Para ocupar e desenvolver a Amazônia, o Brasil apostou em um projeto audacioso: criar um polo industrial de alta tecnologia a 4.000 km do seu principal mercado. Esta é a história de como esse desafio logístico se tornou realidade.
Imagine uma sala limpa, com robôs montando com precisão os circuitos de um smartphone de última geração. Agora, imagine que do lado de fora dessa sala não há uma metrópole de concreto, mas a maior e mais densa floresta tropical do planeta. Este paradoxo não é ficção. É a realidade diária da Zona Franca de Manaus.
Criada em 1967 como uma aposta geopolítica ousada, a Zona Franca se transformou em um complexo polo industrial que desafia a lógica da logística todos os dias. Esta é a história de como e por que o Brasil decidiu construir uma fábrica no meio da selva, e do impressionante sistema que a mantém funcionando, um verdadeiro milagre de planejamento e operação.
Por que construir uma indústria no coração da Amazônia?
Para entender a história da Zona Franca de Manaus, é preciso voltar aos anos 60. No auge da Guerra Fria, o governo militar brasileiro operava sob a doutrina de “integrar para não entregar”. Havia um temor real de que a vasta e pouco habitada região amazônica pudesse ser alvo de cobiça internacional ou de movimentos separatistas. A solução não foi apenas militar, mas econômica.
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O Decreto-Lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967, criou o modelo da Zona Franca com um objetivo claro: estabelecer um polo de desenvolvimento econômico no coração da Amazônia para atrair população, gerar riqueza e garantir a soberania brasileira sobre o território. A indústria era a ferramenta para ocupar o espaço.
O milagre dos incentivos: como atrair as maiores empresas do mundo
Como convencer uma gigante japonesa de eletrônicos ou uma montadora de motocicletas a se instalar em um local sem estradas diretas para os grandes centros e com uma infraestrutura incipiente? A resposta veio na forma de um pacote robusto de incentivos fiscais.
A criação da SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus) foi o marco inicial para administrar esses benefícios, que incluíam isenção ou forte redução de impostos como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). De repente, o desafio logístico de estar em Manaus era compensado por uma vantagem tributária massiva, tornando o negócio viável e atrativo.
Movendo tudo por rios e pelo ar
Este é o coração do milagre de Manaus. Como funciona a Zona Franca de Manaus do ponto de vista operacional? A cadeia de suprimentos é uma das mais complexas do mundo.
A chegada dos insumos: a maioria dos componentes eletrônicos e peças vem da Ásia. Eles cruzam o Oceano Pacífico, atravessam o Canal do Panamá e chegam a portos como o de Santos (SP).
A cabotagem e as balsas: em Santos, os contêineres são transferidos para navios menores (cabotagem) ou para balsas gigantes. Começa então uma longa jornada de semanas, subindo a costa brasileira e adentrando o Rio Amazonas, e depois o Rio Negro, até chegar ao porto de Manaus. É uma demonstração de força da logística na Amazônia.
Transporte aéreo: componentes de alto valor agregado e baixo volume, como microchips, são frequentemente transportados por via aérea para o Aeroporto Internacional de Manaus, para acelerar a produção.
O escoamento da produção: após a fabricação, o caminho inverso é feito. Motos, televisores e aparelhos de ar-condicionado são embarcados em balsas para percorrer o longo caminho fluvial e rodoviário até os centros de distribuição no Sudeste e em todo o Brasil.
É um balé logístico contínuo e caro, que só se sustenta graças aos incentivos fiscais.
De ‘zona de compras’ a gigante industrial: a evolução do modelo
Inicialmente, a Zona Franca era vista por muitos brasileiros apenas como um local para comprar produtos importados mais baratos. Contudo, o modelo amadureceu. As empresas foram obrigadas a estabelecer “Processos Produtivos Básicos”, o que significa que não poderiam apenas montar kits importados (o chamado “kit-móvel”).
Elas tiveram que investir em linhas de produção reais, na fabricação de componentes e na formação de mão de obra local. Assim, o que era um entreposto comercial se transformou no Polo Industrial de Manaus, responsável por quase toda a produção de motocicletas, televisores e condicionadores de ar do Brasil.
O futuro da fábrica na floresta: sustentabilidade e novos desafios
Hoje, o modelo enfrenta novos debates. A pressão por uma reforma tributária no Brasil ameaça seus benefícios, enquanto o mundo exige uma nova postura em relação à Amazônia. O futuro da Zona Franca passa por provar que um polo industrial pode coexistir com a floresta, investindo em bioeconomia, pesquisa e desenvolvimento de tecnologias baseadas na biodiversidade.
O paradoxo da fábrica na floresta continua a ser um dos mais fascinantes capítulos da história industrial brasileira, um testemunho da capacidade de superação e adaptação em um dos ambientes mais desafiadores do planeta.