Estudo revela que carga tributária sobre a cesta básica supera 20% em alguns estados, com tributos embutidos na produção e logística sendo os grandes vilões do preço final.
Apesar da isenção de alguns impostos federais criar uma percepção de alívio fiscal, a cesta básica no Brasil carrega uma carga tributária oculta que, em muitos casos, representa mais de 20% do preço final pago pelo consumidor. A complexidade do sistema, marcada pela autonomia dos estados na cobrança do ICMS e por uma cascata de tributos “invisíveis”, onera silenciosamente o orçamento das famílias, especialmente as de baixa renda.
Essa realidade, detalhada em um estudo do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) em parceria com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), expõe como tributos sobre combustíveis, energia elétrica, insumos agrícolas e embalagens se acumulam em cada etapa da cadeia produtiva. O resultado é um preço na gôndola que embute um fardo fiscal muito maior do que se imagina, transformando o ato de comprar alimentos essenciais em um desafio financeiro constante.
A ilusão do imposto zero: o que não te contam sobre os tributos federais
A isenção de tributos federais como PIS/COFINS sobre diversos itens da cesta básica, implementada para conter a inflação, funciona mais como uma solução parcial do que como um alívio efetivo. A política cria o que especialistas chamam de “ilusão do imposto zero”, pois a desoneração na ponta não elimina a cobrança de impostos em etapas anteriores da produção, que acabam se transformando em custo e sendo repassados ao consumidor de forma indireta.
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Publicações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstram a ineficiência social dessa abordagem. O benefício fiscal, por ser amplo e não direcionado, acaba favorecendo proporcionalmente mais as famílias de maior poder aquisitivo, que consomem um volume absoluto maior de produtos. Segundo o IPEA, essa característica torna a política regressiva, pois o valor que o governo deixa de arrecadar beneficia menos quem mais precisa, justificando a transição para modelos mais focados, como a devolução de impostos (cashback).
ICMS: o mosaico tributário que muda o preço de estado para estado
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é o principal vilão da complexidade e da desigualdade tributária sobre a cesta básica. Como a competência é estadual, cada unidade da federação define sua própria lista de produtos e suas respectivas alíquotas, criando uma verdadeira “colcha de retalhos” fiscal. Essa autonomia, que deveria atender a realidades regionais, frequentemente gera distorções graves, com a inclusão de produtos ultraprocessados como salsicha e macarrão instantâneo em listas de itens essenciais, recebendo benefícios fiscais indevidos.
A ausência de um padrão nacional, cuja composição e custo são tradicionalmente monitorados pela Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos do DIEESE, fomenta uma “guerra fiscal” prejudicial. Empresas enfrentam um pesadelo logístico e de conformidade para se adaptar a 27 legislações diferentes, um custo operacional que, inevitavelmente, é repassado ao preço final. Um item pode ter alíquota de 7% em um estado e ser isento em outro, distorcendo a competitividade e a eficiência do mercado nacional de alimentos.
A carga oculta: os impostos ‘invisíveis’ da fazenda à gôndola
O verdadeiro peso fiscal sobre a cesta básica está nos tributos que o consumidor não vê. O já mencionado estudo do IDV em parceria com o IBPT foi crucial para quantificar essa carga oculta. A análise mapeou toda a cadeia de valor e demonstrou que o ônus é cumulativo: começa com o ICMS sobre a energia elétrica usada na irrigação da lavoura, passa pelo PIS/COFINS e ICMS sobre o diesel que abastece os caminhões e chega aos impostos sobre as embalagens que protegem o alimento.
Essa sucessão de cobranças cria um efeito cascata, onde se paga imposto sobre imposto. A indústria que compra a matéria-prima já paga por um produto cujo preço foi inflado pelos tributos da fase agrícola e do transporte. Ao processar o alimento, ela adiciona novos custos tributários (energia, mão de obra, embalagens) antes de vendê-lo ao varejista. No final, o supermercado aplica sua margem sobre um custo que já absorveu toda essa carga tributária acumulada. É essa soma de tributos “invisíveis” que eleva o preço final muito além do imposto destacado na nota fiscal.
Reforma Tributária: a promessa de uma nova cesta básica nacional
Aprovada em 2024, a Reforma Tributária surge como uma tentativa de solucionar esse problema estrutural. A proposta extingue cinco impostos (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) e os substitui por um IVA dual (CBS e IBS). O ponto central para os alimentos é a criação de uma Cesta Básica Nacional unificada, com alíquota zero em todo o país. A nova lista, a ser definida em lei complementar, deverá priorizar alimentos saudáveis e nutricionalmente adequados, corrigindo as distorções atuais.
Apesar de promissora, a mudança enfrenta desafios. O principal deles, apontado por especialistas, é garantir que a redução de impostos seja integralmente repassada ao consumidor e não absorvida como margem de lucro pelas empresas. Além disso, a definição dos produtos que entrarão na lista será uma intensa batalha política, pois cada isenção precisa ser compensada por uma alíquota maior sobre os demais bens e serviços. A eficácia da reforma dependerá, portanto, da capacidade do governo de regular o mercado e de criar mecanismos, como o cashback, para proteger diretamente a população mais vulnerável.
Acreditar que a simples isenção de impostos na gôndola resolverá o problema do preço dos alimentos é uma visão incompleta. A verdadeira batalha está nos tributos ocultos em toda a cadeia de produção.
Você concorda com essa mudança? Acha que isso impacta o mercado? Deixe sua opinião nos comentários, queremos ouvir quem vive isso na prática.