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Tarifaço dos EUA deixa cidade em crise: fábrica brasileira anuncia férias coletivas para centenas de trabalhadores e expõe a dependência das exportações

Escrito por Noel Budeguer
Publicado em 18/08/2025 às 09:34
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Fábrica avaliada em bilhões é atingida pelo tarifaço dos EUA e decreta férias coletivas, deixando centenas de famílias em situação incerta

A escalada tarifária dos Estados Unidos começou a cobrar seu preço no Vale do Caí.
Em Montenegro (RS), uma grande exportadora local antecipou férias coletivas diante do “tarifaço” de 50% sobre produtos brasileiros.
Em discurso na Câmara de Vereadores no dia 14, a vereadora Josi Paz afirmou que cerca de 400 trabalhadores haviam sido liberados, mas dados posteriores indicam que a medida inicialmente envolveu um número menor de funcionários, anunciado oficialmente pela empresa em 30 de julho de 2025.
A cidade tem forte exposição a armas e munições — com a CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos) como âncora industrial — e já surge entre as mais afetadas do estado, tanto pelo peso das vendas externas ao mercado norte-americano quanto pelo encadeamento produtivo regional.

Por que Montenegro virou “termômetro” do impacto

Os números ajudam a entender. Em 2024, US$ 71,7 milhões em mercadorias partiram de Montenegro rumo aos EUA; munições (CBC) responderam por US$ 50,6 milhões — o item isolado mais relevante da pauta local para esse destino. Com a vigência do tarifaço em agosto, autoridades e entidades empresariais já apontam Montenegro como a segunda cidade mais atingida no RS, dado o peso das exportações na economia municipal. Foi nesse contexto que, em sessão na Câmara, se confirmou que uma indústria exportadora da cidade colocou seu efetivo em férias coletivas.

A leitura é simples: quando o principal mercado encarece subitamente o produto em 50%, margens evaporam, pedidos são suspensos e a fábrica perde previsibilidade para seguir produzindo no mesmo ritmo. A decisão de férias coletivas, nesse cenário, é um “freio de arrumação” típico de indústria exportadora — reduz custo no curtíssimo prazo enquanto a empresa reavalia contratos, logística e prazos de entrega.

Fundada em 1926, a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) é hoje uma das maiores produtoras de munições do mundo e controla a Taurus desde 2015. Sua unidade no Rio Grande do Sul ganhou destaque nacional após decretar férias coletivas em meio ao tarifaço dos EUA, expondo a forte dependência das exportações brasileiras para o mercado norte-americano

O gatilho: 50% de tarifa e exceções limitadas

O decreto de 50% foi oficializado pela Casa Branca no fim de julho e entrou em vigor na virada para agosto. Houve uma revisão com exceções para 694 produtos, mas o alívio não alcançou segmentos-chave do RS e de Montenegro, como armas e munições. O efeito-dominó começou a aparecer rapidamente: redução de embarques, férias coletivas e renegociação de contratos em múltiplos setores.

No agregado, projeções já tentam dimensionar o estrago. Estudos mencionados por federações industriais estaduais falam em centenas de milhares de empregos sob risco no horizonte de dez anos, caso as tarifas se mantenham. É um cenário-base que ajuda a explicar a pressa de cidades exportadoras em ativar planos de contingência.

A peça central: CBC e o elo com a Taurus

A CBC nasceu em 1926, em São Paulo, e virou um dos maiores players globais em munição. Desde 2015, após aval do Cade, passou a controlar a Taurus, gigante brasileira de armas leves. Em termos de ecossistema, isso significa que qualquer choque de demanda ou custo no mercado norte-americano tende a bater em toda a cadeia — das linhas de munição no RS às plataformas de armas leves montadas no Brasil e nos EUA.

O comportamento recente da Taurus ajuda a ilustrar a pressão: com 82,5% da produção voltada ao mercado americano, a empresa já comunicou férias coletivas para parte do quadro e a transferência de estoques (e até linhas de montagem) para unidades nos Estados Unidos, numa tentativa de proteger vendas enquanto o tarifaço perdura. É a tradução prática do “fazer onde se vende” quando a fronteira fica mais cara.

O que muda para o trabalhador quando a empresa decreta férias coletivas

No curto prazo, férias coletivas são um instrumento previsto na CLT, usado por indústrias para ajustar produção à demanda. O trabalhador mantém seus direitos legais (gozo de férias, 1/3 constitucional e demais regras), e a empresa precisa cumprir os trâmites formais de comunicação. Para quem está na linha de produção, o recado é claro: a empresa está comprando tempo para replanejar operações sem partir, de imediato, para cortes permanentes. Guias recentes sobre o tema reforçam que essa saída vem sendo usada por várias exportadoras desde o anúncio do tarifaço.

A resposta local e os próximos passos

No RS, o governo estadual vem discutindo medidas de fomento e crédito para amortecer o choque nas indústrias mais expostas — incluindo o polo de armas e munições. Ainda que ações emergenciais ajudem, há um limite para políticas locais frente a uma tarifa federal de um parceiro que concentra a maior parte das vendas. O ajuste de médio prazo passa por diversificar mercados, recompor contratos e, em alguns casos, relocalizar etapas produtivas para dentro do mercado americano — movimento que parte do setor já iniciou.

Para Montenegro, o curto prazo deve continuar volátil. A cidade tem exposição acima da média ao mercado dos EUA e, portanto, é sensível a notícias de Washington. Se as tarifas forem recalibradas ou se novas exceções forem concedidas, a retomada pode ser rápida. Se persistirem, a tendência é de mais remanejamentos de produção e um período longo de reorganização da cadeia — com impacto direto na renda local e nos encadeamentos de fornecedores.

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Noel Budeguer

Sou jornalista argentino, baseado no Rio de Janeiro, especializado em temas militares, tecnologia, energia e geopolítica. Busco traduzir assuntos complexos em conteúdos acessíveis, com rigor jornalístico e foco no impacto social e econômico.

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