Levantamento mais recente mostra avanço acelerado do trabalho por aplicativo e revela um calcanhar de Aquiles: 71% dos trabalhadores estão na informalidade.
O trabalho por aplicativo consolidou-se como fonte principal de renda para 1,7 milhão de brasileiros no 3º trimestre de 2024. O movimento cresce desde 2022, quando eram 1,3 milhão, e já responde por 1,9% dos ocupados do setor privado. O impulso vem de plataformas de transporte, entregas e serviços, mas também de um mercado que premiou flexibilidade ainda que com pouca proteção social.
Ao mesmo tempo, 71,1% dos trabalhadores de plataforma estão na informalidade, e apenas 35,9% contribuem para a Previdência. De acordo com o portal do G1, os números expõem um paradoxo: quanto mais o trabalho por aplicativo ganha escala, mais urgente fica a discussão sobre direitos, renda e segurança.
Quem está nas plataformas e onde elas mais crescem
O trabalho por aplicativo é majoritariamente masculino (83,9%) e concentrado entre 25 e 39 anos (47,3%). Predominam escolaridade de ensino médio completo ou superior incompleto (59,3%), mas há presença relevante de superior completo (16,6%) muitas vezes subutilizado em tarefas que não exigem essa qualificação.
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Regionalmente, o Sudeste concentra 53,7% (888 mil) dos trabalhadores, consolidando-se como epicentro do fenômeno. Norte e Centro-Oeste foram as regiões que mais cresceram entre 2022 e 2024 (56% e 58,8%, respectivamente), sinal de interiorização do modelo e de nova pressão por infraestrutura, regulação e fiscalização.
Entre os que têm nas plataformas sua renda principal, 53,1% atuam no transporte particular de passageiros (878 mil). Entregas reúnem 29,3% (485 mil), enquanto serviços gerais/profissionais somam 17,8% (294 mil) e apps de táxi alcançam 13,8% (228 mil). Quando se agrega transporte particular e táxi, o grupo chega a 964 mil pessoas (58,3%).
O detalhe que muda o mapa: o segmento de serviços gerais/profissionais foi o que mais acelerou desde 2022 (alta de 52,1%), abrindo espaço para tarefas especializadas e sob demanda. É um sinal de diversificação do trabalho por aplicativo para além de volante e baú, com impactos diretos sobre regulação ocupacional e tributação.
Renda x jornada: quem trabalha mais, recebe um pouco mais por hora, menos
A renda média mensal dos plataformizados foi de R$ 2.996, 4,2% acima dos demais ocupados do setor privado (R$ 2.875). O aparente bônus tem explicação: a jornada é mais longa 44,8 horas semanais contra 39,3 horas. Na métrica por hora, o quadro se inverte: R$ 15,40 por hora, 8,3% abaixo dos não plataformizados (R$ 16,80).
Em 2024, a diferença de rendimento encolheu: crescimento de 1,2% entre plataformizados (2022–2024) contra 6,2% nos demais. Entre quem tem menor escolaridade, as plataformas ainda pagam bem mais; entre os diplomados, pagam menos, reflexo de subaproveitamento de qualificação e da natureza operacional de boa parte das tarefas.
Em uma linha: “ganha-se mais no mês porque se trabalha mais; por hora, ganha-se menos.”
Sete em cada dez trabalhadores de plataforma estão na informalidade (71,1%) patamar muito acima da média do setor privado (44,3%). Só 35,9% contribuem para a Previdência, número que despenca no Norte (15,4%) e melhora no Sul (51,8%).
As consequências são diretas: sem contribuição, não há cobertura para doença, acidente ou velhice. É a fatura silenciosa do trabalho por aplicativo, que empurra risco e custo social para o indivíduo e para o sistema público, enquanto o serviço ganha escala.
Autonomia sob o algoritmo: quem decide preço, cliente e prazo?
A maior parte dos trabalhadores relata baixa autonomia sobre preço, seleção de clientes e pagamentos um traço-chave do trabalho por aplicativo. O valor recebido é definido pela plataforma para 91,2% dos motoristas de app, 81,3% dos entregadores e 79,4% dos taxistas em apps.
Prazos também são, em maioria, impostos: 70,4% dos entregadores e 54,8% dos motoristas. Serviços gerais/especializados têm a menor dependência, mas o padrão permanece: é o algoritmo que dita o ritmo, comprimindo a negociação individual. Na prática, “autonomia” vira disponibilidade e disponibilidade vira renda.
Entre condutores de automóveis, os plataformizados ganham, em média, R$ 341 a mais por mês do que os não plataformizados, mas trabalham cerca de 5 horas semanais a mais.
Entre condutores de motocicletas, a participação dos apps já alcança um terço do total: o grupo cresceu 140 mil entre 2022 e 2024, enquanto o contingente fora dos apps caiu 53 mil. Motociclistas de aplicativo recebem 28,2% a mais, porém com 3,9 horas semanais adicionais — e com informalidade muito acima da média.
Tradução do dado em rotina: mais tempo conectado é condição para manter a renda; sem proteção social, o custo do risco fica com o trabalhador.
O que os números sugerem para 2025 em diante
O avanço do trabalho por aplicativo confirma três tendências:
- Escala com heterogeneidade: transporte segue dominante, serviços especializados ganham tração.
- Renda atrelada a horas: o bônus mensal depende da extensão da jornada; por hora, há perda relativa.
- Proteção é gargalo: informalidade elevada e baixa contribuição previdenciária criam risco social cumulativo.
Sem mecanismos que unam flexibilidade e proteção contribuição simplificada, cobertura contra acidentes e transparência algorítmica o modelo seguirá transferindo risco para a base. E a base são 1,7 milhão de pessoas.
Os indicadores mostram um mercado pujante, mas sustentado por jornadas longas, autonomia limitada e pouca proteção. O trabalho por aplicativo não é mais exceção é infraestrutura do cotidiano.
E você, que trabalha por app ou contrata esses serviços:
A renda por hora caiu ou subiu para você em 2024?
O algoritmo da plataforma dá opções reais de preço e prazo ou você só aceita ou recusa?
Contribuir para a Previdência cabe no seu orçamento hoje? Como você se protege de imprevistos?
Você concorda com essa leitura? Acha que o formato atual é sustentável ou precisa mudar já? Deixe sua opinião nos comentários queremos ouvir quem vive isso na prática.