UE – União Europeia endurece regras ambientais para carne bovina e soja em 2025, e Brasil corre risco de perder bilhões em exportações sem rastreabilidade total.
A entrada em vigor do regulamento europeu contra o desmatamento (EUDR, na sigla em inglês), marcada para dezembro de 2025, está mexendo com os bastidores do agronegócio brasileiro. A norma, que obriga empresas a provarem que seus produtos não vêm de áreas desmatadas após 2020, atinge diretamente commodities como carne bovina, soja, cacau, café, borracha e madeira. Para o Brasil, maior exportador de carne bovina do mundo, o impacto pode ser profundo: a União Europeia é um dos destinos mais relevantes da proteína nacional, responsável por cerca de 8% do faturamento total do setor em 2024. O problema é que, se os frigoríficos e fazendas não conseguirem comprovar rastreabilidade total da cadeia produtiva, embarques inteiros poderão ser barrados.
O que muda a partir de 2025 no mercado de carne e soja brasileiro
O regulamento europeu exige que cada lote exportado venha acompanhado de um “dever de diligência”: dados de geolocalização das áreas de produção, relatórios de conformidade ambiental e comprovação de que não houve desmatamento, legal ou ilegal, após dezembro de 2020.
Caso as informações não sejam fornecidas ou apresentem falhas, as autoridades portuárias da União Europeia têm respaldo legal para impedir a entrada das cargas.
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Embora a medida valha para todos os países, o Brasil figura no centro do debate. Por ser o maior fornecedor de soja e um dos principais de carne bovina, está diretamente exposto.
Segundo estimativas da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC), somente no setor bovino as exportações para a União Europeia superaram US$ 1,5 bilhão em 2024. Uma eventual paralisação, mesmo parcial, representaria risco bilionário.
A reação do agronegócio brasileiro
Produtores e frigoríficos argumentam que o Brasil já dispõe de sistemas robustos de monitoramento, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Sistema de Monitoramento do Desmatamento do INPE.
No entanto, o elo mais frágil da cadeia está nos pequenos fornecedores, responsáveis por parte significativa do gado abatido. Muitas vezes, esses produtores não possuem registro atualizado ou acesso a tecnologia para comprovar a origem da produção, o que pode gerar gargalos.
Entidades do setor criticam a medida, classificando-a como barreira não-tarifária disfarçada de política ambiental. “O Brasil tem condições de produzir carne e soja de forma sustentável. O que não podemos aceitar é a imposição de regras que desconsideram a legislação nacional e criam custos adicionais sem diálogo adequado”, afirmou recentemente o presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
A visão da União Europeia
Para Bruxelas, a regra é uma forma de alinhar consumo e sustentabilidade. A narrativa oficial é clara: ao exigir rastreabilidade, a UE pretende reduzir a pegada de desmatamento global associada ao seu mercado interno.
Autoridades europeias reforçam que a medida não tem caráter protecionista, mas ambiental. Ainda assim, países como Brasil e Indonésia acusam o bloco de unilateralismo e já ameaçaram recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a norma.
Impacto potencial nas exportações brasileiras
Segundo estudo do Insper Agro Global, até 40% dos embarques de carne bovina e soja brasileiros destinados à União Europeia correm risco de bloqueio, caso os produtores não consigam se adequar plenamente às exigências. Isso equivaleria a mais de US$ 3 bilhões em exportações anuais comprometidas.
Os efeitos indiretos também preocupam: países que importam carne e soja brasileiras podem adotar regras semelhantes, criando um efeito cascata. Além disso, grandes multinacionais do setor alimentício já sinalizaram que vão exigir dos fornecedores globais a mesma rastreabilidade prevista pela União Europeia, o que pode tornar o padrão obrigatório de fato, mesmo fora da UE.
O desafio da rastreabilidade total
O Brasil tem avançado em iniciativas de rastreabilidade. Grandes frigoríficos, como JBS e Marfrig, já anunciaram sistemas para monitorar toda a cadeia de fornecedores diretos e indiretos.
A meta é garantir que nenhum animal abatido venha de áreas desmatadas após 2020. Ainda assim, implementar o controle em escala nacional exige integração de bases de dados públicas, tecnologia de satélite e cooperação entre governo e setor privado.
Uma das propostas em debate é a criação de uma plataforma unificada que cruze informações do CAR, do sistema de transporte animal (GTA) e imagens de satélite. O Ministério da Agricultura estuda formas de financiar a adesão dos pequenos produtores a esses sistemas, evitando que fiquem de fora do mercado internacional.
Geopolítica da carne: Brasil no centro da disputa
A imposição da EUDR não ocorre no vácuo. Há um pano de fundo geopolítico importante. A União Europeia busca reforçar sua posição como líder em regulação ambiental global, exportando padrões que acabam moldando cadeias produtivas em outros continentes.
Para os Estados Unidos, o movimento europeu pode abrir espaço para aumentar sua participação no mercado de carne, caso o Brasil enfrente dificuldades de adaptação.
Por outro lado, a China — maior comprador da carne brasileira — ainda não sinalizou medidas semelhantes, mas acompanha de perto o debate. Se Pequim decidir adotar regras similares, o impacto sobre o agronegócio brasileiro seria ainda maior, já que cerca de 60% das exportações de carne bovina têm a China como destino.
O que esperar para os próximos meses
Até dezembro de 2025, o Brasil terá de provar que está apto a cumprir as exigências. O setor privado corre contra o tempo para ajustar sistemas, enquanto o governo negocia com a União Europeia flexibilizações, como prazos mais longos e aceitação de certificações nacionais.
O risco, no entanto, é que a pressão ambiental se some a disputas comerciais em outros setores, como aço e biocombustíveis, criando um ambiente mais hostil para as exportações brasileiras. Caso não haja adaptação rápida, o país pode perder espaço para concorrentes como Austrália e Argentina.
O EUDR coloca o Brasil diante de um dilema: acelerar a transição para uma produção 100% rastreável ou correr o risco de perder mercados estratégicos.
O desafio é técnico, político e econômico. A pressão europeia expõe fragilidades, mas também pode ser o catalisador de uma transformação no agronegócio brasileiro rumo a práticas mais transparentes e sustentáveis.
Resta saber se o país conseguirá transformar a ameaça em oportunidade — ou se verá bilhões de dólares em exportações bloqueados nos portos da União Europeia.