A proposta de reforma do Código Civil retira o cônjuge da lista de herdeiros necessários, mas reforça a proteção de moradia e cria usufruto para quem comprovar vulnerabilidade. Entenda o que muda no bolso e no teto de famílias casadas e em união estável.
A proposta em análise no Senado redefine quem está na legítima. Pela nova redação, “são herdeiros necessários os descendentes e os ascendentes”, o que exclui o cônjuge dessa reserva obrigatória. Na prática, o marido ou a esposa deixam de ter direito automático à metade indisponível do patrimônio quando existirem filhos ou pais. Meação não é herança. A meação continua a depender do regime de bens, mas não se confunde com a parte hereditária.
Essa mudança recoloca o cônjuge na terceira ordem de vocação: ele herda apenas se não houver descendentes nem ascendentes, salvo disposições de testamento. A regra atual, do Código de 2002, havia ampliado a proteção ao cônjuge. A proposta de 2025 reequilibra a partilha ao priorizar parentes de linha reta, com impacto direto em famílias recompostas.
Importante lembrar o estágio do processo legislativo. O PL 4 de 2025 está em tramitação no Senado, autuado em 31 de janeiro de 2025 e aguardando despacho. O texto ainda pode ser alterado nas comissões e no Plenário antes de eventual envio à sanção.
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Direito real de habitação, proteção de moradia foi ampliada
Embora o cônjuge saia da legítima, a proposta mantém e explicita o direito real de habitação sobre o imóvel que servia de residência da família, reforçando seu caráter protetivo. A redação atual do art. 1.831 já assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de permanecer no lar familiar, qualquer que seja o regime de bens, desde que seja o único imóvel dessa natureza a inventariar.
O STJ tem reiterado que o direito de habitação existe para garantir moradia digna e pode impedir a alienação judicial do imóvel ou a extinção do condomínio quando isso frustra sua finalidade social. Em situações específicas, a Corte admite mitigação do instituto se não atender à sua função, por exemplo quando o sobrevivente possui recursos suficientes para manter a própria moradia. Em suma, trata-se de uma proteção de teto, não de transferência de propriedade.
O anteprojeto transformado em PL amplia esse escudo. Além de reafirmar o direito para cônjuge ou convivente, abre a possibilidade de compartilhamento do direito de habitação por outros herdeiros ou sucessores vulneráveis que dependiam daquela moradia, deixando claro o foco no aspecto social da residência familiar. Moradia é prioridade.
Usufruto para cônjuge vulnerável, quando o juiz pode conceder
Outra inovação é o chamado “usufruto assistencial”. O texto permite que o juiz institua usufruto sobre bens da herança para garantir a subsistência do cônjuge ou convivente sobrevivente que comprove insuficiência de recursos. Esse usufruto cessa se a pessoa adquirir renda ou patrimônio suficientes ou se formar nova família. É uma resposta jurídica para casos de vulnerabilidade econômica, especialmente em uniões em que um dos parceiros se dedicou ao lar e não tem renda própria.
Na prática, o usufruto pode recair sobre imóvel, aplicações ou rendas do espólio, assegurando um fluxo mínimo para moradia, alimentação e cuidados. Diferente da legítima, não confere titularidade da propriedade, mas uso e fruição dos bens. É uma solução calibrada para garantir dignidade sem desfigurar a partilha entre descendentes e ascendentes.
União estável, regimes de bens e cenários reais de partilha
Os efeitos variam conforme o regime de bens e a existência de filhos. Na comunhão parcial, por exemplo, o sobrevivente mantém a meação sobre o que foi adquirido onerosamente durante a vida em comum. Meação é metade do que é comum, não é herança. Na herança propriamente dita, valem as novas regras de vocação: primeiro os descendentes, depois ascendentes, e apenas depois o cônjuge ou convivente.
A proposta também valoriza o registro da união estável para certos efeitos patrimoniais e de outorga, harmonizando regras entre casamento e convivência. Em cenários com filhos apenas de um dos cônjuges, a partilha tende a seguir o eixo protetivo da linha reta, reduzindo conflitos de concorrência com o cônjuge. O objetivo declarado do projeto foi eliminar a concorrência sucessória do cônjuge com descendentes e ascendentes, tema sensível em separação de bens e famílias recompostas.
Quando não há descendentes nem ascendentes, o cônjuge ou convivente segue na ordem de vocação e poderá herdar, além de manter o direito de habitação se preenchidos os requisitos. Esses cenários serão detalhados em regulamentos e na jurisprudência, como já ocorre hoje.
Testamento e pactos, como o planejamento ganha importância
Se o cônjuge sair da legítima, o testamento tende a ganhar protagonismo no planejamento familiar. A proposta permite a renúncia à condição de herdeiro em pacto antenupcial ou convivencial e organiza cláusulas para prevenir litígios. Quem deseja beneficiar o cônjuge além da meação deverá organizar a sucessão por testamento ou por pactos bem redigidos, respeitando limites legais.
Os pactos passam a admitir condições vinculadas à existência de outros sucessores e, conforme o texto, a renúncia não afasta automaticamente o direito de habitação, salvo se houver previsão expressa das partes. Com isso, o instrumento contratual se alinha ao objetivo central da reforma: proteger a moradia e a subsistência, sem impor a legítima ao cônjuge quando existirem descendentes ou ascendentes.
Para famílias com patrimônio diversificado, é recomendável combinar testamento, seguros de vida e doações planejadas com pactos conjugais para evitar surpresas no inventário. A tendência, confirmada por entidades cartorárias e pela prática forense, é de crescimento do planejamento sucessório quando o tema entra em pauta legislativa.