Reservas estratégicas de urânio permanecem intocadas no Brasil, enquanto projetos de mineração com potencial bilionário seguem aguardando investimentos e avanços regulatórios. Setor nuclear vê oportunidades para energia limpa e independência nacional.
O Brasil ocupa uma posição de destaque no cenário global ao deter a sexta maior reserva de urânio do mundo, um recurso estratégico essencial para a produção de energia nuclear e para a transição energética rumo a fontes menos poluentes.
Apesar desse potencial, minas já mapeadas e catalogadas há décadas seguem inexploradas, enquanto o monopólio estatal mantém sob controle todo o ciclo do urânio, elemento cada vez mais cobiçado internacionalmente diante do crescimento das demandas por energia limpa e sustentável.
Esses depósitos de urânio, conhecidos como “minas esquecidas”, localizam-se nos estados do Paraná, Goiás, Paraíba e Ceará.
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Em muitos desses locais, o urânio está associado a outros minérios valiosos, como ouro, cobre, diamantes e terras raras.
Mesmo diante desse cenário promissor, os investimentos públicos e privados para o desenvolvimento dessas áreas têm sido insuficientes, perpetuando o potencial bilionário ainda inexplorado.
A Indústrias Nucleares do Brasil (INB), empresa responsável pela gestão do urânio nacional, anunciou que pretende lançar, no segundo semestre de 2025, editais para parcerias na exploração e separação desses metais.
O urânio continuará sob responsabilidade exclusiva da estatal, como exige a legislação brasileira.
Entre as jazidas prioritárias estão Figueira (PR), Espinhara (PB), Amorinópolis (GO), Rio Preto (GO) e o projeto estratégico de Itataia, em Santa Quitéria (CE).
Oportunidades para o setor nuclear brasileiro
Segundo a Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), o Brasil reúne as condições essenciais para conquistar parte relevante do mercado global de urânio, em um contexto no qual diversos países revisam suas políticas energéticas e reavaliam o uso da energia nuclear.
“O país possui reservas, conhecimento técnico e capacidade de produção de combustível nuclear”, afirma o presidente da Abdan, Celso Cunha.
Ele destaca ainda que, enquanto nações como a China dominam a tecnologia, poucas dispõem do recurso mineral em abundância, o que amplia o interesse internacional pelo urânio brasileiro.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, chegou a comparar o mapa das jazidas nacionais ao pré-sal do petróleo, em referência à dimensão e ao potencial econômico desses projetos tanto para o abastecimento interno quanto para a exportação.
O mercado global acompanha de perto os próximos passos do setor, diante do apetite crescente por fontes energéticas alternativas e de menor impacto ambiental.
Editais aguardados e entraves regulatórios
Apesar das expectativas, o avanço das parcerias depende do lançamento dos editais de exploração, que seguem aguardados desde janeiro de 2023, início da atual gestão federal.
A INB confirmou que Figueira, Espinhara, Amorinópolis e Rio Preto integram o programa Pró-Urânio, que prevê a participação da iniciativa privada para a exploração em conjunto com a estatal.
O projeto de Itataia, no Ceará, é considerado prioritário, com início das operações previsto até 2029, segundo a própria empresa.
A mina de Itataia, localizada em Santa Quitéria, destaca-se não apenas pelo volume de urânio, mas também pela quantidade de fosfato, um insumo fundamental para a produção de fertilizantes.
Atualmente, cerca de 87% da demanda nacional por fertilizantes fosfatados é atendida por importações, o que eleva a importância estratégica do projeto para o Brasil.
A responsável pela extração de fosfato será a Galvani Fertilizantes, que deverá produzir anualmente 1 milhão de toneladas de fertilizantes e 220 mil toneladas de fosfato bicálcico para nutrição animal.
O urânio, por sua vez, será direcionado prioritariamente às usinas nucleares de Angra dos Reis, podendo ainda abastecer o mercado internacional diante do excedente previsto.
Mudanças na legislação e expectativa por avanços
Uma alteração significativa ocorreu ao final de 2022, quando a legislação brasileira passou a permitir a participação da iniciativa privada na pesquisa e lavra de minérios nucleares, anteriormente restrita ao Estado.
A mudança, sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro, representa um marco para a abertura do setor à cooperação com empresas especializadas, embora o controle do urânio extraído permaneça com a União.
De acordo com Celso Cunha, “não faz sentido o governo atuar diretamente na extração, que é atividade típica da iniciativa privada”.
Mesmo com a nova legislação, a operacionalização das parcerias ainda não se concretizou.
O setor nuclear aguarda desde 2023 a publicação dos editais para formalizar a participação das empresas privadas nos projetos, com expectativa de avanços ainda em 2025.
Segundo fontes do segmento, o “pré-sal” de urânio nacional permanece como promessa à espera de destravamento burocrático e ambiental.
Energia nuclear e novos usos para o urânio brasileiro
A demanda mundial por urânio cresce impulsionada principalmente pelos pequenos reatores nucleares, tecnologia que se dissemina em diversos países para apoiar a descarbonização da indústria e garantir o fornecimento contínuo de energia, inclusive para centros de dados.
A energia nuclear, considerada uma das poucas alternativas térmicas realmente limpas, oferece estabilidade ao sistema elétrico e reduz a dependência de fontes intermitentes como eólica e solar.
Dados da Abdan apontam que mais de US$ 75 bilhões em projetos energéticos estão parados no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), à espera de licenças ambientais — entre eles o empreendimento inédito em Santa Quitéria.
Uma vez em operação, o projeto cearense poderá abastecer integralmente as usinas de Angra 1, 2 e 3, além de gerar excedente para exportação.
As reservas de urânio já catalogadas no Brasil garantiriam o abastecimento interno por pelo menos dois séculos, conforme estimativa do setor.
O avanço da energia nuclear pode ainda gerar benefícios transversais, como a produção de hidrogênio, a dessalinização de água e a descarbonização de outras atividades, especialmente na mineração, ainda fortemente dependente de geradores a diesel.
Além disso, a indústria nuclear possui interface direta com a medicina, fornecendo radioisótopos fundamentais para o diagnóstico e tratamento de câncer.
Itataia: uma jazida estratégica para o futuro nacional
Após mais de dez anos de pesquisas, a Galvani Fertilizantes desenvolveu tecnologia inédita no Brasil para separar fosfato e urânio presentes em Itataia, onde 99,8% do volume corresponde a fosfato e 0,2% ao urânio.
O empreendimento pode reduzir a dependência brasileira de fertilizantes importados e atender 25% do mercado nacional de fertilizantes fosfatados e metade da demanda por fosfato bicálcico nas regiões Norte e Nordeste.
O urânio extraído será enriquecido pela INB de seu grau natural para 4,5%, padrão internacional utilizado em reatores nucleares.
Apesar do enorme potencial, desafios permanecem.
O licenciamento ambiental, a necessidade de investimentos robustos e o ritmo dos trâmites burocráticos limitam a transformação do “pré-sal” de urânio em realidade.
O tema volta ao centro do debate nacional diante da busca por segurança energética, autossuficiência e novas oportunidades econômicas para o Brasil.