Com Maceió registrando a maior valorização do país e Fortaleza se tornando um canteiro de obras de luxo, o mercado imobiliário da região atrai uma corrida de investidores, mas especialistas alertam para os riscos e os impactos sociais.
O litoral nordestino vive uma explosão sem precedentes em seu mercado imobiliário. Uma verdadeira corrida por terrenos e condomínios de luxo transformou a paisagem de capitais como Maceió, João Pessoa e Fortaleza, com uma valorização de preços que muitos já comparam a uma “bolha” como a que ocorreu recentemente na Flórida.
Essa febre é impulsionada por uma combinação de fatores: um forte fluxo de investidores brasileiros e estrangeiros, incentivos do governo e grandes obras de infraestrutura. No entanto, por trás do brilho dos empreendimentos de luxo, crescem as preocupações com a sustentabilidade desse crescimento, os riscos de uma correção de preços e o impacto sobre a população local.
A valorização recorde de Maceió e a transformação de Fortaleza na “Dubai do Nordeste” em 2024
O aquecimento do mercado no litoral nordestino não acontece de forma igual em toda a região. Algumas cidades se destacam como os grandes centros dessa nova corrida imobiliária.
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Maceió (AL): é a cidade com a maior valorização imobiliária do Brasil. O crescimento foi impulsionado por uma demanda extraordinária por moradias, causada pelo deslocamento de 60.000 pessoas devido ao desastre geológico da Braskem, e pelo forte apelo turístico da região.
João Pessoa (PB): a capital paraibana se destaca pela alta qualidade de vida. Com um aumento de 15,26% na população no último censo, a cidade viu os preços dos imóveis subirem 22,30% entre janeiro de 2021 e junho de 2023.
Fortaleza (CE): virou o epicentro do mercado de altíssimo luxo, sendo apelidada de “Dubai do Nordeste”. Em 2024, a cidade registrou R$ 8,51 bilhões em transações imobiliárias, com projetos de luxo que chegam a ter um Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 600 milhões.
Em contraste, cidades como Recife (PE), apesar do potencial, ficaram para trás devido a leis que dificultam a construção de grandes empreendimentos.
Quem está comprando: o capital do Sudeste e os estrangeiros atraídos pelo “Visto de Investidor” com desconto de R$ 300 mil
A alta demanda que inflaciona os preços no litoral nordestino vem de duas fontes principais. A primeira é o capital de brasileiros de alta renda, principalmente das regiões Sul e Sudeste, que buscam uma segunda residência para lazer e um investimento seguro para se proteger da inflação.
A segunda fonte é um crescente número de investidores estrangeiros, principalmente europeus. Um fator decisivo para atrair esse capital é o “Visto de Investidor”, que concede autorização de residência no Brasil.
A lei brasileira oferece um grande incentivo: enquanto o valor mínimo de investimento em imóveis é de R$ 1 milhão na maior parte do país, para o Norte e Nordeste, esse valor cai para R$ 700.000, um desconto de R$ 300 mil que direciona o fluxo de dinheiro para a região. Em 2024, imigrantes investiram R$ 283 milhões em imóveis no Brasil.
Os bilhões em infraestrutura e o programa PRODETUR que prepararam o terreno para o mercado
O boom imobiliário não seria possível sem a forte atuação do poder público. Programas federais, como o PRODETUR-NE (Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste), financiaram por anos obras de infraestrutura como estradas e saneamento, valorizando as terras da costa, que depois foram aproveitadas pelo capital privado.
Os governos estaduais também investiram pesado. Em Pernambuco, por exemplo, o investimento em estradas em 2024 foi de R$ 670,2 milhões, um aumento de 207% em relação a 2022. No Ceará, o governo registrou um investimento recorde de R$ 830 milhões no primeiro quadrimestre de 2025 para obras de infraestrutura turística.
O paralelo com a Flórida: por que o risco no litoral nordestino não é de crédito, mas de uma bolha de preços
A comparação com a recente crise imobiliária na Flórida ajuda a entender os riscos. Lá, uma queda de 23% nas vendas em Miami em abril de 2025 e um aumento de 43% no estoque de imóveis mostraram como a euforia pode virar crise.
No entanto, há uma diferença crucial: o mercado brasileiro tem um sistema de crédito muito mais rigoroso e menos alavancado. Isso torna um colapso financeiro generalizado, como o da crise do subprime de 2008, muito improvável no Brasil.
O risco no litoral nordestino não é de uma “bolha de crédito”, mas sim de “bolhas de preço” localizadas. Ou seja, em cidades específicas, os preços podem ter subido tanto que uma correção se torne inevitável, afetando o patrimônio de quem investiu no pico.
A gentrificação e os impactos ambientais do crescimento acelerado
Por trás do brilho dos condomínios de luxo, existe um custo social e ambiental. O modelo de desenvolvimento atual gera um processo de gentrificação, onde o aumento do custo de vida expulsa a população local de baixa renda para áreas mais periféricas. Um estudo de caso no Centro Antigo de Salvador mostrou como a valorização imobiliária levou à expulsão sistemática de milhares de moradores.
O meio ambiente também sofre. A construção intensiva de resorts e condomínios na faixa de praia pressiona ecossistemas frágeis, como dunas e manguezais.
Muitas vezes, a “sustentabilidade” usada no marketing dos empreendimentos, com selos “verdes” e placas solares, serve apenas como uma fachada que esconde o real impacto ambiental do modelo de ocupação da costa. O paraíso vendido nos folhetos é, em muitos casos, construído sobre a degradação do paraíso real.