Rússia propõe sistema de pagamentos global lastreado em ouro para o BRICS, desafiando a hegemonia do dólar e elevando tensões com os EUA.
Poucos meses após reforçar sua aproximação com os países do BRICS, a Rússia voltou a colocar pressão no sistema financeiro internacional ao retomar publicamente a proposta de um mecanismo global de liquidação lastreado em ouro. A ideia, defendida por autoridades e economistas ligados ao Kremlin, busca oferecer uma alternativa aos sistemas de pagamento dominados pelo Ocidente, como o SWIFT, e reduzir drasticamente a dependência do dólar nas transações internacionais.
Para Moscou, trata-se de uma resposta estratégica às sanções econômicas impostas desde 2022, que congelaram centenas de bilhões de dólares em ativos russos no exterior e restringiram o acesso do país a canais tradicionais de pagamento. Para Washington, no entanto, o movimento representa uma ameaça direta à hegemonia monetária americana — e um potencial catalisador para que outras nações busquem alternativas fora da órbita do dólar.
A visão russa: um “BRICS Pay” blindado contra sanções
A proposta, segundo declarações de Sergey Glazyev, comissário da União Econômica da Eurásia (UEE), é criar um sistema de liquidação que combine lastro em ouro com o uso de moedas nacionais dos países-membros do BRICS e aliados estratégicos.
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Na prática, funcionaria como uma espécie de “BRICS Pay” robustecido, onde o valor das transações estaria protegido de volatilidades cambiais e blindado de bloqueios políticos.
“O ouro é a única moeda internacional que não pode ser controlada por governos estrangeiros. É uma forma de proteger o comércio contra interferências externas”, afirmou Glazyev em entrevista recente.
Esse mecanismo poderia operar com uma moeda digital multilateral, emitida por um banco de compensação controlado pelos países participantes. Cada unidade dessa moeda teria um valor fixo baseado em uma determinada quantidade de ouro físico, armazenado de forma descentralizada em cofres dos países aderentes.
Por que isso pode gerar preocupação nos EUA
A força do dólar não vem apenas da economia americana, mas do papel central da moeda como meio de pagamento e reserva de valor no comércio internacional. Hoje, cerca de 58% das reservas cambiais globais estão denominadas em dólar, e mais de 80% das transações de câmbio envolvem a moeda americana.
Um sistema de pagamentos global lastreado em ouro, se adotado em larga escala por países emergentes, poderia minar essa dominância. Não seria imediato — a rede de confiança, a infraestrutura tecnológica e o volume de reservas de ouro necessário são imensos —, mas já seria suficiente para abrir fissuras no monopólio do dólar.
Para os EUA, permitir que países sob sanção, como Rússia e Irã, ou sob tensões geopolíticas, como China, encontrem uma rota segura para suas transações internacionais significa perder poder de pressão e influência diplomática.
Desafios para sair do papel
Especialistas alertam, porém, que transformar a proposta em realidade exige superar obstáculos consideráveis. O primeiro é a coordenação entre países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que têm interesses econômicos e alinhamentos políticos distintos.
O Brasil, por exemplo, mantém relações estreitas com os EUA e a União Europeia, e seu Banco Central adota uma postura cautelosa em relação a mecanismos financeiros alternativos. A Índia, por sua vez, apesar de buscar autonomia monetária, mantém acordos estratégicos com Washington.
Outro desafio é o volume de ouro necessário. Para dar liquidez a um sistema capaz de competir com o SWIFT e sustentar transações trilionárias, seriam necessárias reservas conjuntas equivalentes a milhares de toneladas de ouro. Hoje, os países do BRICS juntos detêm cerca de 6.500 toneladas — número significativo, mas ainda insuficiente para substituir o dólar como base do comércio internacional.
Impacto no Brasil e no comércio sul-americano
Caso o mecanismo avance, o Brasil poderia se beneficiar de custos menores e maior previsibilidade nas exportações, especialmente para mercados asiáticos e africanos. Transações em ouro ou moeda lastreada reduziriam a exposição à volatilidade do dólar e às taxas cobradas por intermediários financeiros ocidentais.
No entanto, analistas brasileiros alertam que a participação nesse sistema exigiria ajustes profundos na política cambial, no controle de capitais e na gestão das reservas. Além disso, a pressão diplomática dos EUA poderia se intensificar, afetando acordos comerciais e investimentos estratégicos no país.
Histórico e precedentes
A ideia de usar o ouro como lastro em transações internacionais não é nova. Até 1971, os EUA mantinham o padrão ouro, no qual cada dólar era conversível por uma quantidade fixa de ouro. Com o fim do acordo de Bretton Woods, o dólar passou a ser sustentado apenas pela confiança no governo americano e no tamanho da economia do país.
Nos últimos anos, a Rússia e a China vêm aumentando significativamente suas reservas de ouro — movimentos interpretados por economistas como parte de uma estratégia de desdolarização. Em 2023, Moscou propôs formalmente discutir o uso de uma moeda comum para o comércio entre países da União Econômica da Eurásia, com lastro em ouro e ativos estratégicos.
A geopolítica do ouro
O ouro, ao contrário das moedas fiduciárias, não depende de promessas de governos ou da estabilidade de uma única economia. É aceito globalmente e serve como reserva de valor em tempos de crise. Por isso, um sistema de pagamentos lastreado nesse metal poderia atrair países que enfrentam sanções ou que buscam reduzir sua exposição ao dólar.
Por outro lado, depender exclusivamente do ouro também traz riscos: o preço do metal é influenciado por fatores externos, como crises financeiras, mudanças na demanda industrial e políticas monetárias de grandes economias. Um sistema baseado apenas nesse lastro poderia ser rigidamente inflexível em momentos de necessidade de liquidez.
E o futuro?
Se a proposta russa ganhar adesão, poderemos ver uma nova arquitetura financeira internacional emergindo ao longo da próxima década. Ela não substituiria o dólar de imediato, mas criaria um canal paralelo, capaz de enfraquecer gradualmente o poder de sanção dos EUA e oferecer mais autonomia para países emergentes.
O movimento também poderia acelerar o uso de tecnologias como blockchain e moedas digitais de bancos centrais (CBDCs) para dar mais segurança, rastreabilidade e velocidade às transações.
O fato é que, para muitos países, especialmente os que já sofreram restrições financeiras impostas pelo Ocidente, a ideia de um sistema blindado contra interferências políticas é extremamente atraente.
É indispensável a criação de mais uma moeda internacional para todos os países interessados (não moeda única!?), para acabar com a dominação do dólar e euro (ou reduzir ao mínimo possível as diferenças, e geram povos pobres e miseráveis). Mas é preciso tomar cuidado nos procedimentos, porque, um erro de importância e eles (os adversários) derrubam tudo…!? São especialistas nisso!? O mundo financeiro internacional predominante é selvagem…!!!