Decisões confirmam que motoboys, entregadores e mototaxistas têm direito a receber 30% a mais no salário por periculosidade, reforçando a proteção de quem vive no trânsito.
Uma das categorias mais expostas ao risco no Brasil possui um direito muitas vezes pouco conhecido, mas já confirmado pela Justiça. Tribunais vêm reconhecendo que motociclistas que usam a moto no trabalho — como entregadores, mototaxistas e motoboys — têm direito ao adicional de periculosidade de 30% sobre o salário. A medida reforça a proteção a quem depende da moto para sobreviver e enfrenta o trânsito caótico das cidades todos os dias.
O que é o adicional de periculosidade
O adicional de periculosidade é um valor extra que o trabalhador recebe quando exerce sua função em condições de risco maior que o normal. Ele equivale a 30% do salário-base, sem incluir gratificações, prêmios ou participação nos lucros.
Esse direito já existia para profissionais que trabalham com inflamáveis, explosivos e eletricidade. Mas, desde 2014, passou a incluir também os motociclistas profissionais, reconhecendo o alto índice de acidentes envolvendo quem usa moto no dia a dia para trabalhar.
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O que diz a lei
O artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi alterado pela Lei 12.997/2014 para incluir expressamente que os trabalhadores em motocicleta fazem jus ao adicional de periculosidade.
Isso significa que o benefício não é uma simples decisão pontual, mas sim uma previsão legal clara. Ainda assim, muitas empresas tentam contestar, alegando que o risco é inerente à escolha do trabalho. Os tribunais, no entanto, têm reforçado que a lei existe justamente para proteger o empregado nessas condições.
O que os tribunais decidiram
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) consolidou o entendimento de que todo motociclista que utiliza a moto de forma habitual para trabalhar tem direito ao adicional. Isso inclui:
- Entregadores de aplicativos, que passam horas no trânsito transportando pedidos;
- Motoboys, que fazem entregas rápidas em áreas urbanas;
- Mototaxistas, que transportam passageiros em cidades pequenas e médias;
- Mensageiros e profissionais de empresas, que se deslocam de moto diariamente.
Por outro lado, o benefício não se aplica a quem usa a moto de forma eventual ou sem habitualidade, como trabalhadores que se deslocam apenas de vez em quando.
Por que os motociclistas têm direito
O trânsito brasileiro é um dos mais perigosos do mundo para motociclistas. Dados do Ministério da Saúde mostram que a cada dez mortes no trânsito, três envolvem motos.
Além disso, os entregadores e motoboys ficam expostos a situações de perigo constante, como:
- Risco de acidentes em vias movimentadas;
- Exposição ao clima (chuva, calor extremo, frio);
- Pressão por rapidez nas entregas;
- Falta de proteção adequada em caso de colisões.
Esses fatores justificam o reconhecimento do direito ao adicional, já que o risco é acima da média e está presente durante toda a jornada de trabalho.
Impacto para os trabalhadores
O adicional de periculosidade pode representar um alívio importante no orçamento. Em um salário de R$ 2.000, por exemplo, o motociclista passa a receber R$ 600 a mais todo mês.
Esse valor compensa, ao menos em parte, os riscos enfrentados e ajuda a equilibrar os gastos com manutenção da moto, combustível e equipamentos de proteção.
A controvérsia: lei garante, mas portaria suspensa gera insegurança
Embora a Lei 12.997/2014 tenha incluído expressamente os motociclistas no artigo 193 da CLT como atividade perigosa, a efetiva aplicação do adicional de 30% dependeu de regulamentação pelo Ministério do Trabalho. Essa regulamentação veio com a Portaria MTE nº 1.565/2014, mas ela acabou suspensa parcialmente por liminares judiciais, o que abriu um verdadeiro limbo jurídico.
Na prática, isso significa que nem todos os tribunais entendem da mesma forma. O TST já decidiu, em algumas turmas, que sem regulamentação válida o adicional não é devido, aplicando de forma restrita o caput do artigo 193. Por outro lado, tribunais regionais como o TRT da 1ª Região (RJ) e o TRT da 8ª Região (PA/AP) têm reconhecido que a CLT, por si só, já assegura o direito, mesmo sem portaria em vigor.
O advogado trabalhista Dr. Alexandre explica que, diante da divisão, é essencial que o motociclista reúna provas de que usa a moto como ferramenta essencial no trabalho — como fotos, prints de aplicativos, relatórios de rota ou recibos de entrega. Esses documentos fortalecem a ação judicial e podem garantir não só o adicional atual, mas também valores retroativos de até cinco anos.
O caso ainda está em debate no Incidente de Recursos Repetitivos nº 0000294-39.2022, que aguarda decisão final do TST. Até lá, cada processo continua sendo avaliado individualmente, e muitos trabalhadores têm conseguido vitórias na Justiça.
O que fazer em caso de negativa
Apesar da lei e da jurisprudência clara, alguns empregadores ainda resistem em pagar o adicional. Nesse caso, o trabalhador pode:
- Procurar o sindicato da categoria;
- Registrar denúncia no Ministério do Trabalho;
- Buscar apoio jurídico e ingressar com ação trabalhista.
Os tribunais têm reconhecido o direito de forma ampla, e muitos processos resultam em pagamento retroativo do adicional, com juros e correção.
Proteção e reconhecimento
Especialistas em direito do trabalho afirmam que a inclusão dos motociclistas no adicional de periculosidade foi um avanço importante, porque trouxe visibilidade para uma das categorias mais vulneráveis.
Mais do que um valor extra, o benefício simboliza o reconhecimento da importância desses profissionais, que mantêm cidades funcionando, especialmente em setores como entregas e transporte rápido.
Uma vitória da categoria
O reconhecimento do adicional de periculosidade para motociclistas é uma vitória da categoria e um passo importante na proteção do trabalho em condições de risco.
A lei é clara: quem usa a moto habitualmente no trabalho tem direito a receber 30% a mais no salário, como compensação pelo perigo diário enfrentado nas ruas.
Na prática, os tribunais reforçam que a vida e a dignidade do trabalhador vêm em primeiro lugar.