Pesquisadores chineses lançam vaca morta a mais de 1.600 metros de profundidade e identificam tubarões raros se alimentando em revezamento disciplinado.
Em outubro de 2023, uma equipe da Ocean-Land-Atmosphere Research realizou um experimento inusitado nas profundezas do Mar da China Meridional.
Os cientistas lançaram a carcaça de uma vaca morta a 1.629 metros de profundidade, próximo à costa da ilha de Hainan, com o objetivo de simular o naufrágio de uma baleia.
A proposta, portanto, visava observar como espécies necrófagas reagiriam à presença de matéria orgânica no fundo do oceano, uma zona ainda pouco explorada pela ciência.
No entanto, o que aconteceu em seguida surpreendeu até os pesquisadores mais experientes da missão.
“Oi, meu chapa!” (Imagem: Han Tian, Ocean-Land-Atmosphere Research)
Oito tubarões-dorminhocos aparecem pela primeira vez na região
Logo após a descida da carcaça, o local foi invadido por oito tubarões-dorminhocos-do-pacífico (Somniosus pacificus), o que causou espanto na equipe.
Foi a primeira vez que a espécie foi registrada no sul da China, uma área em que nunca haviam sido observados anteriormente.
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Até então, esses animais eram considerados exclusivos do norte do Pacífico, onde aparecem entre o Japão, o Alasca e a Baixa Califórnia.
Por isso, a aparição inédita levanta dúvidas sobre a real distribuição da espécie, além de reforçar hipóteses sobre deslocamentos causados por mudanças climáticas.
Registro subaquático mostra etiqueta alimentar rara em predadores
Além da presença inesperada, o comportamento dos tubarões surpreendeu ainda mais a equipe.
Câmeras submersas, por sua vez, captaram os animais se revezando pacificamente para se alimentar da carcaça, sem disputas ou ataques.
Esse tipo de rodízio alimentar é raramente visto entre grandes predadores, o que sugere um grau de organização social antes desconhecido para essa espécie.
Desse modo, o pesquisador Han Tian, responsável pelo projeto, afirma que a intensidade competitiva pode substituir a força bruta na definição da ordem alimentar.
Tamanho corporal define agressividade e estratégia
As imagens também revelaram padrões distintos de comportamento, especialmente relacionados ao tamanho dos indivíduos.
Tubarões com mais de 2,7 metros se aproximavam de forma direta e dominante, enquanto os menores circulavam a carcaça com cautela antes de atacar.
Isso mostra que, mesmo em ambientes com escassez alimentar, a hierarquia comportamental evita conflitos desnecessários entre os animais.
Além disso, os pesquisadores notaram um comportamento curioso: a retração ocular durante as mordidas, provavelmente para proteger os olhos durante os ataques.
Essa adaptação, portanto, pode compensar a ausência da membrana nictitante, presente em tubarões-brancos, felinos e répteis como os lagartos.
Parasitas oculares reforçam ligação com espécies do Ártico
Outro detalhe relevante captado pelas câmeras foi a presença de copépodes parasitas nos olhos dos tubarões, o que chamou a atenção da equipe.
Esses parasitas, inclusive, são comuns nos tubarões-da-groenlândia (Somniosus microcephalus), reforçando um elo evolutivo com espécies de águas frias e profundas.
Segundo Han Tian, no entanto, a equipe ainda não conseguiu identificar com precisão a espécie dos copépodes, embora o comportamento seja compatível com registros no Ártico.
Banquete atrai biodiversidade esquecida das profundezas tropicais
Além dos tubarões, a carcaça atraiu dezenas de anfípodes e peixes-caracol, o que surpreendeu os pesquisadores pela diversidade observada.
Isso demonstrou que o fundo do Mar da China Meridional é, de fato, mais produtivo do que se pensava até então.
Durante muito tempo, acreditou-se que as profundezas tropicais abrigavam menos vida do que as regiões polares.
Contudo, a experiência mostrou o contrário: há vida abundante mesmo em locais considerados biologicamente pobres.
Falta de dados ou efeito das mudanças climáticas?
A grande questão, nesse contexto, é: os tubarões-dorminhocos sempre viveram ali e nunca foram observados ou chegaram recentemente por causa do aquecimento global?
Segundo Han Tian, há registros esporádicos da espécie em Palau e nas Ilhas Salomão, o que sugere populações ainda não documentadas em áreas tropicais.
A baixa frequência de estudos científicos na região, portanto, pode ter mantido essas populações invisíveis por décadas, sem qualquer registro oficial.
Simplicidade científica com grandes resultados
O experimento mostrou que métodos simples, como usar uma vaca no lugar de uma baleia, podem revelar descobertas de alto impacto ecológico.
A estratégia, inclusive, permitiu observar comportamentos, interações sociais e adaptações fisiológicas que antes eram desconhecidas para a espécie.
Além disso, a ideia da equipe de Han Tian mostra que não é preciso um orçamento milionário para fazer ciência relevante e reveladora nas profundezas do oceano.
Desafios e perspectivas para a biologia marinha
Para muitos especialistas, essa descoberta reforça a importância de investimentos contínuos em pesquisas oceanográficas e biologia de profundidade.
Apesar dos avanços recentes, grande parte do oceano ainda permanece inexplorada, o que limita o entendimento da biodiversidade marinha.
Esse tipo de estudo, portanto, fornece dados valiosos sobre espécies ameaçadas, além de ajudar a entender os impactos das mudanças climáticas em ambientes extremos.
O que o futuro reserva para a pesquisa oceânica?
Comportamentos como o revezamento alimentar e a retração ocular dos tubarões-dorminhocos indicam que a vida nas profundezas é mais complexa do que se imaginava.
Por isso, o desafio atual é ampliar as missões científicas, reforçar a coleta de dados e divulgar os resultados com clareza e acessibilidade.
Enquanto isso, uma dúvida persiste: quantas outras espécies estarão escondidas nas sombras do fundo do mar, apenas esperando para serem descobertas?