União Europeia exige rastreabilidade total para soja, café, carne e mais 4 produtos do Brasil. Exportações bilionárias só entram no bloco a partir de 2024.
A União Europeia deu um passo histórico na regulação do comércio internacional. A partir de 30 de dezembro de 2024, entra em vigor a EUDR (European Union Deforestation Regulation), uma lei que muda as regras para importação de sete produtos estratégicos: soja, café, carne bovina, cacau, madeira, borracha e óleo de palma.
O Brasil, que está entre os maiores exportadores mundiais de todos esses itens, será um dos países mais impactados. A exigência é clara: para acessar o mercado europeu, exportadores terão de apresentar prova de rastreabilidade completa da cadeia de produção e comprovar que a mercadoria não vem de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020.
Essa decisão coloca em risco bilhões de dólares em exportações brasileiras, já que a União Europeia figura entre os principais compradores desses produtos.
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Soja: a joia do comércio agrícola brasileiro
O Brasil é o maior exportador de soja do mundo, com mais de 100 milhões de toneladas embarcadas em 2024, gerando receitas acima de US$ 50 bilhões. Grande parte vai para a China, mas a União Europeia também é um mercado relevante, especialmente para farelo de soja usado na ração animal.
Com a nova lei, cada carga precisará ser rastreada até a propriedade rural de origem, com dados georreferenciados. Para especialistas, essa exigência pressiona pequenos e médios produtores, que terão de investir em tecnologia para manter acesso ao mercado europeu.
Café: tradição brasileira na linha de fogo
O Brasil é o maior produtor e exportador de café do planeta, responsável por mais de 30% da oferta mundial. Só em 2024, as exportações superaram US$ 8 bilhões, com a União Europeia entre os principais destinos.
A EUDR exige que cada lote de café exportado tenha comprovação de origem e não esteja ligado a áreas de desmatamento. A rastreabilidade será um desafio especialmente para pequenos produtores de regiões tradicionais, como Minas Gerais e Espírito Santo, que dependem de cooperativas para escoar a produção.
Carne bovina: exigência até o pasto de origem
A carne bovina brasileira também está na mira da EUDR. O Brasil é o líder mundial em exportações, com mais de 2 milhões de toneladas embarcadas em 2024. Embora a China seja o maior destino, a União Europeia continua sendo um mercado premium, importante para cortes de alto valor agregado.
A nova lei exigirá que frigoríficos rastreiem o gado até a fazenda de nascimento, algo que pode expor gargalos em cadeias indiretas, onde há dificuldade de monitorar fornecedores menores. Para o setor, o risco é perder contratos estratégicos se não houver adaptação rápida.
Cacau: impacto sobre um mercado em expansão
O Brasil não é o líder mundial em cacau (papel que cabe à Costa do Marfim e a Gana), mas figura entre os 10 maiores produtores e exporta para mercados como Espanha, Holanda e Alemanha, grandes centros industriais do chocolate.
A rastreabilidade integral também se aplicará ao cacau brasileiro, exigindo comprovação de que não houve desmatamento em áreas de produção, especialmente no sul da Bahia e no Pará, duas regiões em expansão da lavoura.
Madeira e celulose: setor florestal na linha de frente
O Brasil é um dos maiores exportadores de celulose do mundo, com forte presença na União Europeia e na China. Em 2024, as exportações de celulose e madeira movimentaram mais de US$ 15 bilhões.
A exigência europeia inclui madeira serrada e produtos derivados. Cada carga terá de vir acompanhada de provas de origem legal e sustentável. Grandes players já possuem sistemas avançados de rastreabilidade, mas pequenos produtores correm risco de exclusão do mercado.
Borracha natural: pressão sobre um setor menor, mas estratégico
Embora a Ásia domine o mercado de borracha, o Brasil exporta volumes regulares para a União Europeia, usados principalmente pela indústria automotiva.
O setor, que já enfrenta baixa competitividade frente aos asiáticos, terá mais um desafio: cumprir exigências de rastreabilidade que podem elevar custos e reduzir margens.
Óleo de palma: produção concentrada no Pará sob vigilância
O Brasil não é um gigante global do óleo de palma, mas a produção concentrada no Pará abastece nichos de mercado e exporta parte para a Europa. Como o óleo de palma é um dos principais alvos da EUDR, o setor terá de comprovar que não houve expansão em áreas desmatadas após 2020, algo que exige monitoramento por satélite e certificações caras.
Especialistas avaliam os riscos
Para o economista agrícola Marcos Jank, “a EUDR cria uma barreira técnica disfarçada de ambiental, que pode prejudicar países exportadores, mesmo aqueles que já têm sistemas robustos de monitoramento”.
Já a advogada de comércio internacional Tatiana Prazeres destaca:
“A rastreabilidade exigida pela União Europeia é viável para grandes empresas, mas representa um desafio enorme para pequenos e médios produtores, que correm o risco de serem excluídos do comércio internacional.”
O Brasil diante de um dilema
A União Europeia responde por uma fatia significativa das exportações brasileiras de commodities agrícolas. Se não houver adaptação às novas regras, o país pode perder bilhões em receita anual e abrir espaço para concorrentes globais.
Por outro lado, especialistas apontam que a rastreabilidade pode impulsionar avanços tecnológicos no campo, estimular maior transparência e valorizar o produto brasileiro em mercados premium.
O dilema é claro: adaptar-se rapidamente ou correr o risco de perder um dos maiores mercados consumidores do mundo.
Um divisor de águas para o comércio exterior brasileiro
A entrada em vigor da EUDR marca um divisor de águas no comércio internacional. O Brasil, que construiu sua força como gigante agrícola e florestal, terá de provar com dados e tecnologia que sua produção não está ligada ao desmatamento.
Com soja, café, carne, cacau, madeira, borracha e óleo de palma sob escrutínio, o país enfrenta um desafio inédito: adaptar toda a sua cadeia produtiva às exigências da União Europeia em menos de um ano.
Se conseguir, pode se consolidar como fornecedor confiável em um mercado cada vez mais exigente. Se falhar, corre o risco de ver exportações bilionárias bloqueadas e concorrentes ocupando o espaço deixado para trás.