O avanço das concessões rodoviárias no Brasil enfrenta um desafio inédito: a falta de engenheiros. O déficit de profissionais ameaça cronogramas, pressiona salários e força empresas a buscar tecnologia e programas de capacitação para manter projetos em andamento.
A nova rodada de concessões rodoviárias no país esbarra na escassez de engenheiros e técnicos.
Enquanto os leilões se multiplicam, empresas relatam dificuldade para formar equipes e cumprir cronogramas de obras.
Estimativas citadas pela indústria apontam déficit de 75 mil engenheiros, número que, segundo especialistas, já pressiona salários, acelera promoções e eleva o risco de falhas de execução em contratos de grande porte.
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Leilões de rodovias pressionam setor de infraestrutura
Nos últimos anos, os certames voltaram a ganhar ritmo depois de um período de paralisia.
Entre 2015 e 2018, auge da Operação Lava Jato e da crise fiscal, ocorreram apenas dois leilões federais.
De 2019 a 2022, foram sete.
O ciclo atual acelerou: em 2024, o Ministério dos Transportes realizou sete leilões, a maior marca em 17 anos, e a agenda de 2025 mantém o apetite do mercado.
A meta declarada pelo governo é chegar a 35 concessões até o fim do mandato.
Na avaliação de Ronei Glanzmann, CEO da MoveInfra — associação que reúne seis grandes grupos do setor —, o avanço reflete amadurecimento regulatório e econômico dos projetos.
Ele aponta, contudo, um “descompasso” entre o volume de obras e a disponibilidade de profissionais qualificados.
“Temos financiamento disponível, bons contratos e leilões competitivos, um atrás do outro, mas está na hora de executar os projetos e há um gargalo de mão de obra”, afirma.
A entidade lista como associadas EcoRodovias, Motiva (ex-CCR), Rumo, Hidrovias do Brasil, Santos Brasil e Ultracargo.
Falta de engenheiros e concorrência com outros setores
A Confederação Nacional da Indústria calcula que faltem 75 mil engenheiros no país.
O Brasil forma por volta de 40 mil profissionais por ano, ritmo inferior ao de países do Brics, como Rússia e China, o que amplia a distância entre oferta e demanda.
Em paralelo, o apelo de áreas como tecnologia da informação e serviços tem atraído parte dos recém-formados, reduzindo a entrada na engenharia “de campo”.
Segundo Roberto Paolini, diretor executivo de Pessoas e Organização da Arteris, fatores como a complexidade da carreira e o salário inicial menos competitivo contribuem para a migração.
Ele ressalta um efeito colateral imediato: promoções mais rápidas de quadros ainda juniores para posições críticas, algo que “pode comprometer a qualidade da execução”.
A concessionária, que administra trechos como a Fernão Dias (BR-381) e a Régis Bittencourt (BR-116), ampliou programas de desenvolvimento técnico e de liderança para reter talentos.
Concessionárias investem em capacitação e retenção
Sem conseguir preencher vagas no ritmo necessário, as empresas vêm combinando programas de capacitação com iniciativas de retenção e recrutamento regional.
A EcoRodovias aposta em contratar e formar profissionais nas localidades onde os projetos serão executados, o que, segundo o diretor de engenharia Filippo Chiariello, aumenta o senso de pertencimento e reduz rotatividade.
Na malha sob sua gestão, estão trechos das rodovias Raposo Tavares (SP-270) e Castello Branco (SP-280), além da SP-029, na Região Metropolitana de São Paulo.
A Motiva — nova marca corporativa do grupo CCR — também reforçou a qualificação interna.
De acordo com a diretora de Pessoas, Danila Cardoso, a companhia intensificou parcerias com universidades para mentoria e “upskilling”, com tratativas para criar uma escola própria de engenharia em parceria com a PUC-Rio.
A executiva relata ainda a contratação de centenas de engenheiros desde o início de 2024 e a manutenção de vagas abertas para o segundo semestre, diante do pico de obras previsto por contratos recentes.
A mudança de marca, anunciada em 2025, acompanha uma estratégia de expansão intermodal do grupo.
Na Arteris, a diretriz é sincronizar os ciclos de investimento com os de pessoal.
Paolini menciona trilhas de formação desenhadas com instituições como a Fundação Dom Cabral e a FGV, além de programas próprios para reduzir a disputa por talentos entre concorrentes diretos.
A premissa é absorver profissionais após entregas relevantes, evitando o “vai e vem” de equipes entre contratos e preservando conhecimento acumulado em obras complexas.
Tecnologia e engenharia digital ganham espaço
Além da formação, a tecnologia passou a ser aliada para otimizar canteiros e diminuir a dependência de mão de obra altamente especializada em determinadas frentes.
Chiariello cita equipamentos mais autossuficientes e a engenharia digital como ferramentas para ampliar o número de profissionais aptos a atuar em projetos, ao padronizar processos, centralizar dados e facilitar a supervisão técnica.
Na Motiva, a inovação inclui soluções de monitoramento e metodologias construtivas que reduzem exposição a riscos e melhoram ergonomia no campo.
Especialistas ouvidos pelo setor defendem que o upskilling precisa vir acompanhado da atualização curricular nas faculdades, com ênfase em tecnologias de projeto e gestão.
A leitura é que a combinação de demanda acelerada e formação aquém do necessário se traduz em gargalos com impactos diretos no cronograma de obras, sobretudo no início de concessões, quando as intervenções estruturais são mais intensas.
Riscos de atrasos e impacto na qualidade
A aceleração do pipeline traz consigo uma janela crítica de execução.
Como vários lotes entram simultaneamente em fase de obras, cresce a disputa pelos mesmos perfis — projetistas, engenheiros de pavimentação, especialistas em geotecnia, segurança viária e planejamento executivo.
Quando a absorção de profissionais não acompanha os contratos, as empresas reportam pressão sobre custos de pessoal e maior rotatividade, o que tende a afetar a produtividade e a qualidade.
Thiago Araújo, sócio do Bocater Advogados, avalia que a reversão desse quadro depende de cursos atualizados e de melhores perspectivas de carreira.
Para ele, a atratividade da engenharia precisa avançar frente a setores que hoje oferecem remuneração inicial mais alta.
O diagnóstico coincide com dados recentes sobre a procura por cursos de engenharia, que ainda não recuperaram plenamente o patamar de anos anteriores, apesar da melhora no mercado de infraestrutura.