Trabalhador sem carteira assinada pode conquistar estabilidade se a Justiça reconhecer o vínculo de emprego e comprovar direitos violados incluindo gestantes e acidentados
Apesar de avanços na legislação trabalhista, o Brasil ainda convive com índices altos de informalidade. Segundo o IBGE, mais de 36 milhões de brasileiros trabalham sem carteira assinada. Esse contingente de trabalhadores, na prática, fica sem acesso a direitos básicos previstos na CLT: FGTS, férias remuneradas, 13º salário, licenças e estabilidade em casos específicos, como gestantes ou vítimas de acidentes de trabalho.
Mas a Justiça do Trabalho, ao longo dos anos, tem afirmado um princípio fundamental: a realidade dos fatos prevalece sobre o que está registrado em papel. Ou seja, mesmo sem anotação formal na carteira, se o trabalhador comprovar vínculo de emprego, passa a ter direito a todas as garantias legais, incluindo a estabilidade em situações previstas pela lei.
O que caracteriza o vínculo de emprego
A CLT, em seu artigo 3º, define os requisitos que caracterizam a relação de emprego:
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- Pessoalidade (o trabalhador não pode ser substituído por outro sem autorização);
- Não eventualidade (atividade contínua e habitual);
- Subordinação (o empregado cumpre ordens e está sujeito ao poder do empregador);
- Onerosidade (trabalho feito mediante pagamento de salário).
Se esses requisitos estão presentes, a Justiça pode declarar a existência de vínculo, mesmo sem anotação em carteira.
E, a partir desse reconhecimento, aplicam-se todas as consequências legais, inclusive estabilidade provisória em casos específicos.
Estabilidade garantida em casos de gestação e acidente de trabalho
Dois exemplos se destacam.
Gestantes – O artigo 10, II, “b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) garante estabilidade da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. A Justiça do Trabalho tem jurisprudência consolidada de que essa proteção se aplica mesmo sem carteira assinada. Basta que o vínculo seja reconhecido judicialmente.
Acidente de trabalho – O artigo 118 da Lei 8.213/1991 assegura estabilidade de 12 meses após o retorno ao trabalho para quem sofreu acidente. Se o empregado informal comprovar a relação de emprego e o acidente, também pode ter esse direito garantido, inclusive com indenização em caso de demissão irregular.
O peso da jurisprudência do TST
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já julgou inúmeros casos nesse sentido. Em decisões recentes, a corte reafirmou que o registro em CTPS não é condição para a aquisição de estabilidade, mas sim o reconhecimento da relação de emprego.
Um exemplo emblemático é o da estabilidade gestante: o TST consolidou o entendimento de que a ausência de registro não retira o direito da empregada grávida à indenização correspondente à estabilidade. O mesmo raciocínio vale para outros casos previstos em lei.
Falas de especialistas
Para o jurista Maurício Godinho Delgado, ministro do TST e autor de referência em Direito do Trabalho, “o contrato de emprego é uma realidade fática. A formalização em carteira é obrigação do empregador, não condição para o trabalhador ter direitos.”
Já a advogada trabalhista Vólia Bomfim Cassar afirma que “quando a Justiça reconhece o vínculo, todos os efeitos legais se retroagem, inclusive os de natureza protetiva, como estabilidade e depósitos de FGTS.”
Como o trabalhador pode comprovar o vínculo
Na prática, o reconhecimento do vínculo depende de provas apresentadas em juízo. São aceitos como indícios:
- Testemunhos de colegas;
- Registros de ponto, recibos ou comprovantes de pagamento;
- Uso de uniforme, crachá ou e-mails corporativos;
- Qualquer documento que demonstre a subordinação e habitualidade.
Com base nesses elementos, o juiz declara o vínculo e, consequentemente, todos os direitos passam a ser exigíveis.
Impacto social e econômico
Esse entendimento da Justiça do Trabalho tem impacto direto na vida de milhões de brasileiros que atuam em empregos informais. Ele garante que a negligência do empregador em registrar o contrato não pode ser usada como escudo para negar direitos fundamentais.
Ao mesmo tempo, a prática estimula empresas a manter a regularidade dos vínculos, já que o custo de ser condenado judicialmente (com pagamento de verbas atrasadas, indenizações e reconhecimento de estabilidade) tende a ser muito mais alto do que cumprir a lei desde o início.
O vínculo de fato vale mais que a omissão no papel
A jurisprudência trabalhista deixa claro: o contrato de emprego não nasce do registro em carteira, mas da realidade do trabalho prestado.
Quando comprovada a relação, o trabalhador tem direito a todas as garantias previstas em lei, incluindo estabilidade em situações específicas.
Assim, a Justiça envia um recado firme: a informalidade não pode ser usada como instrumento de supressão de direitos.
O empregador que não registra o funcionário assume um risco alto, e o trabalhador que busca seus direitos encontra respaldo na legislação e na jurisprudência.