Por anos, o Abismo Guy Collet, no Amazonas, foi considerado a caverna mais profunda do Brasil. No entanto, uma expedição em 2015 revelou a verdade e devolveu o título a uma gruta em Minas Gerais.
Durante quase uma década, a resposta para qual era a caverna mais profunda do Brasil apontava para um local remoto e de difícil acesso na Serra do Aracá, no Amazonas: o Abismo Guy Collet. A descoberta, anunciada com grande entusiasmo, parecia reescrever os livros de recordes da espeleologia. Contudo, a ciência é um processo de constante verificação, e uma nova expedição rigorosa mudou essa história, revelando uma realidade diferente e restabelecendo uma caverna em Minas Gerais como a verdadeira detentora do título.
A história do Abismo Guy Collet é um exemplo fascinante de como uma alegação científica extraordinária foi testada e corrigida, mostrando o método científico em ação nas profundezas da Terra.
A descoberta de 2006 que colocou o Amazonas no mapa da espeleologia
Em uma expedição realizada entre julho e agosto de 2006, uma parceria entre a ONG italiana Akakor Geographical Exploring e pesquisadores ligados à Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) anunciou uma descoberta monumental. Na Serra do Aracá, eles exploraram uma cavidade predominantemente vertical e a batizaram de Abismo Guy Collet, em homenagem a um importante espeleólogo franco-brasileiro.
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A equipe reportou que a caverna atingia uma profundidade de aproximadamente 671 metros. O número não apenas a tornava a caverna mais profunda do Brasil e da América do Sul, mas também a mais profunda do mundo formada em rocha quartzítica, um tipo de formação extremamente dura e rara para o desenvolvimento de cavernas. A descoberta foi registrada no Cadastro Nacional de Cavernas e se tornou a verdade oficial por anos.
A expedição de 2015, a verificação que corrigiu o recorde
Uma alegação tão extraordinária exigia uma verificação independente. Essa tarefa foi assumida em julho de 2015 por uma expedição conjunta de dois dos grupos de exploração mais respeitados do mundo: o Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas (GBPE), do Brasil, e a associação italiana La Venta Esplorazioni Geografiche.
O objetivo era claro: localizar e refazer a topografia do Abismo Guy Collet com os métodos mais precisos. Após dias de exploração na área, a equipe chegou a uma conclusão definitiva e surpreendente. A profundidade máxima que conseguiram medir na caverna não ultrapassava os 150 metros, uma discrepância de mais de 500 metros em relação à alegação original.
Como o Congresso de 2019 oficializou a mudança
O processo científico não termina no campo. Os resultados da expedição de 2015 foram formalmente apresentados à comunidade espeleológica durante o 35º Congresso Brasileiro de Espeleologia, realizado em Bonito (MS) em junho de 2019.
A apresentação dos novos dados, que refutavam a profundidade de -671 metros, serviu como o ato oficial de correção científica. O consenso da comunidade mudou para aceitar a medição mais recente e rigorosa, “rebaixando” o Abismo Guy Collet e, consequentemente, redefinindo qual era a caverna mais profunda do Brasil.
A verdadeira caverna mais profunda do Brasil
Com a correção do registro, o título de caverna mais profunda do Brasil retornou para a Gruta do Centenário, localizada no Pico do Inficionado, na Serra do Caraça, em Minas Gerais. Diferente do Abismo Guy Collet, sua profundidade é sustentada por uma longa história de exploração.
Entre 1996 e 1998, o Grupo Bambuí realizou um mapeamento sistemático da caverna, confirmando sua profundidade em -481 metros. Assim como o abismo amazônico, a Gruta do Centenário também é formada em rocha quartzítica, o que a torna a detentora confirmada do recorde mundial para este tipo de caverna.
O ambiente único do Abismo Guy Collet
Apesar de não ser a mais profunda, a importância do Abismo Guy Collet não diminuiu. Sua localização na Serra do Aracá, um tipo de montanha de topo plano conhecida como tepui, e sua formação em quartzito, a tornam um local de extremo interesse geológico.
A dificuldade de acesso à região, que exige dias de viagem por rios e pela floresta, foi um dos motivos pelos quais a alegação inicial demorou tanto para ser verificada. A história da caverna serve hoje como um exemplo da importância da verificação e da reprodutibilidade dos dados no avanço da ciência.