Decisão das montadoras instaladas no Brasil desafia incentivos à importação de veículos chineses, reacendendo debate sobre empregos, desenvolvimento industrial e equilíbrio do setor automotivo nacional.
A decisão da Volkswagen de manter e ampliar sua produção no Brasil marca um ponto crucial no debate sobre a competitividade e sustentabilidade da indústria automotiva nacional.
A escolha da montadora alemã, alinhada à postura de outras gigantes do setor como Toyota e General Motors (GM), reflete uma preocupação crescente com os rumos do setor diante do avanço das importações chinesas e dos incentivos concedidos à BYD, empresa asiática que busca maior espaço no mercado brasileiro por meio da importação de veículos elétricos.
As informações foram detalhadas em reportagem publicada originalmente pelo site Brazil Journal.
-
Weg aposta R$ 160 milhões no ES. O que está por trás desse investimento milionário?
-
Entrou em vigor nesse mês: Estado aprova salário mínimo regional até R$ 2.267, um dos maiores do Brasil
-
Férias antecipadas podem virar dor de cabeça se você ignorar essa regra da CLT
-
Governo do ES lança licitação para mega obra de R$ 228 milhões na Serra
Redução de tarifas e reação das montadoras
No final de julho de 2025, o Governo Federal optou por não acatar integralmente o pedido da BYD para redução das tarifas de importação de veículos ‘semidesmontados’ (SKD) e totalmente montados (CBU).
Entretanto, estabeleceu uma cota temporária que permite a entrada desses veículos com alíquota zero, em uma tentativa de equilibrar interesses industriais e de consumidores.
A medida, mesmo provisória, desencadeou uma reação das maiores fabricantes instaladas no país, que temem impactos diretos na cadeia produtiva nacional.
Em carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os presidentes das principais montadoras alertaram que “importar veículos em larga escala compromete a sobrevivência de uma indústria baseada em mais de 3.000 componentes e responsável por milhares de empregos”, segundo apuração do Brazil Journal.
Ciro Possobom, CEO da Volkswagen do Brasil, afirmou que “beneficiar tão somente a montagem de veículos importados no Brasil e com peças importadas destrói a cadeia de produção”.
O executivo destacou ainda que o grupo poderia seguir outro caminho. “O grupo Volkswagen tem 39 fábricas na China. Poderíamos trazer carros de fora e vender no Brasil, gerando riqueza apenas financeira, mas queremos continuar construindo também para o País, isso é realmente importante”, declarou Possobom em entrevista ao Brazil Journal.
Ele explicou que o impacto vai além da simples venda de automóveis. “Não podemos ser ingênuos e achar que a relação do veículo com a família brasileira é só a compra e venda do carro. Um automóvel é composto, em média, por mais de 3.000 componentes que, no caso da produção local, são desenvolvidos aqui, gerando riqueza aqui”, completou.
Impacto econômico e cadeia produtiva
De acordo com Possobom, ao priorizar a produção local, a Volkswagen movimenta anualmente cifras bilionárias na economia brasileira.
“Só em 2025, vamos comprar R$ 26,3 bilhões em peças automotivas, dinheiro que movimenta o Brasil, desenvolve soluções e coloca o pão na mesa do trabalhador”, informou o executivo ao Brazil Journal.
O índice de nacionalização dos veículos chega a 85%, como ocorre com o novo Volkswagen Tera, lançado recentemente e desenvolvido integralmente no país.
O modelo gerou, segundo dados da empresa, 260 empregos diretos na fábrica de Taubaté (SP) e cerca de 2.600 empregos indiretos em sua cadeia de fornecedores.
Para as montadoras, conforme ressaltado pelo Brazil Journal, o incentivo à importação pode esvaziar o setor de autopeças e comprometer a sustentabilidade da indústria automotiva nacional, um segmento responsável por mais de 1,2 milhão de empregos diretos e indiretos, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
A produção local demanda uma complexa rede de fornecedores, movimentando desde pequenas empresas até grandes multinacionais, além de sustentar programas de pesquisa, inovação e qualificação profissional.
Previsibilidade e investimentos industriais
A Volkswagen, que mantém 39 fábricas na China, poderia simplesmente importar veículos para o Brasil, como fazem concorrentes, mas opta por investir no desenvolvimento local.
“Queremos proteger o desenvolvimento brasileiro, a mão de obra brasileira, a pesquisa e a tecnologia brasileira”, afirmou Possobom ao Brazil Journal.
O CEO ainda reforçou que a concorrência é bem-vinda, desde que existam regras iguais para todos.
“Recebemos de braços abertos a concorrência, desde que o cenário seja isonômico e previsível. Venham produzir no Brasil, gerem riqueza e empregos aqui, abastecendo não só a garagem mas também a riqueza e a cultura dos brasileiros”, defendeu.
A preocupação central, compartilhada por Toyota, GM e outros fabricantes, é a necessidade de previsibilidade e isonomia nas regras do setor.
Investimentos de longo prazo, como os R$ 20 bilhões que a Volkswagen destina à América do Sul até 2028 (sendo R$ 16 bilhões só para o Brasil), dependem, segundo as montadoras, de um ambiente regulatório estável e competitivo.
A eventual redução das tarifas de importação, alertam executivos do setor ouvidos pelo Brazil Journal, poderia desestimular novos investimentos e colocar em risco planos de expansão e modernização das fábricas nacionais.
Segundo Possobom, “fica difícil explicar para a matriz, talvez impossível, que as regras mudaram com o jogo em andamento, ou que existam injustificáveis suportes para aqueles que não produzem e que, de alguma maneira, o mercado beneficia aqueles que só querem vender”.
O raciocínio, defendido nas conversas com o governo, é que benefícios concedidos exclusivamente a importadores favorecem estratégias que geram riqueza apenas financeira, sem contribuir para o fortalecimento da indústria, da tecnologia e da geração de empregos no país.
Indústria automotiva brasileira e desafios globais
A discussão sobre tarifas ganhou ainda mais relevância em um cenário internacional marcado pela superprodução chinesa e pela intensificação das guerras comerciais entre grandes blocos econômicos.
Diversos países, especialmente na Europa e América do Norte, vêm adotando medidas de proteção à sua indústria automotiva diante da expansão das exportações chinesas, principalmente de veículos elétricos.
No Brasil, o debate é permeado por questões econômicas, sociais e estratégicas: proteger a produção nacional e gerar empregos, ou ampliar o acesso a novas tecnologias a preços mais competitivos para os consumidores?
Para o setor automotivo, a resposta passa pelo fortalecimento da cadeia produtiva interna, garantindo oportunidades de inovação, desenvolvimento tecnológico e inclusão social.
“A questão é fomentar a região, gerar um futuro melhor para nós brasileiros. A Volkswagen aqui na América do Sul é responsável por 11% do volume total de carros produzidos pela empresa no mundo, e o Brasil é nosso terceiro maior mercado global em volume de vendas”, pontuou Possobom ao Brazil Journal.
A Volkswagen, presente no país há 72 anos, ressalta que o Brasil representa o terceiro maior mercado global da companhia, responsável por 11% do volume total de produção mundial do grupo.
Concorrência, empregos e futuro do setor automotivo nacional
A indústria automotiva brasileira, historicamente marcada por altos índices de nacionalização, enfrenta o desafio de se adaptar à transição para veículos elétricos e à concorrência internacional.
A entrada de novos players, como a BYD, amplia a oferta de modelos e pressiona a indústria nacional a acelerar sua modernização.
No entanto, o risco apontado pelas montadoras é de que a abertura desregulada comprometa não apenas empregos, mas também a capacidade de o país inovar e desenvolver tecnologia própria.
Em um cenário cada vez mais competitivo e globalizado, a pergunta permanece: qual o melhor caminho para equilibrar o acesso a novas tecnologias, a preservação de empregos e o fortalecimento da indústria nacional? A discussão segue aberta e é central para o futuro da economia brasileira.