No meio do deserto de Karakum, no Turcomenistão, uma falha de engenharia soviética criou um dos espetáculos mais impressionantes e assustadores do planeta: a cratera de gás de Darvaza, que queimou sem parar por mais de três décadas
Conhecida como a porta para o inferno, esta imensa cavidade em chamas se tornou a principal atração turística de um dos países mais fechados do mundo. Por décadas, a origem desta cratera de gás foi um enigma atribuído a um acidente soviético em 1971, mas a verdade provou ser ainda mais complexa, transformando um erro de engenharia em um fenômeno global.
Agora, a história deste local icônico passa por duas transformações simultâneas. A ciência, através de satélites, finalmente desvendou o mistério sobre quando o fogo realmente começou. Ao mesmo tempo, o governo do Turcomenistão, após anos de tentativas, implementou uma solução de engenharia para apagar as chamas, sinalizando o fim iminente de uma era para a maravilha acidental que cativou o mundo.
O mito de 1971 vs. a verdade dos satélites
A história mais conhecida conta que, em 1971, geólogos soviéticos perfuraram o local e atingiram uma bolsa de gás. O chão cedeu, engolindo os equipamentos, e, para evitar a propagação do metano — um gás de efeito estufa muito mais potente que o CO2 —, os engenheiros tomaram a decisão drástica de atear fogo, esperando que as chamas se apagassem em poucos dias. Elas não se apagaram.
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No entanto, essa narrativa popular foi desmentida pela ciência. A falta de registros oficiais da era soviética, que estão classificados ou inacessíveis, abriu espaço para a lenda. A verdade veio do espaço: um estudo acadêmico de 2025, usando dados de radiação térmica dos satélites Landsat 4 e 5, conseguiu provar a data exata da ignição. A análise concluiu de forma inequívoca que o fogo na cratera de gás de Darvaza começou entre o final de 1987 e o início de 1988, mais de 15 anos depois do que se acreditava.
A anatomia da cratera de gás de Darvaza
A “Porta para o Inferno” é uma formação geológica notável. Ela tem entre 60 e 70 metros de diâmetro e cerca de 30 metros de profundidade, uma área comparável a um campo de futebol americano. Lá dentro, as temperaturas podem passar de 1.000°C, com o som do gás sendo comparado ao de um motor a jato e chamas que alcançam até 15 metros de altura.
A longevidade do fogo se explica por sua localização. A cratera de gás está sobre a Bacia de Amu-Darya, uma das províncias de gás natural mais ricas do planeta. O Turcomenistão possui a quarta maior reserva de gás do mundo, o que forneceu um suprimento quase infinito de combustível.
Este fenômeno não é único na região. Perto dali, existem outras duas crateras de colapso: a Cratera de Lama, com um lago de lama borbulhante, e a Cratera de Água, com um lago de uma impressionante cor turquesa.
A expedição de George Kourounis em 2013
Em novembro de 2013, o explorador canadense George Kourounis fez história ao se tornar a primeira e única pessoa a descer até o fundo da cratera. Equipado com um traje especial para refletir o calor e um aparelho de respiração, ele descreveu o lugar como um “coliseu de fogo”.
O principal objetivo científico da expedição, patrocinada pela National Geographic, foi alcançado com as amostras de solo coletadas por Kourounis, que revelaram uma descoberta surpreendente: bactérias extremófilas estavam vivendo e prosperando no ambiente quente e rico em metano. Essa descoberta é de grande importância para a astrobiologia, pois prova que a vida pode existir em condições extremas, servindo como modelo para a busca por vida em outros planetas.
O esforço para apagar as chamas e o fim de uma era
Após décadas de queima, o governo do Turcomenistão decidiu apagar o fogo. Em janeiro de 2022, o então presidente Gurbanguly Berdimuhamedov ordenou a criação de um plano, citando a perda de recursos econômicos valiosos e o impacto ambiental.
A solução de engenharia, desenvolvida pela empresa estatal Turkmengaz, foi engenhosa. Em vez de tentar tampar a cratera, eles perfuraram novos poços nas proximidades para interceptar e capturar o gás antes que ele chegasse à superfície. Em meados de 2025, as autoridades anunciaram o sucesso da operação. Análises de satélite independentes confirmaram que a intensidade do fogo foi reduzida drasticamente, um feito que coincidiu com a adesão do país ao Compromisso Global com o Metano.
De erro industrial a ícone nacional e político
Inicialmente um constrangimento da era soviética, a cratera de gás de Darvaza se transformou na principal atração turística do Turcomenistão. O local também serviu como palco político. Em 2018, foi renomeada para “Brilho de Karakum”. Em 2019, o ex-presidente Berdimuhamedov usou a cratera como cenário para um vídeo bizarro, fazendo manobras de carro na beira do abismo para desmentir rumores de sua morte.
Com as chamas quase extintas, o futuro do local é incerto. O que foi um erro de engenharia e se tornou um ícone global está agora desaparecendo. Seu legado, no entanto, permanece como o poderoso testemunho de como uma falha humana se tornou uma maravilha acidental, foi decifrada pela ciência e, por fim, desapareceu, deixando apenas sua incrível história para trás.