Projeto de trem de passageiros promete transformar a mobilidade entre regiões estratégicas e aposta em modelo internacional para atrair investidores e dinamizar áreas urbanas.
A primeira concessão de ferrovia para transporte de passageiros no Brasil avança para sair do papel, com o objetivo de beneficiar até 25 mil passageiros diariamente e inspirar-se em modelos consagrados de países como Inglaterra e Cingapura.
O projeto-piloto mais adiantado será implementado entre Brasília, no Distrito Federal, e Luziânia, em Goiás.
A iniciativa faz parte de um pacote do Ministério dos Transportes que busca modernizar e ampliar o acesso ao transporte ferroviário de passageiros, com edital de consulta pública previsto para ainda este ano e leilão estimado para 2026.
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Trem de passageiros e expansão da malha ferroviária
Além do trecho Brasília-Luziânia, outros projetos já se encontram em estágio avançado de planejamento, como as ligações entre Salvador e Feira de Santana, na Bahia, e entre Maringá e Londrina, no Paraná.
Estudos conduzidos pelo LabTrans, o laboratório de transportes da Universidade Federal de Santa Catarina, também destacaram potenciais conexões regionais em Fortaleza-Sobral (Ceará), Pelotas-Rio Grande (Rio Grande do Sul) e São Luís-Itapecuru Mirim (Maranhão).
A seleção dessas rotas levou em conta fatores como demanda potencial de passageiros, viabilidade econômica e o interesse do setor privado.
Desafios do transporte ferroviário de passageiros no Brasil
No cenário atual, apenas duas linhas ferroviárias — a Estrada de Ferro Vitória-Minas e a Estrada de Ferro Carajás — atendem o transporte regular da população, sendo operadas pela empresa Vale, porém sem concessão específica para passageiros.
Essas linhas cumprem exigências contratuais ligadas ao transporte de cargas, e não foram modeladas para priorizar a mobilidade de pessoas no dia a dia.
A principal barreira para o avanço das concessões de ferrovias de passageiros no Brasil reside no alto custo de implantação e manutenção, além da dificuldade de garantir retorno financeiro suficiente apenas com a venda de passagens.
Estratégias inspiradas em Inglaterra e Cingapura
Para viabilizar os novos projetos, o governo federal adota estratégias baseadas em experiências internacionais.
Entre elas, destaca-se o aproveitamento de ferrovias atualmente subutilizadas ou inativas, reduzindo o investimento necessário em novas obras.
Inspirado no modelo de países como Inglaterra e Cingapura, o Ministério dos Transportes pretende associar a concessão ferroviária a operações imobiliárias ao longo dos trilhos.
A proposta prevê que empresas vencedoras dos leilões possam explorar comercialmente áreas adjacentes à linha férrea, construindo galpões logísticos, prédios comerciais e residenciais.
Essa diversificação de receitas, conforme explicam especialistas do setor, visa equilibrar a equação financeira e reduzir a dependência de aportes públicos diretos.
Vantagens e desafios do modelo imobiliário no trem de passageiros
Segundo análise de André Paiva, consultor da Tendências Consultoria, integrar concessões ferroviárias e negócios imobiliários representa alternativa economicamente eficiente.
Isso porque amplia as fontes de receita e compartilha os riscos do investimento, considerado elevado e de longo prazo no setor ferroviário.
Paiva destaca, entretanto, que a implementação desse modelo exige diálogo constante com órgãos reguladores das áreas de transporte, urbanismo e meio ambiente, pois a legislação brasileira ainda está em fase inicial de integração dessas competências.
Trem de passageiros entre Brasília e Luziânia: impacto e expectativas
No caso específico do trecho entre Brasília e Luziânia, a escolha pela modernização da linha se explica pelo alto fluxo de passageiros e pela integração histórica entre a capital federal e municípios goianos vizinhos.
Atualmente, o transporte coletivo entre essas cidades é realizado basicamente por ônibus, considerado caro e demorado por grande parte dos usuários.
Segundo dados do governo estadual de Goiás, a viagem de ônibus pode levar até duas horas, ao custo médio de R$ 12 por trajeto, com uma movimentação diária entre 20 mil e 25 mil pessoas.
O governo federal planeja adaptar o trecho para operação com Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), modalidade de trem urbano conhecida por oferecer maior agilidade, conforto e menor impacto ambiental quando comparada a outros meios de transporte público.
Existe uma linha de carga na região, operada atualmente pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), porém com uso abaixo da capacidade e possibilidade de devolução da concessão, o que abriria espaço para a reestruturação do serviço voltado à população.
Consórcio, subsídios e integração regional
Para viabilizar a concessão, o Ministério dos Transportes busca diminuir a necessidade de recursos do Tesouro Nacional por meio da integração de receitas do setor imobiliário, processo que já tem apoio de bancos e investidores privados.
Além disso, Goiás e Distrito Federal anunciaram a formação de um consórcio para aprimorar a gestão do sistema, hoje sob responsabilidade da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), e viabilizar políticas de subsídio às tarifas, ampliando o acesso da população ao novo serviço.
O fluxo diário estimado, entre 20 mil e 25 mil passageiros, destaca a relevância do projeto não só para a mobilidade, mas também para o desenvolvimento urbano das regiões atendidas.
A expectativa é que, ao valorizar áreas próximas às linhas, a concessão gere efeitos positivos sobre o mercado imobiliário local, repetindo o sucesso verificado na Inglaterra e em Cingapura, onde o avanço ferroviário impulsionou a economia ao redor dos trilhos.
Desafios regulatórios e próximos passos para o trem de passageiros
Entretanto, a adoção do modelo exige superação de entraves regulatórios e integração entre diferentes esferas do poder público, desafio ainda considerado relevante no Brasil.
Entre as providências recentes, já estão agendadas reuniões entre representantes do governo federal, estadual e empresas do setor para discutir adequações na malha existente e na modelagem do projeto de concessão.
O novo trem de passageiros, inspirado nas experiências internacionais e adaptado à realidade brasileira, pode representar uma revolução na mobilidade urbana, na qualidade de vida e no desenvolvimento econômico regional.
Mas diante dos desafios técnicos, regulatórios e financeiros, será que a iniciativa vai conseguir transformar o transporte ferroviário de passageiros em uma alternativa realmente eficiente, acessível e sustentável para milhões de brasileiros?