Medida da Casa Branca impõe alíquotas recordes a Brasil, Índia, China, África do Sul e Rússia, mas blocos reagem ampliando acordos bilaterais em moedas locais e reforçando a cooperação estratégica
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou em agosto novas tarifas punitivas contra países do Brics, aplicando alíquotas superiores às destinadas a outras nações, com o objetivo de pressionar politicamente Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul. Entretanto, a medida está produzindo o efeito oposto: aproximar os membros do bloco e estimular iniciativas para diminuir a dependência do dólar no comércio internacional.
Tarifas recordes atingem países do Brics
As novas tarifas de importação incluem 50% para o Brasil e para a Índia, além de até 145% para a China, 30% para a África do Sul e punições adicionais a países recém-integrados ao Brics, como o Egito. O Brasil foi alvo específico de Washington como forma de pressão diante do julgamento sobre a tentativa de golpe de Estado atribuída ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Na Índia, a Casa Branca aplicou metade da tarifa como punição pela continuidade da compra de petróleo russo. Já a China, maior economia do grupo, enfrenta risco de uma das maiores taxas já impostas pelos Estados Unidos. Até aliados históricos, como a África do Sul, estão incluídos no pacote de sanções comerciais.
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De acordo com a DW, as medidas criaram um efeito inesperado, fornecendo ao Brics um “incentivo comum” para se articular contra a dependência da economia americana.
Brics reage com mais comércio interno
Em resposta, os países do bloco ampliaram acordos bilaterais em moedas nacionais, intensificaram as compras de ouro e começaram a rever barreiras tarifárias internas para estimular o comércio entre si. A movimentação busca consolidar uma alternativa ao sistema financeiro global dominado pelo dólar.
Analistas afirmam que, embora as agendas dos membros sejam diferentes, a pressão externa cria terreno fértil para cooperação pragmática em comércio, finanças e cadeias de abastecimento. Segundo estudos do Boston Consulting Group, já há indícios de reversão de medidas antidumping e passos rumo a um possível acordo de livre comércio.
Além disso, projetos como a criação de uma bolsa de grãos do Brics e a expansão dos mecanismos de liquidação em moedas locais estão em discussão.
Modi visita a China após sete anos
O impacto das tarifas também acelerou reaproximações diplomáticas. O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, anunciou viagem à China, a primeira em sete anos, para participar de cúpula da Organização para Cooperação de Xangai.
Durante o encontro, o presidente chinês Xi Jinping receberá Modi e o presidente russo Vladimir Putin, além de líderes de cerca de 20 países do Sul Global. Moscou pressiona para que China, Índia e Rússia retomem negociações trilaterais, suspensas há seis anos.
Esse movimento é visto como parte do esforço para reduzir tensões históricas entre China e Índia e fortalecer o núcleo do Brics frente ao Ocidente.
Nova Délhi recalibra postura diante de Pequim
A tarifa de 50% aplicada pelos EUA levou a Índia a adotar medidas de cooperação com a China. Entre as ações, estão a retomada de voos diretos, a flexibilização de vistos e negociações comerciais voltadas para a importação de minerais de terras raras.
A China é responsável por mais de 85% do processamento global dessas matérias-primas, essenciais para veículos elétricos, transição energética e tecnologias de defesa, setores prioritários para Nova Délhi.
Apesar da aproximação, persistem desconfianças indianas em relação às ambições chinesas na Ásia, especialmente pelo histórico de disputas fronteiriças e pela aliança entre Pequim e o Paquistão.
Brasil amplia laços com a China
O Brasil também tenta se beneficiar do cenário. Em ligação recente entre Xi Jinping e Luiz Inácio Lula da Silva, foram discutidas medidas para ampliar o comércio bilateral. Atualmente, a China absorve 26% das exportações brasileiras, o dobro do que os Estados Unidos compram.
O governo brasileiro defende ainda uma resposta conjunta do Brics às sanções de Trump, ressaltando a necessidade de proteger a economia nacional diante de tarifas que podem prejudicar setores estratégicos.
Conforme reportou a DW, Lula afirmou que pretende fortalecer a coordenação entre os países para enfrentar a escalada de medidas protecionistas da Casa Branca.
Rússia e China aprofundam parceria estratégica
O estreitamento de laços não se limita à diplomacia. Mais de 90% do comércio bilateral entre Rússia e China já ocorre em yuan e rublos, segundo informações do Kremlin. O alinhamento estratégico entre os dois países foi simbolizado pela presença de Xi Jinping ao lado de Vladimir Putin no desfile do Dia da Vitória em Moscou.
Essa aliança reforça a narrativa de que as tarifas americanas contribuem para acelerar a integração econômica e política dentro do Brics.
África do Sul mantém posição firme
A África do Sul também confirmou que não pretende rever seus compromissos com o bloco, mesmo diante das sanções. O país prioriza reformas na governança global, cooperação tecnológica e expansão do comércio bilateral.
De acordo com Sanusha Naidu, pesquisadora do Instituto para o Diálogo Global, com sede em Pretória, o governo sul-africano busca afirmar autonomia política em meio à pressão externa.
O que é o Brics?
Divergências ainda persistem
Apesar dos avanços, o Brics enfrenta desafios internos. A expansão de cinco para dez membros aumentou a diversidade de interesses, o que pode limitar ambições de longo prazo. A proposta de criação de uma moeda única, por exemplo, segue em compasso de espera.
Especialistas apontam que o comércio intra-Brics ainda apresenta mais barreiras do que as existentes entre países ocidentais. Mesmo assim, os dados mostram crescimento mais acelerado das trocas dentro do bloco em comparação ao comércio com o G7.
Comércio intra-Brics deve ganhar força
Segundo projeções de Mihaela Papa, pesquisadora do Center for International Studies do MIT, o comércio entre os membros deve se tornar cada vez mais relevante. Ela prevê campanhas de incentivo como “Compre Brics”, além do fortalecimento de mecanismos de liquidação em moedas locais.
Embora o dólar siga dominante, especialistas como Ajay Srivastava defendem que sistemas paralelos baseados em yuan, rupia e rublo devem crescer nos próximos anos, enfraquecendo gradualmente a supremacia da moeda americana.
E você, acredita que os países do Brics conseguirão realmente reduzir a dependência do dólar nos próximos anos ou essas medidas terão efeito limitado?