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Conheça a história da cidade que foi o centro do poder colonial, abriga o maior conjunto arquitetônico da América Latina e se tornou o epicentro da identidade afro-brasileira.
Salvador, na Bahia, é uma cidade cuja identidade vai muito além de suas paisagens deslumbrantes. Fundada para ser a sede do poder português nas Américas, ela foi a primeira capital do Brasil, um centro administrativo e econômico que moldou os rumos da nação por mais de dois séculos. Conforme destaca o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), seu planejamento estratégico e sua importância econômica a consolidaram como a cidade mais relevante do Novo Mundo em sua época, deixando um legado monumental que pode ser visto e sentido até hoje.
Essa herança, no entanto, é inseparável de outra narrativa, mais profunda e resiliente. A opulência colonial de Salvador foi construída sobre o trabalho de milhões de africanos escravizados, que fizeram da cidade o maior porto da diáspora africana nas Américas. Foi nesse contexto de opressão que nasceu uma cultura vibrante e poderosa, transformando Salvador no coração incontestável da identidade afro-brasileira. Seu centro histórico, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade, não é apenas um conjunto de casarões e igrejas, mas o palco onde essa história de resistência e criação floresceu.
A capital do império: Fundação e poder colonial
A história de Salvador como centro do poder começa em 29 de março de 1549, quando Tomé de Souza, o primeiro Governador-Geral, chegou com a missão de estabelecer uma cidade-fortaleza. A escolha da Baía de Todos os Santos não foi aleatória: sua localização estratégica e seu porto natural seguro eram ideais para administrar o território e exportar o açúcar, o “ouro branco” que movia a economia do império. O IPHAN ressalta que, diferente de outros assentamentos, Salvador foi projetada para ser a sede do poder, com uma divisão clara entre a Cidade Alta, centro administrativo e religioso, e a Cidade Baixa, a área comercial e portuária.
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Essa prosperidade econômica dependia diretamente do sistema escravocrata. Salvador tornou-se o principal porto de entrada de africanos escravizados, um trágico epicentro do comércio transatlântico que moldou sua demografia de forma definitiva. Em 1763, após 214 anos, a coroa portuguesa transferiu a capital para o Rio de Janeiro, buscando controlar mais de perto a extração de ouro em Minas Gerais. Paradoxalmente, a perda do status político e a consequente estagnação econômica protegeram Salvador de grandes modernizações urbanas, o que, segundo o IPHAN, foi crucial para a preservação de seu conjunto arquitetônico colonial de forma quase intacta.
Um museu a céu aberto: O legado arquitetônico
No coração da Cidade Alta, o Pelourinho é o maior símbolo do legado arquitetônico soteropolitano. O nome, que remete à coluna de pedra usada para castigar publicamente os escravizados, revela a origem sombria do local. Com o tempo, o espaço de punição se transformou em um vibrante centro cultural. Hoje, suas ruas de paralelepípedos e casarões coloridos dos séculos XVII e XVIII formam o maior conjunto colonial da América Latina, um valor reconhecido mundialmente com o título de Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, conforme validado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
A riqueza e as contradições daquele tempo estão gravadas na pedra de suas igrejas. A Igreja e Convento de São Francisco é a expressão máxima do poder e da opulência do ciclo do ouro, com seu interior folheado com quase uma tonelada do metal precioso. Em um profundo contraste, a poucos metros dali, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos foi erguida ao longo de um século pelo trabalho e recursos da própria comunidade negra, escravizada e liberta. Este templo não simboliza a riqueza do império, mas a fé, a organização e a resiliência de um povo que construiu seu próprio espaço sagrado, misturando o catolicismo com influências africanas.
A alma africana: A ginga da capoeira
A cultura de Salvador é uma cultura de resistência, e a capoeira é sua expressão mais engenhosa. Nascida como uma forma de luta e autodefesa disfarçada de dança, ela permitia que os escravizados treinassem o corpo para o combate sem despertar suspeitas. Após a abolição, a prática foi marginalizada e criminalizada, e sua sobrevivência e legitimação no século XX devem muito a dois grandes mestres soteropolitanos. Fontes que detalham a vida de ambos os mestres explicam suas contribuições fundamentais para a arte.
De um lado, Mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado) buscou legitimar a capoeira perante a sociedade. Ele criou a Capoeira Regional, um estilo mais rápido e atlético, sistematizando seu ensino e fundando a primeira academia oficial em 1932. Sua iniciativa foi crucial para tirar a capoeira da clandestinidade e transformá-la no “único esporte verdadeiramente nacional”. Do outro lado, Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha) atuou como o guardião da tradição, dedicando-se a preservar a Capoeira Angola, o estilo mais antigo, filosófico e ritualístico. A visão de Pastinha protegeu a ancestralidade da arte, garantindo que sua “mandinga” e sua essência não se perdessem. Juntos, Bimba e Pastinha representam a dualidade entre inovação e tradição que fortaleceu e projetou a capoeira para o mundo.
O som que ecoou no mundo: Olodum e o samba-reggae
A revolução musical mais impactante de Salvador no século XX nasceu no Pelourinho, com o Olodum. Fundado em 1979, o grupo surgiu não apenas como um bloco de carnaval, mas como uma organização de ativismo. A Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Governo Federal, destaca o papel do Olodum como uma entidade do movimento negro, que desde sua criação combate a discriminação e promove o orgulho e a cultura afro-brasileira. Suas cores, inspiradas no pan-africanismo, e seu nome, que remete ao Deus supremo da cosmologia Iorubá, já sinalizavam sua vocação política.
A grande inovação veio quando o mestre de percussão Neguinho do Samba criou o samba-reggae, um ritmo que fundiu a base do samba de roda baiano com a cadência do reggae jamaicano. Foi um ato de reafirmação cultural que deu voz à comunidade negra de Salvador e se tornou um fenômeno global. O som poderoso dos tambores do Olodum rompeu fronteiras, levando a cultura da primeira capital do Brasil para o mundo e culminando em parcerias com artistas como Paul Simon e Michael Jackson. Graças a essa força, o grupo foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, um marco validado pela Fundação Cultural Palmares.
Uma capital perpétua da cultura brasileira
Embora tenha perdido o título de capital política em 1763, Salvador jamais deixou de ser a capital cultural e espiritual do Brasil. A cidade é um testemunho vivo da resiliência, provando que a cultura é a mais poderosa ferramenta de sobrevivência e afirmação. Nas ruas onde seus ancestrais foram oprimidos, hoje se dança, se joga capoeira e se celebra uma identidade que não apenas resistiu, mas floresceu e enriqueceu toda uma nação. Salvador não é apenas a primeira capital do Brasil; ela é a capital perpétua da alma afro-brasileira.
Você já visitou Salvador? Qual foi a sua experiência mais marcante na cidade? Compartilhe sua história nos comentários e nos diga o que mais te conectou com a cultura afro-brasileira.
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