Estudo propõe novo modelo de preços no setor elétrico brasileiro para ampliar eficiência, transparência e participação de agentes geradores e consumidores.
O setor elétrico brasileiro tem passado por transformações importantes nos últimos anos. Por esse motivo, busca-se modernizar sua estrutura para responder a novos desafios e atender às crescentes demandas energéticas.
A energia é um elemento essencial para o desenvolvimento econômico e social do país. Nesse sentido, garantir que o sistema funcione de maneira eficiente, justa e sustentável tornou-se uma prioridade para o governo, os agentes do mercado e, sobretudo, os consumidores.
Historicamente, o setor elétrico brasileiro operava de forma centralizada. O Estado, portanto, assumia o papel principal na geração, transmissão e distribuição de energia.
-
Setor elétrico registra economia de R$ 540 milhões e avança em equilíbrio tarifário
-
China construiu tantas usinas para gerar energia que agora falta lixo para queimar
-
Enel aposta R$ 24 bilhões até 2026 e lança nova marca com foco em eficiência, proximidade e modernização da rede elétrica
-
Como a tecnologia reduz sua conta de luz com o acesso à energia limpa
Nos primeiros anos, a prioridade era construir grandes hidrelétricas, aproveitando, assim, o enorme potencial hídrico do país. Esse modelo, sem dúvida, atendeu às necessidades do crescimento econômico nas décadas de 1960 e 1970.
Com o tempo, no entanto, surgiram novos desafios técnicos, econômicos e ambientais, o que exigiu mudanças estruturais.
A partir dos anos 1990, o Brasil iniciou uma reestruturação no setor elétrico. Por meio de novas políticas, buscou-se promover maior eficiência, transparência e competitividade.
Dessa forma, surgiram instituições como a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), responsáveis por regular e organizar o mercado.
Com isso, o setor passou a atrair investidores privados, permitindo, também, a diversificação da matriz energética.
Com o avanço das fontes renováveis e o fortalecimento do mercado livre, o setor elétrico brasileiro adotou estratégias cada vez mais modernas.
A presença de novos agentes impulsionou a inovação. Ao mesmo tempo, cresceu a necessidade de tornar os preços mais condizentes com a realidade do mercado.
O desafio da precificação e o papel do preço spot
Apesar dos avanços institucionais e tecnológicos, o modelo atual de precificação ainda enfrenta críticas recorrentes. Isso porque o preço da energia de curto prazo, conhecido como preço spot, muitas vezes não reflete corretamente a relação entre oferta e demanda.
Esse valor, que é calculado em tempo real, serve como base para decisões de compra, venda e operação de usinas.
Contudo, a forma como se define o preço spot no Brasil ainda é considerada centralizada. Atualmente, utiliza-se modelos computacionais que consideram apenas os custos das usinas.
Por esse motivo, não se levam em conta as projeções dos próprios agentes de mercado. Como resultado, surgem distorções que afetam o planejamento e encarecem a conta de luz dos consumidores.
Além disso, com a entrada das fontes renováveis — como solar e eólica — novas complexidades passaram a influenciar o funcionamento do sistema.
Essas fontes, ao dependerem de variáveis climáticas, geram energia de forma intermitente. Consequentemente, isso exige um modelo de precificação mais flexível, que consiga lidar melhor com a imprevisibilidade.
Por outro lado, tecnologias emergentes como medidores inteligentes, armazenamento de energia e inteligência artificial também pressionam por uma transformação.
Assim, o setor precisa de soluções modernas, que reflitam tanto os avanços técnicos quanto as novas exigências ambientais e de consumo.
Novo modelo híbrido busca eficiência e participação
Diante desse cenário, o Ministério de Minas e Energia coordena um estudo técnico, com apoio do Banco Mundial.
O objetivo é justamente desenvolver um novo modelo de precificação mais moderno e participativo. Para isso, a proposta combina a lógica atual, baseada em custos, com um modelo por ofertas, no qual os próprios agentes apresentariam suas projeções de geração, consumo e preço.
Esse estudo, conduzido em parceria com a consultoria PSR e a CCEE, já está em andamento há mais de dois anos.
Durante esse período, testaram-se diferentes cenários e soluções. Como resultado, espera-se oferecer ao governo uma base técnica sólida para a tomada de decisão.
De maneira prática, o modelo híbrido busca tornar o mercado mais eficiente.
Ao permitir que geradores e consumidores contribuam com informações em tempo real, o sistema poderá refletir melhor as condições reais da operação.
Com isso, será possível reduzir distorções e minimizar encargos adicionais aos consumidores.
Adicionalmente, o novo modelo incentiva a concorrência entre os agentes. Dessa forma, quem gerar energia com mais eficiência poderá praticar preços mais competitivos.
Por outro lado, consumidores com flexibilidade de carga poderão se beneficiar de tarifas mais baixas em determinados horários. Isso favorece, também, investimentos em inovação e sustentabilidade.
Agentes mais ativos no mercado e novas regras de balanço
Inicialmente, o modelo permitirá que pequenas centrais hidrelétricas, usinas de biomassa, solares e eólicas enviem suas projeções de geração.
Em uma etapa posterior, esses agentes também poderão informar os preços de venda da energia.
Ao mesmo tempo, distribuidoras e consumidores livres poderão informar tanto suas expectativas de consumo quanto os preços que estão dispostos a pagar.
A CCEE ficará responsável por apurar os desbalanços entre o planejado e o realizado.
Agentes que contribuírem para o reequilíbrio do sistema receberão compensações financeiras.
Isso não apenas incentiva o compromisso, mas também aumenta a eficiência do mercado.
Atualmente, muitos encargos na conta de luz surgem da má alocação de recursos ou de decisões tomadas com base em previsões imprecisas.
Portanto, ao adotar uma lógica mais participativa e transparente, o sistema poderá reduzir custos para os consumidores e trazer mais previsibilidade aos contratos.
Ainda assim, é preciso considerar que mudanças no modelo de precificação envolvem riscos.
Afinal, qualquer alteração impacta contratos firmados, investimentos já realizados e a estabilidade do mercado.
Por isso, os responsáveis pelo estudo têm conduzido o processo com cautela, promovendo diálogos amplos e técnicos com todos os envolvidos.
Conhecimento coletivo e os próximos passos do setor elétrico brasileiro
Segundo Luiz Augusto Barroso, presidente da PSR, o uso do conhecimento coletivo representa um dos maiores avanços dessa proposta.
De acordo com ele, quando múltiplos agentes participam da formação de preços, o sistema se torna mais robusto, resiliente e democrático.
Além disso, decisões compartilhadas tendem a refletir melhor a realidade de operação do setor.
Nesse contexto, o setor elétrico brasileiro caminha para uma mudança estrutural importante.
Mais do que atualizar regras, a proposta visa transformar a forma como se organiza e regula o mercado de energia.
Ao incluir diferentes vozes no processo de precificação, o setor avança rumo à eficiência, à sustentabilidade e à transparência.
A história mostra que o setor sempre buscou se adaptar às novas realidades.
Desde as grandes obras hidrelétricas até a consolidação das fontes renováveis, o Brasil demonstrou capacidade de inovar e superar desafios.
Agora, ao discutir uma nova precificação, o país reafirma seu compromisso com um futuro mais limpo e competitivo.
Portanto, é fundamental que esse debate envolva governo, empresas, consumidores e especialistas.
Quanto mais diálogo houver, mais sólida será a transição para um modelo moderno e confiável.A energia é um recurso estratégico e, por isso, sua precificação precisa refletir não apenas custos, mas também os valores de uma sociedade que busca desenvolvimento com responsabilidade.