Uma análise da controversa compra do porta-aviões São Paulo, sua carreira de falhas e o afundamento que gerou uma crise ambiental e um prejuízo milionário.
A história do Navio Aeródromo (NAe) São Paulo na Marinha do Brasil é um épico de ambição, controvérsias e frustrações. O porta-aviões dquirido para ser o novo capitânia da Esquadra, sua trajetória foi marcada por problemas operacionais que culminaram em um fim trágico e polêmico no fundo do Oceano Atlântico.
Conheça a jornada do porta-aviões São Paulo. Analisaremos a decisão de sua compra, sua conturbada vida operacional, a saga de seu descarte e as graves consequências ambientais, financeiras e estratégicas que seu legado deixou para o Brasil.
A compra do “sucatão francês”: a aposta de US$ 12 milhões da Marinha do Brasil
Antes de se tornar o porta-aviões São Paulo, o navio era o FS Foch da Marinha Francesa, comissionado em 1963. Após 37 anos de serviço, foi adquirido pelo Brasil em novembro de 2000 pelo valor de US$ 12 milhões. A compra visava substituir o obsoleto NAeL Minas Gerais.
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A chegada do São Paulo representava um salto qualitativo. Ele era maior, mais veloz e mais adequado para operar os caças A-4 Skyhawk da Marinha. A expectativa era que, após uma modernização, ele pudesse operar até 2039. Contudo, o baixo preço de compra já poderia ser um sinal dos altos custos futuros de manutenção de uma embarcação tão antiga.
Uma carreira de falhas: acidentes, inatividade e a modernização que nunca aconteceu
A história operacional do porta-aviões São Paulo na Marinha do Brasil foi desapontadora. Em 17 anos de serviço, o navio passou apenas 206 dias efetivamente no mar. Ele nunca conseguiu operar por mais de três meses sem precisar de reparos.
Em maio de 2005, um grave acidente a bordo, uma explosão em uma tubulação de vapor, matou três marinheiros e feriu outros. O evento foi um golpe severo na operacionalidade do navio. Em 2014, a Marinha anunciou um ambicioso plano de modernização de mais de R$ 1 bilhão para estender sua vida útil. No entanto, em 2017, o plano foi abandonado devido ao custo exorbitante e às incertezas técnicas, e a desativação do navio foi decidida.
A última e trágica viagem: rejeição internacional e o limbo no mar
Após ser desativado, o casco do porta-aviões São Paulo foi a leilão em 2021. Foi arrematado pela empresa turca Sök Denizcilik por cerca de US$ 10,5 milhões para ser desmontado na Turquia. Em agosto de 2022, o navio deixou o Rio de Janeiro a reboque.
A viagem, no entanto, foi interrompida perto de Gibraltar. O governo turco revogou a autorização de importação, alegando preocupações com a quantidade de amianto e outros materiais tóxicos a bordo. O inventário brasileiro citava 9,6 toneladas de amianto, mas ONGs e o governo turco suspeitavam que a quantidade real era muito maior, similar às mais de 600 toneladas de seu navio-irmão, o Clemenceau. Forçado a retornar, o porta-aviões São Paulo foi proibido de atracar em portos brasileiros e ficou à deriva por meses na costa de Pernambuco.
Crime ambiental ou mal necessário? O debate sobre o afundamento
Diante da ameaça de abandono do casco pela empresa turca e de um “afundamento inevitável”, a Marinha do Brasil assumiu o controle do navio em janeiro de 2023. A decisão final foi realizar um “afundamento planejado e controlado”. A operação ocorreu em 3 de fevereiro de 2023, a 350 km da costa, em uma área com 5.000 metros de profundidade.
A justificativa da Marinha foi que essa era a única alternativa para evitar um desastre ambiental e logístico maior. Contudo, especialistas do IBAMA e ONGs internacionais como Greenpeace e Sea Shepherd condenaram o ato. Eles classificaram o navio como um “pacote tóxico de 30 mil toneladas” e o afundamento como uma violação de três tratados internacionais de proteção ambiental: as Convenções de Basileia, Londres e Estocolmo. O navio levou para o fundo do mar toneladas de amianto, PCBs, chumbo, mercúrio e outros poluentes.
O legado do porta-aviões São Paulo: perdas financeiras e lições para a defesa nacional
O porta-aviões São Paulo se revelou um grande prejuízo financeiro. Além dos custos de aquisição e manutenção, a saga final gerou mais despesas, levando a Advocacia-Geral da União (AGU) a mover uma ação buscando R$ 322 milhões das empresas envolvidas no reboque.
Estrategicamente, a experiência frustrada levantou questionamentos sobre a capacidade do Brasil de operar porta-aviões de grande porte. As prioridades da Marinha foram reorientadas para programas de submarinos e para a construção das novas Corvetas Classe Tamandaré. A história do “sucatão francês” serve como uma dura lição sobre os riscos de aquisições de material de defesa usado e a importância de planejar o ciclo de vida completo de um ativo, incluindo seu descarte seguro e responsável.