Multinacional investe em novas áreas petrolíferas no Brasil e discute desafios fiscais, regulatórios e competitividade global do setor.
O cenário de investimentos bilionários da Shell no Brasil ganha novos contornos diante da preocupação crescente da multinacional com o aumento da carga tributária sobre a indústria do petróleo e gás.
Ao mesmo tempo em que a empresa celebra apostas estratégicas em novas fronteiras exploratórias, o temor sobre possíveis mudanças fiscais e regulatórias desafia a estabilidade de longo prazo, fundamental para o setor energético.
O alerta foi feito pelo presidente da Shell no Brasil, Cristiano Pinto da Costa, segundo reportagem da CNN Brasil. Ele ressaltou que “em uma indústria de ciclo tão longo, precisamos de estabilidade regulatória”.
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Shell investe bilhões no Brasil e aponta preocupação tributária
Segundo Costa, a Shell considera o ambiente regulatório brasileiro um dos pontos críticos para a tomada de decisão em projetos de alto valor e maturação estendida, que podem ultrapassar três décadas entre o início do investimento e o retorno financeiro.
O executivo destacou que, atualmente, a carga tributária sobre o petróleo no Brasil já é considerada elevada: “A cada três barris de petróleo, dois ficam em impostos, royalties, participações especiais. Nos Estados Unidos, essa relação é de um barril a cada três extraídos”, afirmou.
A apreensão da Shell ganhou novos elementos após o Ministério de Minas e Energia (MME) apresentar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um conjunto de propostas para ampliar a arrecadação federal a partir de 2025.
Entre as medidas em avaliação estão mudanças na cobrança das participações especiais – um tributo aplicado a campos de alta produtividade sob regime de concessão – e possíveis revisões nos preços de referência do petróleo, fator que poderia resultar no aumento da arrecadação de royalties.
Embora reconheça o debate dentro do governo, Costa pondera que diferentes áreas do Executivo mantêm visões distintas sobre o tema, indicando que ainda não há decisão definitiva.
Debate sobre incentivos fiscais e estabilidade regulatória
O presidente da Shell Brasil também manifestou preocupação com o futuro do Repetro, um regime aduaneiro especial que isenta a importação de equipamentos do setor de tarifas, impostos federais e adicionais como o AFRMM (Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante).
Recentemente, tanto o Ministério da Fazenda quanto o Congresso Nacional têm discutido cortes nos incentivos fiscais como estratégia para reduzir o déficit público, cenário que pode afetar diretamente o ambiente de negócios do petróleo.
“Vejo com bons olhos as discussões sobre uma redução [do gasto tributário]”, afirmou Costa.
No entanto, ele ressalta que qualquer alteração deveria incidir apenas sobre novos contratos, e não afetar acordos já firmados: “Se você quer mudar a regra [tributária], muda daqui para a frente. Não muda o passado”.
Ao justificar a necessidade de previsibilidade regulatória, Costa argumenta que o Brasil disputa investimentos em escala global com outros grandes produtores, onde políticas tributárias menos onerosas acabam atraindo mais capital estrangeiro.
“Qualquer movimento que aumente a carga tributária impacta negativamente a competitividade do Brasil”, salientou o executivo da Shell à CNN Brasil.
Novas apostas e produção crescente da Shell no país
Mesmo diante das incertezas, a Shell segue apostando alto em novos projetos no país.
Uma das principais iniciativas em curso é o desenvolvimento do campo Gato do Mato, localizado na camada do pré-sal da Bacia de Santos.
Com previsão de início da produção em 2029, o campo poderá atingir até 120 mil barris de petróleo por dia.
A Shell lidera o consórcio com 50% de participação, tendo como sócias a Ecopetrol, da Colômbia (30%), e a francesa Total (20%).
Atualmente, a Shell ocupa o posto de segunda maior produtora de petróleo do Brasil, atrás apenas da Petrobras, com uma produção diária que varia entre 400 mil e 450 mil barris de óleo equivalente.
O investimento anual da companhia no país oscila entre US$ 1 bilhão e US$ 1,5 bilhão, demonstrando o compromisso de longo prazo com o desenvolvimento do setor energético nacional.
Consolidação em novas fronteiras: bacia do Sul de Santos
A busca por novas oportunidades levou a Shell a investir fortemente no último leilão promovido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), ocorrido em junho de 2025.
A empresa arrematou quatro blocos na bacia do Sul de Santos, consolidando sua presença em uma região com potencial de reservas ainda pouco exploradas.
“Nesse último leilão, fomos com uma estratégia muito bem definida e que foi muito bem-sucedida”, explicou Costa.
O executivo detalhou que, desde 2022, a Shell já vinha adquirindo áreas na mesma bacia, sendo agora o objetivo ampliar o portfólio com a compra de blocos adjacentes.
A expectativa da Shell é de que a formação geológica do Sul de Santos, que se estende entre o litoral de São Paulo e Santa Catarina, possa apresentar características semelhantes às registradas na costa da Namíbia, na África.
A Namíbia se destacou recentemente com a descoberta de importantes campos offshore, atraindo interesse internacional.
Os primeiros trabalhos sísmicos nos blocos recém-arrematados ainda serão realizados, mas a comparação aumenta a expectativa sobre o potencial brasileiro.
Setor de petróleo e gás em transformação
Além disso, Costa destacou que bacias já tradicionais, como Santos e Campos, mostram sinais de declínio na produtividade, reforçando a necessidade de investir em novas fronteiras exploratórias.
Outras regiões promissoras, como a Margem Equatorial, também estão no radar da Shell e de outras grandes petroleiras.
A agenda da Shell para os próximos meses inclui ainda o interesse em dois eventos relevantes para o mercado de petróleo brasileiro: o 3º ciclo de oferta permanente sob o regime de partilha, que engloba áreas do pré-sal e está agendado para 22 de outubro de 2025, e o futuro leilão de venda de petróleo em áreas próximas a campos já em produção, ainda pendente de aprovação final pelo Congresso Nacional.
A discussão sobre incentivos fiscais, estabilidade regulatória e as estratégias de diversificação de portfólio mantêm o setor de petróleo e gás no centro do debate econômico brasileiro.