o apelido de “Cidade dos Azulejos”. De acordo com o IPHAN, o uso desses materiais, majoritariamente portugueses, não era apenas estético. Os azulejos cumpriam uma função prática crucial: proteger as paredes da umidade das fortes chuvas tropicais e refletir a luz solar, ajudando a manter os ambientes internos mais frescos. Essa solução engenhosa é um símbolo da adaptação da arquitetura europeia às condições locais.
Ilha do Amor ou Atenas Brasileira? Os apelidos que contam histórias
A identidade de São Luís também é expressa por seus múltiplos apelidos, que revelam diferentes épocas e visões sobre a cidade. O mais famoso hoje é “Ilha do Amor”. De acordo com a revista Viagem e Turismo (Abril), a origem do termo é incerta, com teorias que apontam para uma canção popular do compositor Cláudio Fontana ou até mesmo uma campanha de marketing turístico. Independentemente da origem, o apelido foi abraçado pela população e pelos visitantes, que veem no charme das ruas de pedra e no pôr do sol da cidade um cenário genuinamente romântico.
Outro epíteto histórico, embora menos usado atualmente, é o de “Atenas Brasileira”. Esse título surgiu no século XIX, quando São Luís se tornou um importante polo intelectual e literário do país, berço de grandes escritores como Aluísio Azevedo e Graça Aranha. Esse apelido reflete uma autoimagem erudita e eurocêntrica da elite local da época. A convivência desses dois títulos, “Ilha do Amor” e “Atenas Brasileira”, mostra como a percepção da cidade evoluiu, transitando de um ideal de alta cultura para uma imagem mais ligada ao afeto e ao turismo.
Jamaica Brasileira: como o reggae redefiniu a identidade local
A transformação cultural mais impactante de São Luís é, sem dúvida, a que lhe conferiu o título de “Jamaica Brasileira”. Uma análise do portal Brasil de Fato detalha como o ritmo jamaicano, que chegou à cidade no final dos anos 1970, tornou-se um pilar da identidade local. O reggae não foi apenas consumido; ele foi reinventado com características únicas, como o estilo de dança “agarradinho”, que difere do modo como o ritmo é dançado no resto do mundo, e a cultura das radiolas, gigantescos sistemas de som que são o coração das festas.
O movimento cresceu na periferia e, inicialmente, foi visto com desdém pela elite, mas sua força popular foi avassaladora. Um dos fenômenos mais criativos dessa apropriação cultural, segundo o Brasil de Fato, foi a criação dos “melôs”: como as letras em inglês não eram compreendidas, as músicas ganhavam apelidos em português baseados na fonética. O que começou como uma subcultura tornou-se um símbolo oficial, culminando na criação do Museu do Reggae e na sanção da Lei Federal 14.668, em 2023, que conferiu a São Luís o título de Capital Nacional do Reggae. Essa ascensão representa uma redefinição da identidade da cidade, agora marcada pela força de sua cultura afro-diaspórica.
São Luís é uma cidade de muitas camadas, cada uma com sua própria história. Qual dessas facetas mais te surpreendeu? A origem francesa, a beleza dos azulejos portugueses ou a força do reggae? Conte para nós nos comentários qual é a sua visão sobre a identidade dessa capital tão única!