Estados Unidos reduzem aportes no Brasil em meio à guerra comercial, travando bilhões em investimentos. Especialistas alertam para riscos nas contas externas e desaceleração econômica caso o fluxo de dólares seja comprometido.
Os Estados Unidos, principal origem de investimento estrangeiro no Brasil, devem reduzir a entrada de novos recursos em razão da intensificação da guerra comercial entre os dois países.
A medida pode comprometer o fluxo de dólares e afetar diretamente o equilíbrio das contas externas brasileiras.
De acordo com dados do Banco Central, os EUA aplicaram US$ 272,8 bilhões em 2023, valor quatro vezes maior que o da Espanha, segunda colocada no ranking, com US$ 66,8 bilhões. O levantamento referente a 2024 será divulgado em 26 de setembro.
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Impacto imediato no fluxo de capital
Para Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), a redução será sentida já no fluxo de capital.
Ele explicou ao Poder360 neste sábado (16) que o estoque de investimentos dificilmente cairá no curto prazo, mas as empresas norte-americanas vão suspender novas aplicações.
“A empresa americana situada no Brasil não vai expandir o investimento enquanto houver essa pendência tarifária. Isso vai afetar o investimento futuro”, afirmou.
Segundo Barral, companhias devem adotar postura cautelosa até que ocorra “alguma negociação” que reduza as incertezas.
Ele acrescenta que, caso o presidente Donald Trump, responsável pelo tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, deixe o governo, a reversão pode ser rápida.
“Provavelmente os Estados Unidos podem perder o título de maior investidor anual, mas vão continuar por muito tempo sendo o maior em estoque de investimentos”, avaliou.
Cadeias produtivas afetadas pela guerra comercial
José Ronaldo de Souza, economista-chefe da Leme Consultores, reforça que a guerra comercial cria obstáculos para as cadeias produtivas integradas entre os dois países.
“Temos uma conexão de cadeias produtivas entre os 2 países. Parte produz aqui, parte lá. O conflito cria essa dificuldade de exportar o que é produzido no Brasil”, disse.
Ele lembra que o aumento do risco político e econômico também reduz a confiança de investidores internacionais.
“O crescimento no risco gera menos investimento em qualquer área”, destacou.
Essa situação é particularmente grave em setores de tecnologia, energia, agronegócio e indústria automotiva, nos quais as empresas norte-americanas mantêm forte presença no Brasil.
Muitas dessas companhias dependem da integração entre fábricas instaladas nos dois países, o que torna o ambiente de incerteza ainda mais prejudicial.
Possível agravamento em caso de retaliação
O professor de economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ecio Costa, alerta que a situação pode se agravar caso o Brasil decida retaliar Washington.
“Caso o Brasil colocasse tarifas de 50% provavelmente Trump iria elevar as taxas para 100%”, avaliou.
No cenário mais crítico, o congelamento dos investimentos norte-americanos comprometeria o balanço de pagamentos do país.
Atualmente, a conta corrente brasileira apresenta déficit significativo, parcialmente compensado pela balança comercial e pela entrada de capitais estrangeiros.
“Se empresas dos Estados Unidos, que historicamente têm sido o principal investidor internacional, forem proibidas de aportar recursos, o Brasil vai ter consequências sérias no balanço de pagamentos, com impacto nas reservas internacionais”, explicou Costa.
Dependência brasileira do capital norte-americano
A relação entre Brasil e Estados Unidos no campo dos investimentos é de longa data.
Os norte-americanos foram fundamentais na implantação de montadoras de veículos, no setor financeiro, em indústrias químicas, farmacêuticas e também na área de tecnologia.
Essa diversificação explica por que, mesmo em cenários de instabilidade, os EUA permanecem como principais investidores no país.
Segundo dados históricos do Banco Central, os aportes norte-americanos representaram, em média, cerca de um quarto de todo o investimento estrangeiro direto recebido pelo Brasil nas últimas duas décadas.
Esse volume constante de capitais tem sido decisivo para financiar déficits externos e sustentar o crescimento de setores estratégicos da economia.
Brasil sem substituto para os EUA
Apesar do crescente papel da China na economia brasileira, especialistas descartam que outros países consigam assumir a posição dos Estados Unidos como maior investidor estrangeiro.
“Eu não vejo a China ou outros grandes players assumindo essa posição dos EUA. Por isso, há risco de uma forte desaceleração econômica [com a redução dos investimentos]”, disse o professor da UFPE.
A China aparece em destaque quando se trata de comércio, especialmente pela compra de commodities agrícolas e minerais, mas sua participação em investimentos diretos de longo prazo no Brasil ainda é bem menor do que a dos EUA.
Investidores europeus, como Espanha, Holanda e Reino Unido, também figuram entre os maiores aplicadores de capital no país, mas com valores distantes da liderança norte-americana.
Risco de perda de fôlego econômico
Se confirmada a retração de investimentos, o Brasil enfrentará maior dificuldade em atrair dólares, pressionando o câmbio e encarecendo custos de importação.
Esse cenário pode resultar em desaceleração do crescimento, queda no ritmo de geração de empregos e menor capacidade de expansão da indústria nacional.
Especialistas também alertam que a confiança internacional no país pode ser abalada se a guerra comercial se prolongar, afastando potenciais investidores de médio e longo prazo.
A permanência dessa tensão levanta dúvidas sobre a capacidade do Brasil de manter o fluxo de dólares necessário para financiar suas contas externas.
Para você, até que ponto o governo brasileiro estará disposto a retaliar ou negociar para preservar a confiança dos investidores internacionais?