Receita Federal cria sistema que centraliza informações de imóveis com código único e amplia cruzamento de dados sobre aluguéis retroativos, aumentando risco de autuações e multas para contribuintes que não declararam rendimentos de locação.
A Receita Federal regulamentou o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) e passou a exigir que cartórios e prefeituras compartilhem, em tempo (quase) real, dados de operações com imóveis no Sinter, sistema nacional que a própria Receita administra.
Publicada no Diário Oficial em 18 de agosto de 2025, a IN RFB nº 2.275/2025 prevê entrada em produção até 25 de novembro de 2025, quando o CIB começará a ser incorporado a atos registrais e cadastros municipais.
A partir daí, contratos de locação registrados alimentarão diretamente as bases do Fisco, permitindo o cruzamento com declarações de IRPF e IRPJ.
-
Quanto custa migrar de MEI para ME em 2025: taxas da junta, certificado digital, contador, INSS e impostos mensais que podem superar R$ 500
-
Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e outros sob risco: sanções dos EUA podem travar acesso ao dólar, congelar ativos e afetar salários e exportações em 2025; especialista alerta que ‘Brasil não tem soberania monetária para enfrentar Trump’
-
Seu apartamento vazio pode virar da Prefeitura em 3 anos: decreto baseado no Código Civil permite incorporação de imóveis com IPTU atrasado, sem uso e sinais de abandono
-
IPCA de agosto registra queda e aponta menor alta da economia desde 2022, diz IBGE
O que muda com a IN 2.275/2025 e o CPF dos imóveis
A norma detalha as obrigações dos serviços notariais e de registro: integrar-se ao Sinter e adotar o CIB como identificador único em documentos e sistemas, com cronograma pactuado entre Receita, CNJ e operadores dos registros.
O anexo do ato lista as etapas de diagnóstico, prototipação, homologação e go-live até 25/11/2025.
Na prática, o CIB funciona como um “CPF do imóvel”, padronizando cadastros e facilitando o compartilhamento de contratos e escrituras com as administrações tributárias.
A própria Receita descreve o CIB como instrumento para segurança jurídica e integração de dados no contexto da reforma tributária.
Além disso, a Lei Complementar nº 214/2025 e o Decreto nº 11.208/2022 enquadram o CIB dentro do Sinter e listam as operações com imóveis sujeitas a compartilhamento, incluindo locação, cessão onerosa e arrendamento, o que torna natural o cruzamento com rendimentos declarados (ou não) no Imposto de Renda.
Retroatividade: por que o Fisco pode olhar para trás
O prazo de que dispõe a Fazenda para constituir o crédito tributário por lançamento de ofício é, em regra, de cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte ao fato gerador, nos termos do artigo 173, I, do CTN.
Isso significa que, com as bases alimentadas a partir do fim de 2025, a Receita pode alcançar fatos ocorridos desde 2021, dentro do período decadencial.
O Superior Tribunal de Justiça já consolidou a lógica de contagem do prazo a partir do exercício seguinte, independentemente do momento em que a administração teve ciência do fato gerador.
Como o cruzamento tende a ocorrer
Com o CIB presente nos documentos e nos sistemas dos cartórios, as informações de contratos de locação, alterações e distratos serão enviadas ao Sinter logo após a lavratura ou o registro.
As prefeituras contribuirão com dados cadastrais (como IPTU e endereços), facilitando o vínculo entre imóvel, titularidade e CIB.
Em seguida, a Receita correlaciona essas informações com declarações já entregues, identificando inconsistências ou omissões.
O fluxo é contínuo e automatizado, sem depender de campanhas de aviso individualizadas. Há também uma camada financeira.
Desde janeiro de 2025, a atualização da e-Financeira ampliou o universo de instituições obrigadas a reportar movimentações, incluindo instituições de pagamento.
Os envios são consolidados por conta (créditos e débitos), sem identificação da modalidade de transferência — PIX inclusive —, e servem ao gerenciamento de riscos do Fisco.
Essa expansão fortalece o cruzamento com o CIB e reduz espaço para aluguéis pagos “por fora”.
Multas e penalidades: de 75% a 150%
Quando a omissão de rendimentos é constatada e o lançamento é feito de ofício, aplica-se a multa de 75% sobre o imposto devido, além de juros pela Selic.
Nos casos em que se comprove dolo — condutas de fraude, sonegação ou conluio tipificadas na legislação —, a multa pode ser qualificada para 150%.
A jurisprudência administrativa exige a demonstração da intenção para manter a qualificação. Para quem se antecipa, há diferenças relevantes.
No pagamento espontâneo antes de qualquer procedimento de ofício, não incide multa de ofício; aplicam-se multa de mora (0,33% ao dia, limitada a 20%) e juros.
Já após a autuação ou notificação, a legislação prevê redução de 50% da multa de ofício se o contribuinte quitar (ou parcelar nos termos legais) o débito no prazo.
Em síntese: antes da ação fiscal, o contribuinte foge da multa de ofício; depois dela, pode reduzi-la pela metade.
Quem fica mais exposto com o CPF do imóvel
Locadores pessoas físicas com contratos informais tendem a ser capturados à medida que instrumentos antigos forem formalizados ou quando novas alterações forem lavradas em cartório com o CIB.
Investidores pessoas jurídicas que não segregam corretamente receitas de locação e demais receitas terão seus números confrontados pelo vínculo entre CIB, escrituras e livros contábeis, com reflexo potencial em IRPJ e CSLL.
Situações de beneficiário diferente do declarante — como procurações informais entre familiares — tendem a disparar alertas.
E aluguéis depositados em contas de terceiros ficam mais visíveis diante do relato consolidado de movimentações financeiras, mesmo sem individualização por modalidade.
Como agir para regularizar sem agravar o passivo
O primeiro passo é retificar as declarações (IRPF ou IRPJ) dos últimos cinco anos sempre que houver divergências, informando valores corretos e, se aplicável, deduções amparadas em lei.
Em seguida, pagar o imposto devido com multa de mora e Selic.
Antes de qualquer procedimento de fiscalização, essa postura configura denúncia espontânea — hipótese em que não se aplica a multa de ofício.
Se já houver auto de infração ou intimação, o pagamento no prazo legal pode reduzir a multa de ofício à metade.
É recomendável formalizar o contrato em cartório, garantindo a correta emissão do CIB, e organizar os comprovantes de recebimento e recolhimento (recibos eletrônicos, DARFs e documentos exigidos), pois anotações manuscritas não bastam em caso de questionamento.
Datas que pedem atenção
O calendário regulatório prevê entrada em produção do CIB até 25/11/2025, seguida de etapa de validação e consolidação até dezembro.
Em 31/12/2025 fecha-se o ano-calendário; a entrega do IRPF 2026 exigirá que rendimentos de locação de 2025 já estejam corretamente declarados.
Ao longo de 2026, a tendência é de intensificação do uso do CIB/Sinter nos cruzamentos fiscais, dado o cronograma pactuado entre Receita, CNJ e registradores.
O que dizem órgãos e especialistas
Entidades do registro imobiliário vêm afirmando que a integração eleva a segurança jurídica e reduz fraudes na cadeia de transações.
A Receita, por sua vez, tem ressaltado a padronização de cadastros e a integração de dados como objetivos centrais — especialmente no contexto da reforma tributária e da criação do identificador único.
Tributaristas reconhecem que o prazo decadencial de cinco anos limita o alcance temporal das cobranças, mas alertam que a combinação de multa e juros pode multiplicar o valor devido quando há omissões repetidas ao longo de vários exercícios.
Quem recebeu aluguéis entre 2021 e 2025 e ainda não regularizou tem uma janela curta para corrigir o passado antes de a nova infraestrutura tornar a omissão facilmente detectável.