Reforma tributária e leis estaduais aumentam imposto sobre herança no Brasil; herdeiros passam a dividir bens com credores e o governo antes da partilha.
O que antes era um processo quase automático, receber os bens de um parente falecido — está se transformando em um labirinto tributário que surpreende milhares de famílias em todo o país.
Com a reforma tributária em andamento no Congresso Nacional e a aprovação de novas leis estaduais, o imposto sobre heranças e doações (ITCMD) passou a ser o novo vilão de quem esperava um patrimônio intacto após a partilha.
Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Bahia estão revisando suas legislações para aumentar alíquotas, rever isenções e ampliar a base de cobrança sobre bens, valores em contas bancárias e até imóveis localizados no exterior. O movimento tem um motivo claro: reforçar os cofres públicos diante das mudanças estruturais trazidas pela reforma tributária federal.
O ITCMD: um imposto estadual com peso crescente
O ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) é um tributo cobrado pelos estados sempre que ocorre uma herança ou doação de bens.
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Previsto no artigo 155, inciso I, da Constituição Federal, ele tem alíquotas definidas por cada estado, com um teto de 8%, estabelecido pela Resolução nº 9/1992 do Senado Federal.
Durante muitos anos, a maioria dos estados manteve alíquotas médias de 4% a 6%, o que tornava o impacto relativamente pequeno.
Mas o cenário está mudando rapidamente:
- São Paulo analisa o PL 511/2023, que eleva a cobrança para até 8%, o limite máximo permitido.
- Rio de Janeiro atualizou seu Decreto nº 48.956/2023, ampliando a fiscalização sobre bens herdados no exterior.
- Minas Gerais e Bahia estudam projetos semelhantes, justificando o aumento pela necessidade de compensar perdas de arrecadação causadas por isenções e benefícios fiscais.
Essas alterações estaduais se somam às discussões da reforma tributária federal (PEC 45/2019 e PEC 110/2019), que prevêem uma padronização do ITCMD em âmbito nacional e aumento de transparência nas transferências entre herdeiros e doadores.
Fisco e credores vêm primeiro: o que os herdeiros precisam saber
O impacto das mudanças não se limita às novas alíquotas.
A ordem de prioridade na partilha — definida pelo artigo 1.997 do Código Civil e pelo artigo 186 do Código Tributário Nacional (CTN) — estabelece que os impostos e as dívidas têm precedência sobre a herança.
Na prática, isso significa que, antes de qualquer bem ser dividido entre filhos, cônjuges ou dependentes, o espólio deve quitar débitos com o fisco e com credores particulares.
Somente depois de resolvidas essas pendências, o saldo remanescente é partilhado entre os herdeiros.
Em outras palavras: se o falecido possuía dívidas, imóveis financiados ou impostos atrasados, parte da herança vai direto para o governo e para os bancos, reduzindo o valor final recebido pelos familiares.
Em muitos casos, o imposto estadual sobre a transmissão de bens é cobrado ainda durante o processo de inventário, o que força famílias a vender imóveis ou usar reservas apenas para regularizar a herança.
Reforma tributária pode padronizar e encarecer o imposto
Enquanto estados agem por conta própria, o Congresso Nacional discute uma padronização nacional do ITCMD, dentro do texto da reforma tributária.
Entre as propostas em debate estão:
- Cobrança obrigatória sobre heranças recebidas no exterior;
- Criação de faixas progressivas, que aumentam a alíquota conforme o valor da herança;
- Centralização da arrecadação pela União, com repasse aos estados.
Caso seja aprovada, essa reformulação deve aumentar a carga tributária efetiva sobre patrimônios médios e altos, o que gera preocupação entre juristas, economistas e famílias que planejam sucessão patrimonial.
De acordo com estimativas da Confederação Nacional de Municípios (CNM), as mudanças podem elevar a arrecadação do ITCMD em até 45% nos próximos anos, especialmente nos estados mais ricos.
Especialistas alertam: o planejamento sucessório é mais importante do que nunca
Advogados tributaristas e especialistas em Direito de Família reforçam que, diante desse novo cenário, o planejamento sucessório deixou de ser luxo e passou a ser necessidade. Instrumentos como testamento público, doação com reserva de usufruto e constituição de holdings familiares são estratégias legítimas para evitar surpresas desagradáveis e reduzir o impacto fiscal sobre a herança.
Sem esse planejamento, os herdeiros podem enfrentar anos de inventário judicial, pagar impostos altos e ainda ver parte do patrimônio ir para o governo e credores antes mesmo de receber o que lhes é de direito.
O que se desenha, portanto, é um novo mapa da herança no Brasil. A tributação estadual sobe, a fiscalização cruza dados com cartórios e bancos, e a reforma tributária promete padronizar, mas também tornar o processo mais caro e burocrático.
Em meio a esse cenário, uma verdade se impõe: quem não se planejar, pode deixar para os herdeiros mais dívidas do que bens.