Inovações automotivas nem sempre caem no gosto dos brasileiros, e alguns projetos ousados se transformaram em exemplos clássicos de fracassos do setor. Conheça cinco ideias que marcaram época e deixaram importantes aprendizados para as montadoras.
Poucas áreas colecionam tantos testes quanto a indústria automobilística brasileira.
Entre acertos retumbantes e casos de sucesso duradouro, não faltam ideias automotivas fracassadas que viraram referência sobre o que não fazer no mercado nacional.
Cinco exemplos, surgidos em momentos diferentes e sob contextos variados, acabaram rejeitados pelo público e hoje servem de alerta às montadoras que insistem em inovar sem compreender a cultura local.
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Sedã aventureiro: tendência que não convenceu
A “onda aventureira” tomou forma em 1999, com a Palio Weekend Adventure.
Suspensão elevada, plásticos robustos e pneus de uso misto chamaram atenção por oferecer, a preço acessível, ares de utilitário-esportivo em uma época em que SUVs de verdade custavam caro.
A partir daí, fracassos da indústria automotiva tentaram emular a receita.
Hatches, peruas e picapes ganharam versões Cross, Adventure, Active…
Faltava apenas um sedã.
A oportunidade surgiu em 2019, quando a Renault adotou o câmbio CVT no Logan 1.6.
Por exigência técnica, o conjunto foi instalado dois centímetros mais baixo que o manual, obrigando a marca a elevar o carro e a instalar molduras plásticas nas caixas de roda.
Assim nasceu o inusitado Logan CVT aventureiro, lançado em janeiro de 2020.
O público torceu o nariz: sedãs pedem visual elegante e centro de gravidade próximo ao solo.
Resultado? Menos de 9 000 unidades emplacadas até a descontinuação em novembro de 2021, segundo dados da Fenabrave.
A carroceria de três volumes, afinal, não conversa com a proposta fora-de-estrada.
Câmbio automatizado de embreagem simples: tecnologia acessível, desempenho criticado
Nos anos 2000, ter câmbio automático ainda era privilégio de médios e grandes.
Para popularizar a comodidade, Fiat, Volkswagen, Chevrolet e Renault trouxeram caixas automatizadas, batizadas respectivamente de Dualogic, I-Motion, Easytronic e Easy-R.
Tecnicamente, tratava-se de um manual convencional comandado por atuadores eletrônicos.
A ideia barateava o conjunto em até 30% frente a um automático convencional — argumento forte durante a alta do dólar em 2008.
Na prática, porém, os engates demorados e os trancos frequentes afastaram consumidores.
As melhorias de software lançadas entre 2012 e 2016 suavizaram parte dos solavancos, mas não o suficiente.
O auge ocorreu em 2014, com 110 000 unidades vendidas; em 2023, foram menos de 6 000.
Hoje, apenas seminovos persistem — e com baixa liquidez.
A tecnologia acabou engolida por automáticos convencionais de seis marchas e, mais recentemente, pelos CVTs.
Cabine estendida: espaço extra, caçamba reduzida
Picapes médias norte-americanas tornaram célebre a cabine estendida, com poltronas ocasionais atrás dos assentos principais.
A moda desembarcou aqui na década de 1990 em Ford F-1000, Chevrolet S10, Dodge Dakota e Ford Ranger.
Todas fracassaram em pouco tempo.
O brasileiro, ao contrário do norte-americano, valoriza caçamba volumosa para carga ou segunda fileira utilizável no dia a dia.
A Fiat Strada deu sobrevida ao formato em 1999: como o modelo já media apenas 4,4 m, o ganho de cabine custava pouco espaço de caçamba e atendia clientes urbanos.
Nem por isso a solução escapou do destino: desde 2021, a Strada oferece apenas versões de cabine simples ou dupla de quatro portas; a estendida saiu de cena – mais um exemplo de ideias automotivas fracassadas que não conversaram com as ruas brasileiras.
Minicarros de quatro lugares: economia que não convenceu o público
Se levar cinco pessoas é raro no trânsito, oferecer menos que o padrão vira risco comercial.
O primeiro Ford Ka (1997-2007) foi cobaia: banco traseiro com apenas dois cintos afugentou famílias que comprariam o subcompacto como primeiro carro.
A lição forçou a Ford a esticar o entre-eixos em 1999 e, por fim, adotar o quinto assento em 2002.
Casos posteriores confirmaram a regra.
Volkswagen up!, Fiat Mobi e Renault Kwid, todos menores que 3,7 m, foram homologados para cinco ocupantes desde o lançamento.
Já o BYD Dolphin Mini chegou em março de 2024 com quatro lugares.
Em setembro, a própria marca correu para oferecer versão de cinco assentos, garantindo 20% de aumento nas vendas até fevereiro de 2025, segundo a Anfavea.
No Brasil, subcompacto pode ser simples, mas não pode restringir o quinto passageiro.
Botões touch: design moderno, usabilidade questionada
Painéis minimalistas surgiram como tendência há pouco mais de dez anos.
O Honda City 2014 abandonou botões físicos no ar-condicionado em favor de comandos sensíveis ao toque.
A Volvo foi além em 2022, substituindo seletor de faróis, retrovisores e até a abertura do porta-luvas por ícones virtuais.
A interface parecia moderna, porém exigia desviar olhos da via, somando segundos preciosos de distração.
Testes de ergonomia do Latin NCAP indicaram aumento de 30% no tempo de operação de funções básicas.
Diante da repercussão negativa, Toyota, Honda, Stellantis e a própria Volvo passaram a reinserir teclas físicas a partir de 2023.
Voltaram os botões físicos – e a tendência touch extrema virou mais um dos fracassos da indústria automotiva.
Aprendizados dos fracassos automotivos no Brasil
Especialistas apontam dois fatores recorrentes.
Primeiro, o hábito do motorista brasileiro, que prioriza robustez, espaço e facilidade de revenda.
Segundo, o contexto de nossas vias: buracos, rampas e tráfego intenso punem soluções não adaptadas.
Quando produto e realidade não se encontram, nasce uma nova página no álbum de ideias automotivas fracassadas.
Em paralelo, o consumidor ganhou voz nas redes sociais.
Reclamações se espalham em minutos, pressionando montadoras a rever projetos com velocidade inédita.
Foi assim com o Logan aventureiro retirado em menos de dois anos, com as caixas automatizadas aposentadas antes da primeira década de vida e com os painéis “100 % tela” que agora dão lugar a híbridos analógicos-digitais.
No balanço, as cinco experiências revelam que ousar continua necessário, mas conhecer profundamente o público tornou-se mandatório.
Entre sedãs erguidos, câmbios de uma embreagem, caçambas encolhidas, bancos limitados e botões virtuais, a principal lição amarga para as montadoras é clara: o mercado brasileiro adota tecnologia quando ela resolve problemas reais — não quando apenas parece engenhosa.
E você, lembra de outra invenção que parecia revolucionária, mas “morreu” nas ruas brasileiras?